Resistência até a última Ponta: Rincon Sapiência e Planet Hemp na Fundição!

Resistência define. A ex-quadrilha da fumaça segue voando alto, concluindo com perfeição a manobra arriscada de tocar música boa e ser ideologicamente ativa. Representação conclama. Rincon Sapiência não abre só o show, mas também as mentes e alas para a cultura black desfilar seu orgulho, força e beleza. E o cenário ajuda. A Fundição Progresso recebeu mais uma vez ícones da cultura nacional para uma noite inesquecível de contracultura e antifascismo.

Texto: Cadu Oliveira / Fotografia: Lissando Garrido

O Planet Hemp está comemorando 25 anos em grande estilo. Para além do rap, rock n´roll, psicodelia, hardcore, ragga, esses caras fizeram também história e foram parar até no cinema. O filme “Legalize Já” conta a história de como a união entre D2 e Skunk acabou germinando a banda que conhecemos hoje. Entre os presentes, uma unanimidade: o Planet é sempre certeza de bom espetáculo.

Para a noite com os maiores maconheiros do Brasil, a Fundição destinou um espaço para realização de uma feira e exposição de cultura canábica, a Brenfa. “Eu apresentei um projeto de fazer um evento maior. A organização da casa gostou e sugeriu de a gente fazer um aperitivo no show do Planet. Tivemos 28 dias só para organizar, mas tamo aê”, disse Henricão, produtor cultural há mais de 30 anos e o responsável por transformar a data do show em um ambiente também para se trocar de ideias sobre produtos, culturas e cultivos.

Entre os stands presentes estavam o Ganjah, a RAW, a seda Lion Circus, a loja de cultivo Raiz Indoor, o Cannabistrô e a distribuidora BongX. Quem também estava lá marcando presença e abrilhantando a noite foram os camaradas Zannon Art, expondo seus desenhos, e o fotógrafo Phill Wizzman, criador do Baseado no Cotidiano.

 

Rincon Sapiência: Resistência e Representatividade Black!

Quando faltavam cinco minutos para a uma da manhã o mestre de cerimônia linha de frente escalado para a abertura entrou no palco. Em ação lá em cima era só ele e mais o DJ Mista Luba. Rincon fez introdução com vocal robótico e atacou com “Galanga Livre”, só pra começar. Na segunda cartada, já vem trunfo: “A Coisa tá Preta” tem ótima recepção da galera.

Antes de começar a falar com a plateia veio a execução animada de “Moça Namoradeira”. Perguntando se o Rio de Janeiro “estava a pampa”, pra logo na sequência atirar a pedra, a apresentação segue com “Ostentação à Pobreza” puxada a capela. A canção conta com refrão reativo: “Já ouviu falar em pobreza? Pobreza, ela não morreu”.

A quinta canção do repertório foi “Crime Bárbaro”, uma música-crônica de um escravo que mata o seu senhor e “fugiu queimando um baseado”, brincou Rincon. Mas depois explicou melhor: “Essa é a história do nego fujão. Antigamente eles não deixavam cultuar os orixás, dançar a capoeira. Mas hoje em dia eles não deixam várias coisas também. Se mordem quando vê a mesma orientação sexual”, comparou, se referindo a opressão patriarcal conservadora e covarde.

Agora é a vez de “Elegante” e depois, segundo ele, “é hora do momento mais dance do show”, e cumpre a promessa lançando o “Afro Rep”. Já imbicando para o fim do apresentação, o MC de São Paulo lança no mic: “Vocês passaram no teste da dança, agora eu quero ver no da energia”, e sai pulando antes de chamar o hit “Ponta de Lança”.

Pra fechar rolou um medley com a parte do Rincon da música “Afronta”, combinada com parte funk do show, com trecho de “bumbum tan tan” e outras. Após uma hora de palco, o MC pede barulho e termina a apresentação dizendo “sejam bem-vindos ao afrorap”, e quem não conhecia saiu de lá querendo mais.

No intervalo o diretor da casa entrou no palco para dar um recado importantíssimo: “Isso aqui é mais que um show, muito mais que isso. A Fundição é o maior centro cultural do Brasil e a gente foi construindo isso com vocês, quem lembra?”, questionou, antes de chamar a atração de cordas protagonizada pela artista local Deborah Motta.

 

Planet Hemp: Posicionamento Político e o SetList mais Pesado!

Prontos para fazer história, o Planet começou o show com uma mensagem emblemática no telão: “Primeiro de janeiro de 2019 sai o vampiro, entra o demônio”, deixando o posicionamento político mais claro que seda de celulose.

A música que abriu alas para o grande desfile de hits foi “Legalize Já”. No palco B-Negão e Marcelo D2 entraram em cena cheios de energia acompanhados por Formigão no baixo, Bruno nas guitarras e Pedrinho na batera e Pedro Augusto pilotando os teclados. Um time tocando coeso e preciso.

Segunda sinfonia da noite, “Dig Dig Dig” faz a galera ir a loucura. Na sequência, “Fazendo sua Cabeça”, atualíssima, mexe com o imaginário coletivo e explode no refrão com o nome da banda marcado.

_DSC1746Diante do telão ricamente ilustrado com imagens de plantas e bonecos do Cheech & Chong, “Queimando Tudo” é executada com D2 demonstrando muita felicidade e afeto com a banda. Durante essa faixa alguém jogou no palco uma bandeira do nosso país hermano legalizado. No intervalo entre as músicas, o sagaz homem fumaça respondeu ao estímulo: “Se der errado a gente pode ir pro Uruguai, pelo menos lá é legalizado e tem o Mujica”, disse brincando, ainda abraçado à bandeira.

Tocando “Mary Jane” outra bandeira veio ao palco, dessa vez com as cores do arco-iris. B-Negão pegou prontamente, também se abraçou e depois a acomodou no palco. Sem dar tempo pros alto falantes da casa, a guitarra segue rasgando com “100% Hardcore”.

Música número sete, o clássico “RapRocknRollPsicodeliaHardcoreRagga” enlouquece a plateia e transforma a Fundição num parque de diversões, ou melhor, num legítimo show de rock, com direito a roda gigante! O palco sob luz verde e entre o público uma agitação tão grande que tinha até expectador voando aos braços da galera.

Arrebatando os corações saudosos de toda uma geração que cresceu ouvindo isso, o Planet Hemp avança com “Ex-quadrilha da Fumaça”. Não conheço outra banda que se posicione de forma tão corajosa e contundente. No telão referência ao Moro, provando que a sintonia é perfeita entre o direcionamento político com o curso da história recente do país. O juiz que prometeu não se envolver com política figurava como possível ministro no novo governo Bolsonaro.

_DSC1765Hino da cidade, executada na lapa, “Zerovinteum” ganha coro geral, mais uma vez e sempre. BNegão em uma noite de extremo embrasamento político não perdeu nenhuma oportunidade de emanar palavras de resistência. O grito de “Marielle Presente” ecoou como um suspiro contra a injustiça e opressão. E soou alto demais.

Após rápida reprodução de uma parte de Black Alien em sua passagem pelo Planet, os vocalistas indicam: “ouçam Babilon By Gus”, rendendo homenagem ao ex-integrante. Então o verso inconfundível “chapado de maconha” ganha a intro para a guitarra vir roendo “Phunky Buddha”, com a casa indo abaixo em cada execução.

“Salve, Chorão”, diz D2 no mic antes de puxar uma emocionante apresentação de “Samba Makossa”. Depois disso a banda chama uma atração diretamente da rocinha, e Mc Paulão invade a cena pra trocar “Crise Geral”, cover de Ratos de Porão. Destaque para o vocal potente e rasgado do convidado. Ainda na série de cover, D2 pula mais de um metro pra evocar o espírito punk da Serial Killer tocando “Seus Amigos”.

Ainda no bloco das fortes emoções e homenagens, os mcs propõem todos os isqueiros acesos pois, segundo Bernardo: “É o nosso primeiro show aqui na cidade depois que nosso irmão se foi”, explica, com a casa no escuro iluminada somente pela chama da saudade. D2 evoca o epíteto “o fiel” e a cerimônia para “Quem tem Seda” começa e termina pegando fogo.

Pela ordem, mais uma pedrada lançada na lapa é “Stab”, lembrando e eternizando que “nossa vitória não será por acidente”, torcemos todos. BNegão mais uma vez aproveita o mic para encaixar o papo reto: “Esse show aqui é uma celebração de liberdade”, diz sintonizando a energia da galera à mesma do palco.

Seguindo para a reta final do show, o Planet puxa meio que no improviso o agressivo e reflexivo “Futuro do País”, motor da roda furacão. Depois luzes piscantes deixando tudo em flash pra lapa ouvir, mais uma vez, D2 e BNegão cantarem juntos “A Culpa é de Quem”.

Enquanto Bernardo brinca sobre a Lei Rouanet com o trocadilho “Lei Rua Neles, essa é a nossa lei. Antifa”, o instrumental avança pelo riff do baixo de “Mantenha o Respeito”. Nessa hora D2 pede barulho para o amigo de longa data, Formigão. Os mcs apresentam também o mais novo integrante da banda, o NoBru, Bruno Pederneiras, que assumiu a guitarra com total competência.

Apresentando o batera, a dupla de MCs alfineta mais uma vez o PSL. “Diretamente do único bairro onde o Bolsonaro não ganhou no Rio, de Laranjeiras… Pedrinho. Esse é o nosso caçula”, disparam. Ainda nesse momento, Bernardo lembra como a história de Skunk levou ao início da banda, em 1993 e segue quase emocionando o parceiro de palco ao apresentar quem dispensa apresentações – o sinistro e cascudo Marcelo D2.

Se alguém conhece alguma banda nacional que toque instrumental tão pesado, levante tanto a galera emplacando tamanha lista de hits, com letras firmes e críticas e ainda lote as casas do Brasil inteiro como o Planet, por favor, me apresentem. Eu não conheço. Caso não exista, não será exagero, nem rasgação de seda nenhuma, dizer que se trata da maior banda _DSC1770de rock do país. Pedrinho termina o show quebrando a bateria ao meio e o público tá tão satisfeito que nem pede bis.

D2 pula no palco como se estivesse estreando e tocando na Fundição pela primeira vez. BNegão foi consciente, soldado da resistência e tem a voz do trovão evocando roda em furacões. Esse time toca demais. E, de quebra, a ex-quadrilha da fumaça, politicamente, é quase kamikaze, investindo sem medo na crítica sem demagogia, com o pé na porta, lembrando repetidas vezes que, a partir de 1º de janeiro, a intolerância chega ao poder, mas nós seguiremos existindo e resistindo.

Muito mais que um show, de fato. A apresentação foi também um ato político que marca tempos sombrios onde nem toda plateia concorda com as críticas contra o militarismo no poder. No ar, junto à fumaça, o clima é de tensão. Mas… “esperem sentados, a rendição…”, a grande vitória dessa banda nunca foi mero acidente. Obrigado por existirem, Planet Hemp.