Vencedora do Jabuti de melhor romance, Carol Bensimon, fala sobre ‘O Clube dos Jardineiros da Fumaça’

Fonte: G1

O livro vencedor do Jabuti de melhor romance em 2018 mostra como é a vida em Mendocino, uma pequena cidade na costa californiana, cuja principal atividade econômica gira em torno do cultivo da maconha. No estado em que o consumo recreativo da planta é legalizado desde o início do ano, o livro acompanha a história de Arthur, um professor que vai parar lá após complicações legais no Brasil devido a uma plantação de maconha por motivos de saúde, e acaba se envolvendo com a cultura local de uso e cultivo de maconha.

Autora do livro, a porto-alegrense Carol Bensimon construiu a história na própria cidade de Mendocino, onde viveu durante oito meses para escrever o livro, observando cada detalhe das paisagens, seus moradores e seus hábitos. “Gosto de uma literatura que é atenta aos detalhes, que nos mostra coisas pelas quais talvez passássemos batido na vida real”, explica ela, em entrevista ao G1.

No caso de “O Clube dos Jardineiros de Fumaça”, Carol considera que as ambientações e descrições são ainda mais importantes, uma vez que a área retratada é desconhecida da maioria dos brasileiros. “Não há uma informação prévia como há quando você menciona São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Nova York”, comenta.

O período passado em Mendocino acabou influenciando a escritora a fixar endereço lá em setembro deste ano. “Acabei me apaixonando pelo lugar. Algumas pessoas tiram seus livros do passado, mas parece que fiz o contrário: escrevi o livro para então me mudar para dentro dele”, conta.

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Literatura e guerra às drogas

A ideia de “O Clube dos Jardineiros de Fumaça” nasceu “vaga e bem ambiciosa”, nas palavras da escritora. Seu objetivo era falar sobre pessoas que vivem nesse lugar em que a indústria da maconha é a principal atividade econômica.

Além disso, também pretendia colocar as histórias individuais dentro de um grande panorama, o da história da guerra às drogas e da proibição da maconha. “Era um trabalho imenso e eu não sabia se ia dar conta”. A vivência no local foi necessária para a escritora conseguir, por exemplo, criar personagens americanos, com suas características, histórias de vida e cultura.

Ao escolher a maconha para seu livro, Carol acredita que está fazendo um “trabalho de formiguinha”, o de mostrar como outra parte do mundo lida com a questão, além de trazer informações sobre a cultura e os usos medicinais, por exemplo. “Mas é um romance, não um manifesto, e, como tal, tenta tratar do assunto com a complexidade que ele merece, sem moralismos, sem exageros, com ponderação”, diz.

O protagonista representa, para a escritora, os efeitos das restrições da proibição de ter uma planta de maconha na própria casa. “Temos uma lei muito cruel no Brasil em relação à maconha, que desconhece suas aplicações médicas e que encarcera consumidores pobres e pequenos traficantes, os quais saem da prisão totalmente cooptados pelo crime organizado. O Brasil não deveria se focar em questões morais subjetivas, mas em dados. Provou-se que a maconha é eficaz no combate dos parefeitos da quimioterapia, em casos de epilepsia, glaucoma, esclerose múltipla, espasmos musculares, distúrbios alimentares e outros”, completa.

Novo livro em Porto Alegre

Para o próximo livro, Carol trabalhará com outro cenário, bem diferente do interior californiano: a Porto Alegre do fim dos anos 80 e início dos 90, onde se passará o novo romance, em que ela já está trabalhando, mas ainda não na fase da escrita. “Não posso dar mais detalhes por enquanto”.

Será o quarto romance da escritora de 36 anos, que também é autora de “Sinuca Embaixo D’Água”, “Todos Nós Adorávamos Caubóis”, além de “O Clube dos Jardineiros da Fumaça”. Ela também assinou um volume de contos, “Pó de Parede”, e um de textos de não-ficção, “Uma estranha na cidade”.

O reconhecimento pelo Jabuti contentou Carol, em meio a um cenário difícil para o mercado de livros e para a leitura no Brasil, como ela reconhece. “Nunca foi fácil escrever romances no Brasil, com seus problemas gravíssimos de educação, de acesso a livros e, para completar, uma elite que nunca deu muito valor para a leitura. Mas agora está um pouco pior. Não é uma boa época para a razão, a empatia e a troca de ideias”, aponta.