REeDUcaÇÃO #45 – Direitos humanos para quem??

por Guilherme Storti

Salve, salve!

Entre tantas pautas e questionamentos que procuramos levantar dentro da perspectiva da redução de danos, um aspecto que nunca sai de cena é o direito do usuário de drogas e, consequentemente, a garantia dos direitos universais, de qualquer ser humano, para esta categoria de excluídos sociais.

Durante os dias 10, 11, 12 e 13 de dezembro aconteceu em Brasília o Fórum Mundial de Direitos Humanos, iniciativa esta que contou com incentivo, principalmente, do Governo Federal.

Quando um evento de tamanha proporção e com propostas tão ambiciosas acontecem em território nacional, o mínimo que os militantes das minorias esperam é que as suas lutas sejam discutidas e representadas dentro deste ambiente de debates, ainda mais quando se trata do tão polêmico (e em crise) “Direitos Humanos”.

Falar de direitos humanos quase sempre é um assunto que dá pano pra manga, até porque é muito complicado colocar em algumas cabecinhas a universalidade de direitos para qualquer ser humano, sem que qualquer tipo de distinção seja feita. De fato existem grupos que têm a ideia de sobreposição perante a outros grupos, e o grande problema desta pauta começa justamente aí. Afinal de contas, os direitos humanos existem para quem?

Poderia chegar hoje aqui fazendo mil elogios a logística do evento, à estrutura oferecida em Brasília, aos militantes que representaram as suas lutas, e principalmente, respeitaram as lutas alheias…Poderia dizer que as mesas foram fantásticas e que a partir deste evento as perspectivas começaram a mudar de norte e que uma gota de esperança ainda vive dentro de alguns seres iluminados que habitam este tão conturbado planeta. Mas a minha escolha para falar deste evento veio por outra perspectiva.

Quando olhei a programação do evento já havia percebido que as “drogas” e os seus usuários (diariamente com direitos violentados em todas as partes do mundo) ficaram de fora das grandes conferências internacionais que aconteceriam naquele espaço, o que já me deu margens para uma crítica pessoal.

Continuei a procurar pela programação das mesas temáticas (espaços propostos, em sua maioria, pelos movimentos sociais) e eis que me deparo com uma ausência assustadora desta pauta, tendo apenas uma mesa dedicada ao uso de drogas e direitos dos usuários, que fora proposta pelo CONJUVE (Conselho Nacional de Juventude) com o tema: Autonomia, Cidadania e Direitos Humanos para a Juventude: a re-invenção necessária das políticas sobre drogas.

Será que apenas a juventude se preocupa com a pauta da política de drogas? Será que apenas os jovens usam drogas? Ou será que abraçamos essa pauta por ela ser o principal motivo do extermínio da juventude negra, pobre, favelada e moradora de rua do Brasil?

Em paralelo a estes questionamentos, pude ver o quanto o outro lado da moeda se mostra articulado e presente nos espaços políticos, pois mesas falando sobre internação compulsória e defendendo o PLC 37/10 do Osmar Terra se mostravam presentes e atuantes dentro da programação do Fórum.

Cadê a militância antiproibicionista do nosso Brasil? Reclamamos tanto de espaços que quando temos um, deixamos a nossa concorrência tomar conta e se lambuzar de argumentos depreciativos sobre nós, os verdadeiros usuários. Tive contato com cariocas, mineiros, potiguares, baianos, gaúchos, paulistas…muitos simpatizantes, mas poucos ativistas da causa. Apenas dois coletivos que organizam a marcha da maconha pelo Brasil se mostraram presentes, Salvador-BA e Natal-RN, e que se encontraram lá por um acaso do destino, pois os coletivos não se articularam para estarem juntos no evento.

Acredito que a nossa militância anda um tanto quanto sonolenta nos espaços físicos, enquanto que na internet o que mais temos são militantes sedentos por mudanças. Cadê todo mundo nos espaços físicos? Coletivos importantíssimos no âmbito nacional sequer deram as caras no Fórum, o tal do movimento nacional só existe na internet? Me decepcionei com o contexto do Fórum, ainda mais por ver que estávamos ausentes por falhas na militância e não por falta da espaço.

Presenciei uma mesa sobre internação compulsória que beirou a catástrofe dos direitos humanos, a ponto de um cidadão argumentar que não poderia ser considerado um violador dos direitos humanos por usar eletroconvulsoterapia (o famoso choque) em alguns casos de pacientes com transtornos mentais. Alguém consegue entender a proporção dessa afirmação em um espaço que se discutia direitos humanos? Na mesma mesa vi uma defesa categórica do PLC 37/10 do Osmar Terra, defendendo que o enrijecimento na política de drogas é um avanço para o Brasil. A sorte foi que alguns militantes assistiam inquietos a este debate e puderam se colocar no momento do debate, fazendo com que o desastre fosse amenizado com algumas falas incisivas criticando este modelo absurdo de atenção ao usuário de drogas.

Graças à intervenção de alguns, o desastre não foi maior…

Sinto que fomos, de fato, esquecidos durante este evento, e mais grave que o esquecimento foi a inércia da militância nacional de não estar atenta à possibilidade de ocupar espaços como este. Ver stands de comunidades terapêuticas e não ver nenhuma contrapartida foi o cúmulo do que se poderia imaginar.

Não vou criticar a organização do evento pela falta de critérios em admitir qualquer pauta dentro deste fórum, afinal de contas o Governo Federal adora mandar dinheiro para as comunidades terapêuticas e o bloco proibicionista-cristão que nos causa calafrios a cada plenária. A minha crítica aqui vai para o movimento social que cometeu uma gafe histórica, pois tal espaço não se fará presente no Brasil, novamente, tão cedo.

Não quero, com esta fala, menosprezar os que se fizeram presentes e militaram dentro deste ambiente. Apenas senti a necessidade de ligar o sinal de alerta para os mais desavisados, pois o cenário se mostra cada vez mais complicado para aqueles que sonham em viver em um país mais justo e respeitoso com os cidadãos que fazem uso de substâncias psicoativas.

Para vocês que acham que o Brasil um dia vai legalizar alguma coisa, cuidado para não se frustrarem. As coisas aqui estão indo para outro lado completamente diferente do resto do mundo.

Enquanto isso, as comunidades terapêuticas avançam a passos largos.