Sobre ser uma mãe maconheira [VCnoHempa #267]

“Tenho 23 anos, sou mineira, casada, jornalista por formação, repórter em um dos mais renomados jornais impressos do Estado e maconheira. Há sete meses ganhei mais um adjetivo (que eu ouso usar como sinônimo também): sou mãe. Pois é. Fumei meu primeiro baseado por volta dos 15 anos, mas faço uso contínuo mesmo desde os 17.

Durante minha gestação pesquisei bastante, mas não abri o jogo com minha obstetra – na verdade, não senti vontade de me abrir com ela. Uma paranoia tomou conta de mim e, se fumei cinco baseados em nove meses foi muito. Minha filha nasceu saudável e a preocupação então foi com a amamentação: será que alguma substância passaria pelo leite? Não obtive respostas concretas e confiáveis. Segurei a onda por mais 26 dias, mas decidi seguir meus instintos e voltei à ativa. Não me arrependo: a pequena segue com saúde pra dar e vender, amamentando em livre demanda e apaixonada pelas peitanças da mãe.

Fumo quase que diariamente com meu marido – sempre a noite, quando a filhota dorme e vamos prosear na varanda. Minha família é bem tradicional, em sua maioria evangélica e não sabe que faço uso da cannabis, mas grande parte dos amigos sabem – e usam também. Em meio à tanta discussão sobre descriminalização e legalização em outros países e até mesmo no Brasil, senti a necessidade de contar minha história como a jovem mãe maconheira que sou – na intenção de contribuir para quebrar o tabu e conscientizar o maior número de pessoas possível.

Não me considero viciada, mas é fato que sob o efeito da erva tenho alterações psicológicas e físicas – como qualquer um que fuma. E nada disso me impediu de concluir o ensino superior com 21 anos de idade, ser reconhecida profissionalmente, formar uma família, gerar, parir e criar minha filha. Aliás, minha filha foi concebida sob efeito da cannabis, assim como os próximos, provavelmente, também serão. Os momentos mais intensos e amorosos que tenho em família também são sob o efeito da marijuana: quantas mil vezes eu e meu marido nos pegamos chapados, em silêncio, observando a feição e cada detalhe do sono da nossa filha?! Pois é. A maconha afeta sim os sentidos e talvez por isso sentimos o amor quase que palpável, transbordar e até se transformar em lágrimas de felicidade.

Nunca usei nenhum outro tipo de droga. Ok! Confesso: cheirei loló algumas vezes – durante minha adolescência. Nunca experimentei pó, nem LSD. Não fumo (não mais) e a única bebida alcoólica que tomo é um vinho tinto suave – vez ou outra. Não faço uso abusivo de sal ou açúcar (meu índice glicêmico e minha pressão arterial estão normais). Pois é: sinto dizer, mas a maconha não é a porta de entrada para outras drogas!

Também atuo como dona de casa nas horas vagas, lavo, passo, cozinho, todos os meus impostos estão em dia – embora o cartão de crédito esteja atrasado –  e cumpro com todas as minhas responsabilidades – bem como minha prima careta ou o vizinho pastor. E nem vou entrar no mérito cultural da coisa, já que tenho certeza que leio e sou muito mais consciente que ambos.

O que quero dizer é que qualquer um pode fumar maconha e ser uma pessoa do bem. Qualquer um mesmo: a moça que te atende na padaria, a enfermeira do posto de saúde, a senhora que vende Avon de porta em porta, o padre ou até seu mecânico de confiança. Todos! Não existe nada que comprove os efeitos maléficos ou negativos da cannabis e sabe por que? Simplesmente por que não existem.

Se o filho do seu patrão começou a fumar e logo depois foi preso portando cocaína ou sumiu no mundo perdido na cracolândia, acredite: ele não foi induzido pela maconha. Até porque, em grande parte dos casos drogas como o álcool e o tabaco antecedem o uso da maconha e se ele chegou ao fundo do poço é porque tinha uma pré-disposição à isso.

A bandeira que defendo vai além do direito de ir e vir de cada cidadão, mas da mesma maneira que meu pai se sentira afrontado se o Estado o proibisse de tomar uma cervejinha eu também me sinto emputecida por ter que fumar meu baseado as escondidas. Mas já que não tem jeito e o governo vai sempre intervir (viva a Democracia!) que a coisa seja ao menos legalizada. Fica bom para eles e bom para nós – maconheiros: além de controlar a venda e o uso, os senhores do colarinho branco ainda vão arrecadar uma verba altíssima sob os impostos e, além de guardar no próprio bolso (é inevitável, sejamos sinceros) poderão também investir em educação, saúde, segurança e por aí vai.

Enfim, por mais lento possa ser é inegável que o debate sobre o tema foi aberto. E ainda que os pessimistas se manifestem por questões políticas e partidárias, ontem (3), a justiça brasileira autorizou a importação do canabidiol para o tratamento de uma criança com epilepsia. Estamos em festa! É um avanço imensurável que serve como exemplo de que as coisas tendem e podem mudar em breve. Basta cobrarmos e ajudarmos a conscientizar o país: seja em uma conversa fiada com amigos, debates entre famílias… o que for! Mas acima de tudo, que sejamos todos livres para sermos nós mesmos e cultivar, portar e consumir o baseado nosso de cada dia.

Que o futuro dos nossos filhos seja mais bonito que o nosso. É por isso que luto: por acreditar que, embora o mundo esteja cada vez mais perigoso, poluído e do avesso; a geração da minha pequena será mais livre e mais consciente do que fomos e somos hoje. E consequentemente mais feliz.

P.S.: a autoria do texto é um codinome – não por medo de dar a cara a tapa, mas para preservar minha filha e minha família. Aliás, que com a ampliação do diálogo e conscientização da legalização isso não seja mais necessário.”

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