Viajando no tempo da maconha [Portas da Percepção 258#]

por Fernando Beserra

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Quando pensamos em estudos psicológicos sobre psicoativos, facilmente vem à mente os estudos sobre a famarcodependência. Apesar disso, usuários e redutores de danos podem planejar estratégias de cuidado (e auto-cuidado) refletindo sobre os efeitos psicológicos dos psicoativos. Um dos tópicos menos explorados nesta relação homem-planta é da temporalidade, isto é, de que forma o uso de psicoativos altera as vivências de tempo. Aqui no Portas da Percepção já abordamos as temporalidades alternativas fomentadas pelo uso de psicodélicos (VEJA); dando continuidade a esta discussão, hoje vamos falar sobre a temporalidade e o uso da cannabis.

Um dos pesquisadores pioneiro no estudo da percepção do tempo, John Gibbon, escreveu em um texto não finalizado que “Temporalidade é tudo”. Os estudos sobre as vivências do tempo ganharam terreno entre as décadas de 50 e 70 do século passado, notadamente nas pesquisas com cannabis. Para muitos pesquisadores os usuários de maconha e os pacientes com transtornos esquizofrênicos pareciam ter uma distorção do senso de tempo com tendência a superestimá-lo. Certamente a maconha não é a única substância a promover temporalidades alternativas; o Haloperidol, por exemplo, um fármaco antipsicótico, leva a impressão de tempo mais lento, enquanto a anfetamina leva a vivência oposta.

Os principais modos de realizar estes estudos foram através das pesquisas neurofisiológicas. De lá até hoje, muito se descobriu dos mecanismos neuroanatômicos e neurofisiológicos da temporalidade. Apesar disso, continua havendo um grande dissenso em relação as alterações de tempo relacionados ao uso da maconha ou quanto a cannabinóides específicos. Mas, afinal, como foram feitas estas pesquisas e quais seus resultados? A maioria das pesquisas sobre o efeito da cannabis na temporalidade utilizaram um dos três métodos ou formas de mensuração:

Estimativa: o pesquisador solicita ao participante da pesquisa para estimar a duração de um intervalo de tempo

Produção: o pesquisador estabelece certo intervalo de tempo e solicita ao participante da pesquisa que produza o intervalo.

Reprodução: o experimentador apresenta um intervalo de tempo e o participante é solicitado a reproduzir o mesmo intervalo de tempo.

Na pesquisa de revisão: “The effects of cannabis on perception of time” de Atakan e outros (2012), os pesquisadores apresentam as informações:

A estimação de tempo foi utilizada em 10 estudos, nos quais 07 reportaram superestimação (70%), enquanto 03 reportaram subestimação (30%). A produção de tempo foi usada em 08 estudos, nos quais 03 reportaram superestimação e 02 não encontraram efeitos. A reprodução do tempo foi usada em 03 estudos, 02 encontraram superestimação e 01 não encontrou efeitos.

O Brasil é pioneiro nestes estudos, destacando o lendário Elisaldo Carlini e pesquisadores associados. Em um estudo duplo-cego de estimação de tempo em voluntários saudáveis ainda em 1974 foi reportado que quando o Delta-9-THC e o CBD foram dados juntos a voluntários, 15 a 60mg de CBD foram eficientes para bloquear a “distorção” de tempo derivada do efeito do THC. Este seria um indicativo, embora ainda não conclusivo, de que igualmente neste tópico THC e CBD agem de formas distintas ou mesmo opostas.

Ainda há muito o que ser debatido, mas nosso tempo esvoaça, deixando apenas a leve brisa no ar. Diante de resultados tão diversos e inconclusivos, há de se debater se alguns fatores podem alterar as temporalidades alternativas catalisadas pelo uso da cannabis. Será que um usuário de longa data tem as mesmas alterações que um que começou há pouco tempo? Será que maconhas com distintas composições de cannabinóides levam as mesmas alterações? Será que os resultados veem tais alterações como distorções mais por um modelo de fazer ciência do que por uma objetividade científica? Afinal, quais os problemas e as virtudes de alterar nossas vivências de tempo?

Artigo de base para o post:

ATAKAN, Zerrin e outros. The effects of cannabis on perception of time: a critical review. Current Pharmaceutical Design, 2012, 18, p. 4915-4922.