Treino com maconha: por Ana Lucia Azevedo

Fonte: O Globo

Cresce o número de ultramaratonistas americanos que admite usar maconha para aliviar dores e náuseas do pós-treino.

Primeiro estado americano a legalizar o uso recreativo da maconha, o Colorado volta a levantar fumaça. Desta vez, no mundo da corrida. Em especial, da ultradistância — vamos considerar aqui, o básico, aquelas superiores aos 42,195 quilômetros das maratonas. É no estado que tem mais intensidade a discussão sobre maconha e corrida.

Cresce o número de ultramaratonistas americanos que admite usar maconha para aliviar dores e náuseas do pós-treino. Quem corre longas distâncias sabe que estes são fantasmas que nos assombram. Dores e náuseas costumam aumentar com o volume dos treinos.

Pouco antes do carnaval começaram a pipocar em blogs de corredores americanos posts de defesa do uso da maconha para o treino. Mais destaque ganhou o do várias vezes campeão de ultras Avery Collins, de 22 anos, do Colorado. Ele admitiu que fuma maconha de quatro a cinco vezes por semana, o que o ajuda a cumprir suas planilhas semanais de mais de 240 quilômetros. Muita gente apoiou e outros criticaram, mas a notícia ganhou vulto mesmo após ser repercutida pelo “Wall Street Journal”, por Frederick Dreier.

No mundo de esquiadores e snowboarders, o uso de maconha em treinos não é novidade. O Colorado é a meca americana destes esportes e também das ultras. Apesar da dureza, a ultramaratona conquista popularidade crescente e a discussão sobre o uso da maconha tem fôlego para se intensificar. Em dez anos, o número de ultras só nos EUA subiu de 294 para 1.300 por ano, segundo a a revista americana “UltraRunning”. No Brasil os números são muito tímidos. Mesmo assim, temos, por exemplo, uma das maiores delegações (fora França, Suíça e Itália) na ultra mais importante do mundo, a Ultra Trail do Mont Blanc, em Chamonix, na França.

Com a legalização da maconha, muitos atletas profissionais e amadores começaram a admitir que fumam com regularidade.

Fez coro a ele Jen Shelton, uma ultramaratonista americana dona de alguns recordes em provas duras, como a John Muir. “Quem corre ultras, precisa lidar bem com a dor, se manter calmo e relaxado e evitar os vômitos. A maconha te ajuda nisso tudo”, disse Shelton. Ela reconheceu usar antes de treinos, mas, por razões éticas, nunca em provas. Pois isso poderia aumentar a sua performance.

Collins foi além e disse que usa para competir. “Se você chega na dose certa, a maconha alivia o estresse e ajuda a correr relaxado. Depois de provas, também é boa”, afirmou Collins ao “Wall Street Journal”. Em seu blog e depois no jornal, ele fez um manifesto pela liberação da maconha para a corrida.

A discussão sobre a legalização da maconha, embora ainda enfrente muita resistência, tem ganhado fôlego e aliados como atletas profissionais só reforçam essa tendência. A maconha está legalizada para uso médico em 23 estados americanos. Segundo a médica Lynn Webster disse ao “Wall Street Journal”, há uma forte evidência de que os canabinóides realmente bloqueiam os sinais bioquímicos da dor. Webster é a fundadora de uma clínica pioneira no uso medicinal de maconha nos EUA, a Lifetree Pain Clinic, em Salt Lake City.

A Agência Mundial Antidoping em 2013 elevou a quantidade permitida de THC — o princípio ativo da maconha — a ponto de só deflagrar resultados positivos em testes se o atleta usasse a droga durante a prova. Na prática, isso abriu caminho para o consumo em treinos — inclusive na noite anterior a uma competição — e no pós-prova. Em competições, a agência frisou que o uso é banido porque poderia melhorar a performance e “viola o espírito esportivo”. A organização que regulamenta as provas de corrida nos EUA, a USA Track & Field, segue a determinação da agência.

No Brasil, a discussão está milhares de quilômetros atrasada. Aqui sequer se avançou de fato significativamente no uso médico e menos ainda na legalização. A questão, porém, existe. Queiram ou não os grupos que se opõem.