Filme afetuoso reacende a história de amor que gerou banda Planet Hemp

Em essência, o filme Legalize já! conta com sensibilidade uma história de amor. Em determinada cena do roteiro deste longa-metragem dirigido por Johnny Araújo e Gustavo Donafé sobre a gênese e os primórdios do grupo carioca Planet Hemp, os protagonistas Marcelo (Renato Góes) e Skunk (Ícaro Silva) dizem ‘eu amo você’ um para o outro. Mas não há qualquer tom de romantismo ou erotismo na declaração mútua.

Fonte: O Globo

Em cartaz no Festival do Rio até amanhã, 8 de outubro de 2017, o filme Legalize já! reacende a história desse amor nascido em 1993 entre dois homens oprimidos pela sociedade em meio a um cenário de ambiente marginalizado – o lado escuro da Lapa, bairro do Centro do Rio de Janeiro (RJ) – e a uma busca existencial que resultará em uma das bandas mais importantes da cena musical brasileira da década de 1990.

O filme rima amor e dor com fotografia de tom intencionalmente esmaecido como o futuro vislumbrado por Marcelo Maldonado Peixoto antes de se transformar em Marcelo D2, vocalista e frontman do Planet Hemp, banda que se posicionou ideologicamente contra o status quo com mix explosivo de rap, rock e funk. Com afeto, mas sem adoçar a realidade nua e crua das ruas, o filme retrata Luís Antonio da Silva Machado, o Skunk, como o herói dessa saga marginal em busca da autoafirmação. Herói que saiu de cena em 1994, vítima da Aids, sem ter tempo de colher os frutos que plantou na mente de Marcelo.

Legalize já! deixa claro que, se o Planet Hemp vingou, foi por conta da iniciativa, da insistência e, sobretudo, da elevada autoestima de Skunk, encarnado em cena de forma absorvente por Ícaro Silva, ator paulista que já deu vida aos cantores Jair Rodrigues (1939 – 2014) e Wilson Simonal (1938 – 2000) em musicais de teatros. No filme, Ícaro contracena com parceiro à altura, Renato Góes, igualmente brilhante na composição do inicialmente desiludido Marcelo. A aura resistente de Skunk é a alma do longa-metragem. Mas o filme se alimenta da relação contrastante entre Skunk e Marcelo.

Da admiração pela banda punk norte-americana Dead Kennedys, nasceu uma afinidade entre esse dois seres que se esbarraram pela primeira vez numa trombada pela Lapa e que, a partir desse encontro definidor, descobriram que ambos tinham no rap uma arma para lutar contra o inimigo comum: o sistema que oprime e cala as vozes de pobres, pretos e loosers. “Eles te tratam como se você fosse (preto)”, aponta o negro Skunk para Marcelo, aguçando a consciência social do amigo.

Com a big help do amigo argentino Brennand (Ernesto Altério), espécie de Mecenas surgido naquele caos social, Skunk e o futuro D2 começaram a apresentar as armas. Inicialmente em performance da dupla para jovens evangélicos, em cena que garante o riso. Mais tarde, já como a banda intitulada Planet Hemp que, na primeira formação, além de D2 e Skunk, incluía Bacalhau (bateria), Formigão (baixo) e Rafael Crespo (guitarra).

“A banda não é sobre maconha, mas sobre liberdade”, sentencia Skunk em determinado momento, em fala que serve tanto para conceituar o repertório da banda como o próprio filme (cujo título original Legalize já!, aliás, deverá ser trocado quando o longa-metragem entrar em circuito comercial para não restringir a produção da Academia de Filmes à campanha pela descriminalização da maconha). A propósito, o roteiro reconstitui o histórico show do Planet Hemp no Garage, palco do circuito underground carioca – apresentação que impulsionou a trajetória da banda e a levou ao primeiro e igualmente histórico álbum, Usuário (1995).

Por mais que o roteiro de Felipe Braga evite o melodrama, a emoção é inevitável pelo fim já sabidamente triste, já que Skunk sai de cena sem saborear a ascensão nacional da banda da qual foi o fundador mais essencial. Filme de amor, Legalize já! presta justo tributo a um herói que soube manter acesa a visão de que tinha talento e força para driblar a opressão e sair da cena marginal da qual tirou o amado amigo Marcelo, futuro D2. (Cotação: * * * *)

(Créditos das imagens: Ícaro Silva e Renato Góes em foto de divulgação. Cartaz do filme Legalize já!)