Texto Feminista Antiproibicionista sobre o Concurso Miss Marijuana!

Ontem de manhã acordei com esse texto rodando na lista nacional da Marcha da Maconha. Até o fechamento deste post, apenas uma pessoa se manifestou sobre ele na lista. Mas espero que todos tenham lido. Espero que quem não conhecia o concurso passe a conhecer. Afinal, o objetivo do nome “Miss Marijuana” é alcançado justamente enquanto faz barulho, chama atenção, causa curiosidade. Somos um blog. Nossa militância é criativa: o Miss é apenas uma ideia. Que saiu do papel e ganhou o mundo, saindo nos veículos de massa mais de uma vez.

Não acho que o feminismo seja bobagem. Longe disso. Vivemos em um país machista, preconceituoso e retrógrado: dá para perceber isso pelo nível de alguns dos comentários expostos no Miss Marijuana. Mas isso não é culpa nossa. Não temos como nos responsabilizar pelos comentários ou julgamentos dos leitores. Mas podemos nos orgulhar de gerar esse confronto onde a ideia besta se mostra e há, portanto, a possibilidade de ser contestada. Enquanto a mulher for minoria (ocupar o mesmo cargo e receber menor salário, dentre tantas outras injustiças) o feminismo é algo necessário. Uma luta que deve sempre ser ouvida e reverberada, pois é legítima e urgente!

Por isso resolvi ler, postar e responder a carta. Com todo meu respeito, acho que alguns apontamentos foram levianos (sobretudo para quem milita no movimento antiproibicionista e conhece suas formas de funcionamento) e, no geral, não trouxeram grandes novidades aos questionamentos já feitos durante as edições anteriores, mas ainda assim é válida a reflexão sobre a carta. Veja com seus próprios olhos e tire suas conclusões, nossos comentários estão sublinhados, enquanto abaixo o texto veiculado na lista nacional da Marcha:

“Sobre o Concurso Miss Marijuana

Nós queríamos deixar para pós julgamento do “Miss Marijuana”, porém nos questionam em boa parte dos espaços uma posição sobre o tema. Já que sou feminista por natureza política, e antiproibicionista por necessidade imposta percebo que só podemos reconhecer o Feminismo e anti-proibicionismo como lutas políticas contra um status quo sustentado por interesses econômicos e valores morais milenares que, ainda balizam nossa estrutura social para muito além do que se pode ver na aparência.

Antes de dar minha opinião sobre o “Mis Marijuana”, quero problematizar o texto publicado no site Hempadão, onde se divulga esse concurso. Diz:

1 – “Este concurso é um ato de militância pública e enfrentamento do paradigma de preconceito e incompreensão relativo à planta Cannabis Sativa.”

(SUPONHO ENTÃO QUE SE É UM CONCURSO DE ENFRENTAMENTO AO TABU CRIADO SOBRE A PLANTA, PLANTAS DEVERIAM SER O PRODUTO FINAL APRESENTADO NESTE CONCURSO?…SUPONHO)

Hempadão: Pô, esse foi viagem! Ora, não há como fazer um concurso no Brasil e exigir – na inscrição – que a pessoa pose com uma planta de maconha, né? Se isso acontecesse, a organização do concurso estaria evidentemente praticando apologia de ato ilício. O que não ocorre, nem pode ocorrer, para que definitivamente haja a possibilidade da realização do evento. Não é obrigatório portar nada ilícito. Mas para quebrar tabu criado sobre a planta precisa segurar uma planta? Se for assim será dolorido quebrar o tabu do aborto.

2 – “Maconheiro é sinônimo de vagabundo. E maconheira?! Ovelha negra da família e tantas vezes taxada de vulgar somente pelo ato de usar a erva. Vivemos em uma sociedade machista que muitas vezes permite o filho fumar, mas a filha, jamais. Não é a toa que a grande maioria dos maconheiros em marchas é composta por homens. Lutar contra essa realidade é necessário, por isso todos os anos reunimos um exército de militantes do sexo feminino para dar as caras e dizer: basta de guerra às fêmeas!”

(VIVEMOS NUMA SOCIEDADE MAIS MACHISTA DO QUE PROÍBIR AS FILHAS DE FUMARE. ESSA SOCIEDADE, INCENTIVARAM ESSAS MESMAS FILHAS À SE EXIBIR EM CONCURSOS DE BELEZA, DESDE DE MUITO PEQUENAS, JÁ QUE OS CONCURSOS DE MISS VIERAM EM 1951, E OS DE MISS UNIVERSO DEPOIS. ENTÃO PENSEMOS, COMO DEIXAREMOS DE SER “OVELHAS NEGRAS”, “VULGAR” E TODOS ESSES JULGAMENTOS QUE A SOCIEDADE MACHISTA IMPÕE, SERÃO SUPERADOS??? VENCEREMOS OS ESTERIÓTIPOS ATRAVÉS DO EMPODERAMENTO POLÍTICO?!)

Hempadão: Agora estamos juntos! Também quero saber quando esse pensamento será superado. Mas acho que o Miss tem sua contribuição nesse processo. Não acho sozinho. Centenas de mulheres concordam e veem no Miss Marijuana uma excelente forma de ruptura aos padrões tanto de beleza quanto de comportamento impostos a elas desde pequenas, como você disse. É preciso respeitar a opinião das mulheres. Ou não? Como diz Boal: “Não é possível olhar a lua sem deixar de fazer política”, nesse sentido, até mesmo fumar um baseado é um ato político. Porque homens tem mais liberdade para ter esse empoderamento político do que mulheres? O Miss luta para empoderar a mulher ao seu direito político de resistir às leis e aos costumes patriarcais. E mais: estende essa reinvindicação não só as que dão a cara a tapa no concurso, mas a todas as mulheres, que são representadas pelas que participam do evento. É uma representação de resistência, se isso não tem cunho político… Boal tava doidão!

“#SobreAInscrição:

A inscrição é efetuada mediante e-mail destinado ao endereço miss@hempadao.com com assunto: [Inscrição: NOME DA CONCORRENTE], com os seguintes anexos: Três ou mais fotos próprias, sozinha: Não há exigência quanto a trajes, nem necessidade que a concorrente pose com substâncias ilícitas. As fotos devem conter escrito “Hempadão.com” de forma legível e não digital.”

(FOTOS SOZINHAS, SERIA PARA NÃO TIRAR O FOCO APENAS NA MULHER? EU SE PARTICIPASSE DE UM CONCURSO DESSES ENVIARIA UMA FOTO DURANTE A MARCHA DA MACONHA, OU ATÉ UMA FOTO DA MARCHA DAS VADIAS QUE PINTEI A MARIJUANA NOS MEUS SEIOS, ACHO BONITO VER MULHER QUE LUTA, E ACHARIA LINDO VER UM SITE QUE SE DIZ ANTIPROIBICIONISTA INCENTIVAR O ENVOLVIMENTO DESSAS MENINAS TODAS NAS CONSTRUÇÕES POLÍTICAS E SOCIAIS QUE SE PAUTAM EM TORNO DA LEGALIZAÇÃO DA BEBEL.)

Hempadão: Gostei do Bebel, mais uma gíria pro nosso léxico canábico! Mas a interpretação não teve nada a ver com o real porquê da foto ter que ser sozinha. Colocamos isso como regra pelo seguinte motivo: em um evento público o que mais tem é gente com câmeras. Alguém poderia tirar uma foto sua na Marcha das Vadias e se inscrever como se fosse você, ou te inscrever sem que você soubesse. Outro ponto fundamental é: Você ao se inscrever autoriza a publicação da sua foto no site. Se tivessem outras pessoas na foto, elas também precisariam autorizar, e isso dificultaria a proposta do concurso. Juro, não tem nada a ver com exposição da mulher. Nós não pedimos que a foto seja de corpo. Se uma mulher mandar foto de burca ela está inscrita.

(O QUESTIONÁRIO FOI BEM ELABORADO, O PROBLEMA AQUI É PEDIR PARA AS MENINAS SEREM OBJETIVAS COM AS PERGUNTAS. EU JAMAIS PODERIA SER BREVE FALANDO SOBRE O ÚLTIMO LIVRO QUE LI, “UM PREÇO MUITO ALTO” DE CARL HART NÃO PODE SER BREVE. NÓS TEMOS MUITO A DIZER.)

Hempadão: Discordo que o questionário foi bem elaborado. Aqui vai uma autocrítica. Ano passado foram 15 perguntas, esse ano só dez. Como foi tudo muito rápido, acho que demos mole, poderíamos ter abordado outras questões e esquecemos de perguntar sobre a Marcha da Maconha. Ano que vem o questionário será melhor! Mas objetividade tem que ter: poder de concisão também é demonstrativo de inteligência.

“Questionário respondido: Aqui é o espaço para mostrar suas ideias! Seja objetiva e busque a criatividade nas respostas.

-Nome, idade, estado onde mora:

-O que você faz? Trabalha ou estuda? Qual área de atuação?

-Qual sua opinião sobre a proibição da maconha?

-O que você acha sobre a legalização da maconha medicinal no Brasil?

-Quais os últimos três livros que você leu? Diga brevemente o que achou de cada um…”

Nossa opinião

Sabemos do comprometimento que o Hempadão vem exercendo com a mídia alternativa, sempre vemos boas matérias sobre nossa luta em todo Brasil, conhecemos colunistas que estão nas mesmas trincheiras de luta que nós. Mas não podemos deixar de fazer a crítica, e o estímulo à compreensão da pauta feminista. Concursos de beleza de fato estimulam a rivalidade entre as mulheres, não porque tem que ser assim, mas porque nossa sociedade construiu os concursos de beleza baseados nessa lógica. Não é à toa que a indústria do cinema produz um tanto de filme mostrando isso essas desavenças de bastidores, desde 1951.

Esses concursos são feitos para apreciação masculina (A maioria dos jurados sempre são homens), tanto que de todas as fotos publicadas no facebook do Hempadão 80% das curtidas são de homens. Às mulheres não são estimuladas a buscar informação para emancipação, muitas meninas só acessam o Hempadão em época de Concurso, não são estimuladas com matérias sobre gênero e as drogas, uma pesquisa mostrou isso. Onde estão as mulheres?? Concurso de miss, gracinhas, desvalorização intelectual da mulher, que é o que esse tipo de concurso sempre foi.

Hempadão: Mas é culpa nossa que o blog seja mais frequentado por homens? As marchas da Maconha também são mais frequentadas por homens. As organizações das marchas então, nem se fala. Me parece que a culpa não é do Hempadão, nem das organizações. Nós, pelo contrário, gostaríamos que as mulheres participassem cada vez mais. O Hempadão já teve uma sessão semanal só destinada ao universo feminino e esse debate. Gostaria, inclusive, de convidá-las a re-ativar esse espaço. Assim, o Miss deve ocupar no máximo um ou dois meses da nossa programação, enquanto vocês terão o ano todo para levantar as questões mais interessantes desse vasto assunto. O convite está feito: as portas estão abertas.

A noticia do concurso foi publicada no site “O Globo”, e o organizador do Hempadão dizia: “Buscamos incentivar os leitores do blog a escolher com base nas respostas e criatividade das concorrentes, afinal, o Miss Marijuana não é um concurso de beleza em si, mas um ato de militância que mistura o conceito chique e glamouroso de ‘Miss’ com a marginalidade em volta do assunto Maconha, ou ‘Marijuana”. Não pegou bem, não se sabe se foi a tendenciosa flexão da mídia, ou se de fato essa seria a opinião do organizador.

Esperamos não ouvir desculpas bem blasés, que dizem que não se explora o corpo da mulher, que incentiva as militância feminina, que a maioria dos espaços antiproibicionista construídos hoje são de homens porque as mulheres não querem chegar, afinal lá trás na Revolução de Outubro que em sua maioria eram de homens, mesmo que entre a “base” dos lutadores houvesse milhares de mulheres). Historicamente fomos ceifadas dos debates públicos, somos mais que isso. Em Recife e no Ceará temos o orgulho de ter mulheres à frente da marcha, movimentos compostos por várias companheiras.

Hempadão: Em uma das edições além da Miss Marijuana nós elegemos a Miss Militância. O nome Miss é um detalhe. Muita gente se incomoda com ele, mas é apenas um trocadilho como vários que compõem o Hempadão. Não queremos perpetuar a ideia da Miss que dá tchauzinho e leu o Pequeno Principe (embora esse livro seja legal a beça). Queremos a Miss Marijuana! Isso significa re-significar a palavra Miss. E um dia nosso Miss pode ser mais legal que o deles. Porque a mudança só ocorre se for feita. E só existe se for registrada. A notícia do Miss Marijuana no O Globo já é uma comprovação do começo de uma mudança: Miss pode até fumar maconha!

Quero citar um trecho do texto de uma companheira feminista, a Isabela Bentes, que em seu texto 2013 retrata exatamente tudo que trago para contribuição com esse texto:

‘Para além disso, o ponto mais central é a afirmação categóricas que “nós mulheres somos todas Miss, marijuanas ou não” e de que “(…) A noção de humanidade de cada um estará em sua capacidade de conseguir enxergar as várias dimensões e saberes de como se colocar perante o que aprendemos e aperfeiçoamos no dia-dia. O Miss Marijuana é um incentivo a isto (…)”. Não, não somos todas Miss! Não queremos mais ser reduzidas a um estereótipo que nasce dentro de uma sociedade desigual e opressora historicamente, que nos colocam num patamar em que se instrumentaliza a beleza e a sensualidade como símbolo de uma suposta emancipação e autonomia. Não é essa a nossa luta! Não falem em “nós mulheres” para defender uma projeto político supostamente emancipatório que nos colocam no mesmo patamar de uma planta que são veneradas, adoradas e consumidas. Não! Não é esse o papel que reivindicamos em tantos anos de massacre sexista, não é sermos reduzidas às mercadorias de consumo.”

Afinal de contas porque vivemos numa sociedade em que o Miss Universo é mais importante do que o Mister Universo, aliás, alguém sabe ou viu ampla repercussão de homens em concursos de beleza? Existe um concurso de beleza pros homens, o Mister Universo. Porque não foi sugerido o Mister Marijuana? Não foi à toa, vivemos numa sociedade em que existe uma reprodução contínua de valores culturais machistas e sexistas, sobretudo na necessidade continua de uma divisão em dois. Não é à toa que as mulheres têm seus corpos mais explorados na mídia, mais reverenciados como algo belo do que o corpo do homem, a mulher é vista como objeto de apreciação, e por objeto é fácil perceber que é algo que não possui capacidade de pensamento e reflexão, não possui vida, o objeto está lá afim de ser apreciado, usado para o prazer da figura viva, pensante e capaz de refletir. O machismo estabelece as ações e capacidade dos sexos (de acordo com a leitura social do que é homem e mulher). Nossa cultura demarca nosso papéis e ações de acordo com os quadros, ser homem e ser mulher, para perceber isso basta observar os espaços de poder reverenciados (política e ciências tidas como importantes) e os espaços objetificados (revistas de beleza) . O homem está para o conhecimento, a ciência difícil, a capacidade de liderança, de pensamento crítico, a mente, a reflexão (haja vista o Iluminismo que focava todo poder e pensamento ao homem e não à mulher). Não toa os autores e pensadores que lemos são em sua grande maioria homens, a ciência dura e respeitável é aquela das ciências exatas em que a esmagadora maioria é de homens, a grande maioria dos prêmios nobeis são para os homens, quantas lideranças femininas temos em nossas organizações? Porque os espaços políticos são sempre majoritariamente de homens? Quando há a mulher, apenas lhe é dado a chance de pensar sobre o gênero e feminismo, em outros espaços de reflexão ela está ausente. O que resta à mulher? Resta a mulher ser o privado, reforçar a ideia de que o grande homem está em sua frente (“atrás de um grande homem sempre há uma grande mulher” – sic), é o papel privado pois esta fica em casa, ela foi e é educada a ser contida, discreta, cruzar as pernas, não se impor, afinal, se ela fosse assim seria “masculinizada”, à mulher cabe o papel de falar, de ser cuidadora, mãe, não à toa a grande maioria nos cursos de pedagogia são de mulheres, quem viu muitas mulheres em cursos ou áreas de tecnologias? O conhecimento tido como duro e difícil não é pra as mulheres, as mulheres podem e devem dialogar e estudar letras, essa é a parcela do conhecimento cientifico que a cabe: a comunicação.

Hempadão: Na minha opinião um Mister Marijuana é tão infundado quanto cotas nas universidades para brancos. Os homens fumando já são a maioria. Posso citar dezenas de artistas homens que assumem fumar maconha. Mulheres são poucas. Infelizmente. Vocês mesmo apontaram que o público é predominantemente masculino. Pois então, se fizéssemos um concurso com essa premiação, apareceriam ao invés de 70 inscritas, uns 700 doidões mandando foto, querendo participar. Nem daria para julgar, imagina Stoco (nosso programador), cem grupos de setenta, vai classificando três de cada…

Então, o Miss tem o papel também de mostrar que mulheres, maconheiras, são de todas as áreas. E dar voz à uma dezena de mulheres me parece exatamente o que precisamos fazer depois de ler o seu parágrafo acima. Sem dúvida existe uma cultura de patriarcado forte: quem muito defende a ideia do Mister Marijuana são os homens! Que pensam: “quem merece prêmio somos nós, ô ô”, ou tantas vezes não suportam ver a mulher em espaço de destaque: mostrando opinião, sendo ouvida.

Fora do conhecimento demarcado, a mulher está presente como um objeto, sua subjetividade existe apenas quando é firmado sua carência emocional, ou excesso de sensibilidade, fora disso, a mulher é corpo, corpo objetificado a ser apreciado e usado pelo ser ativo. A mulher cabe a passividade sexual, a santidade, saindo disso é a puta a ser apreciada e usada.

E para não ser só a feminista cri cri que vocês consumam taxar vez ou outra, sugirmos que os moldes dos concursos sejam mudados (apesar de saber da lógica capitalista que se segue com patrocínio de empresas). Mandar fotos nos espaços de movimento se elas quiserem, promover rodas de debates em suas cidades, mandar cartas manifestos que elas participem ou até mesmo promovam as Marchas da Maconha se desejarem, que possa mandar seus trabalhos sobre os livros lidos. Existem outras formas de contribuir para o empoderar da mulher, o debate apresentado dessa forma só inicia uma série de desconstruções que colocam o papel da mulher em certas condições de forma naturalizada, consolidando posicionamentos que não refletem a totalidade do pensamento feminista.

Reivindicamos, através desta carta, a abertura para o debate que se inicia no campo antiproibicionista, sobre o papel que a mulher tem sido convocada a se colocar nos espaços políticos e principalmente pelos movimentos sociais que lutam pela legalização da maconha. Propomos a abertura do dialogo para que possamos construir outros espaços de participação política da mulher e mobilização das bases, que não tenha como ponto de partida para a nossa participação espaços como o “Miss Marijuana”.

Hempadão: Que esse seja o primeiro de muitos contatos e trocas de ideias. Nosso desafio sempre foi fazer com que o concurso fosse cada vez menos influenciado pelo pensamento popularesco, mas é difícil se a forma mais idônea de se fazer um concurso é através da votação popular. Temos que evoluir e sem dúvida nosso intuito é ir no sentido de algo que contemple o pensamento feminista (uma organização de resistência) e não machista (um aparato social de repressão).

Nos, militantes antiproibicionistas compreendemos que a atual Guerra as drogas tem sido um instrumento legitimado pelo Estado que tem gerado conseqüências perversas e vulnerabilizado mais as mulheres de diversas formas. Nosso debate busca compreender as formas de opressão de gênero que nasce desta perversa Guerra as Drogas, onde as mulheres têm entrado cada vez mais cedo no comercio de drogas, ocupando lugares de subalternidade no trafico e sendo expostas a serem presas, pois são geralmente as “mulas”, aquelas que carregam a droga. A atual política de drogas tem encarcerado mulheres como nunca na história do Brasil, temos observado nascer medidas que violam o direito dessas mulheres como, por exemplo, a medida adotada pelo Ministério Publico de BH, que tem “sequestrado” recém nascidos de mães que são usuárias de crack, desconsiderando as especificidades da relação mãe-bebe, violando seu direito a maternidade e violentando estas mulheres que foram esquecidas historicamente pelas políticas. Aqui cabe uma pergunta: quantos filhos foram retirados de pais que faziam uso de drogas ¿

Salientamos que vivemos em um Estado hegemonicamente masculino, em uma sociedade patriarcal que busca tolher o nosso direito de autonomia com relação ao nosso corpo. A nossa luta é pelo direito de usarmos o nosso corpo da forma que bem entendemos o Estado não tem o direito de interferir na esfera privada. A criminalização das drogas, bem como do aborto são instrumentos de controle do corpo, principalmente do corpo feminino, e a nossa luta é principalmente pelo fim deste controle. Para promover mudanças reais em nossa atual sociedade, devemos produzir nossa luta antiproibicionista com bases feministas, sob pena de sempre sermos relegadas a espaços secundários, onde os homens decidem pelas mulheres.

Então aproveitamos também para refletirmos sobre a necessidade da integração entre as lutas e as formulações dos diversos movimentos de combate às opressões. No caso específico entre a relação entre feminismo e anti-proibicionismo, ressaltamos a necessidade tanto da preocupação feminista dentro de nossa militância anti-proibicionista quanto a também impostergável necessidade de reflexão anti-proibicionista dentro da atuação feminista, pois só assim seremos todos de fato livres.

Por fim, agradecemos aos companheiros do Hempadão por nos suscitar uma importante discussão, que pretende acima de tudo esclarecer que estamos construindo o nosso debate e ocupando espaços políticos para o avanço de uma agenda antiproibicionista que seja feminista. A militância feminista antiproibicionista não precisa ser estimulada por concursos como o “Miss Marijuana”. Compreendemos a importância de apresentar as nossas pautas políticas, estamos atentas a todas as formas de opressão de gênero, hoje veladas em nossa sociedade, e convocamos todas as mulheres a construírem conosco este debate, em espaços construídos por nos para o avanço da nossa pauta.

Ingrid Farias
Luana Malheiros
Well Leal

Hempadão: Máximo respeito à crítica. Vejo no trabalho desse movimento muito mais sentido do que quem levanta voz para debochar ou ironizar o pensamento feminista. Mas não posso concordar que a agenda antiproibicionista não precise de estímulos como o Miss Marijuana. Na verdade, acho que em diversas partes o texto de vocês ratificam mais do que condenam a ideia do concurso. Se a guerra às drogas é mais perversa com as mulheres, por exemplo, porque não é uma boa ideia colocar dezenas de mulheres para reivindicarem uma nova política?

Acho que a crítica está esquecendo um ponto fundamental. Tem uma frase do Tom Zé que diz mais ou menos assim: “A gente vive com o opressor, trabalha com o opressor, convive, obedece, aprende tanto com o opressor que quando temos a oportunidade de fazer alguma coisa, a gente age exatamente como o opressor”. É bem verdade que, talvez por isso, sem querer o concurso seja machista. Mas é bem verdade que, talvez por isso, sem querer, o discurso feminista (AS VEZES) coloque em jogo a própria vontade de mulher. Ora, se ela tem liberdade para ser o que quiser, porque não pode ser Miss?! Exemplo: A carga de crítica às dançarinas do Pânico é tão grande que as vezes penso se o movimento não deveria defendê-las e não atacá-las: “vendidas”, “mercenárias”, “cúmplices do machismo”.

O capitalismo é opressor, mas só é possível (se é que é), vencê-lo através dele mesmo. Não fora dele. Ou você é daquele(a)s que acha que todo militante comunista deve ir para Cuba? Ou ainda, não ter conta no banco ou não usar tecnologia? Pode ser que eu esteja errado, mas na minha opinião, não vamos vencer o machismo com guerra dos sexos, grupos exclusivos para mulheres ou coisas do tipo. Venceremos o machismo com o enfrentamento e consequente quebra desse paradigma bizarro de patriarcalismo. Assim sendo, se a mulher tem um corpo que siga os padrões mais perfeitamente estabelecidos da indústria da beleza, ela pode optar por se utilizar do pensamento reinante para conseguir visibilidade e a possibilidade de alteração do seu estigma. Não é porque uma mulher é dançarina que todas deveriam ser. Ninguém precisa querer ser Miss, mas será que é ultrajante querer ser?

Esse nome incomoda muita gente. Muitos julgam sem nem sequer conhecer o concurso, só pelo nome. Ora, nosso desejo era de fato chamar atenção. Mas se quiséssemos levar à risca o nome, certamente não faríamos um concurso aos moldes do Miss Marijuana, em que a participação é completamente livre. Mais uma vez reafirmo nosso desafio de fazer um concurso que represente e impulsione a luta da mulher por seu espaço e direito igual ao prazer. Contamos com a ajuda não só das mulheres, mas de todos, para a formação de um mundo extinto de machismo. Triste, no entanto, ser julgado de machista.

A opinião de quem realmente importa sobre isso tudo é a da mulher, certo? São elas que, não só ouvimos, como botamos todo mundo (que acompanha o blog) para escutar:

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