Psilocibina: no TOC e na dependência (PARTE III)

por Fernando Beserra

Décadas de proibição do uso lúdico de psilocibina tiveram um efeito devastador, não apenas para seus usos lúdicos, mas igualmente no campo das pesquisas relativas aos seus usos terapêuticos. Nos EUA, após o período de paralisação das pesquisas iniciais, o primeiro estudo autorizado e realizado com a psilocibina foi o coordenado por Francisco Moreno na Universidade de Arizona. Moreno, Delgado e Gelenberg (S/d) investigaram, em um estudo fase 1, duplo cego, o uso de psilocibina na busca de tratamento do transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e apresentaram resultados animadores. Os participantes da pesquisa eram refratários a, ao menos, uma tentativa de tratamento anterior. Segue um quadro que traduzi acerca das pesquisas de campo com psilocibina após o longo período de estagnação. O quadro foi traduzido (MACHADO, 2014/2015, p.45) – e inserido de forma cronológica, além de reduzido apenas as pesquisas com psilocibina:

Lista de estudos clínicos recentes usando psilocibina

Localização

Indicação

Tratamento

Número de pacientes

Status/Referência

Universidade de Arizona – Tucson

Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)

Uma a quatro sessões com uma dose de psilocibina em um ambulatório

9

Publicado em 2006

Universidade de Nova Iorque – Cidade de Nova Iorque

Ansiedade existencial ligada ao câncer

Nove sessões de psicoterapia de preparação; duas sessões com uso (uma psilocibina e outra placebo)

32

Em curso desde 2009

Universidade Johns Hopkins – Baltimore – Maryland

Ansiedade existencial ligada ao câncer

Diversas sessões de psicoterapia, incluindo uma com psilocibina

44

Em curso desde 2009

Centro Médico Harbor-UCLA – Los Angeles – California

Ansiedade existencial ligada ao câncer

Duas sessões experimentais com poucas semanas de intervalo, uma com psilocibina e uma com placebo

12

Publicado em 2011

Universidade Johns Hopkins – Baltimore – Maryland

Dependência em nicotina

Diversas sessões preparatórias e após três dias de sessões com psilocibina

15 em um estudo piloto aberto

Publicado em 2014

Universidade do Novo México – Albuquerque

Dependência de álcool

Uma ou duas sessões com psilocibina, terapia motivacional e sessões de psicoterapia

10

Publicado em 2015

Imperial College – Londres

Depressão

Psicoterapia com duas sessões com psilocibina oral

12 em um estudo piloto aberto; 60 em um ensaio controlado

Expectativa de início em 2015

Universidade de Alabama – Birmingham

Dependência em cocaína

Diversas sessões preparatórias, após um dia de sessão com psilocibina

40

Recrutando

Inicialmente é importante ressaltar que foi observada uma boa tolerância à psilocibina em participantes da pesquisa com tal diagnóstico. O TOC é um transtorno crônico e que pode ser significativamente debilitante. Sua prevalência populacional é de cerca de 2 a 3%. Muitas pessoas com TOC apresentam, ao longo da vida, co-morbidade depressiva. Os sintomas obsessivos caracterizam-se como pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que são experimentados como intrusivos e não desejados pelas pessoas. Já a compulsão refere-se a comportamentos repetitivos (p.ex., lavar as mãos, organizar, verificar) que o indivíduo se sente impelido a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras rigidamente aplicadas (DSM-V, 2014).

De acordo com Moreno, Delgado e Gelenberg (S/d) apenas de 20 a 30% dos pacientes que recebem tratamento encontram melhora significativa dos sintomas, enquanto 40 a 50% encontram uma melhora parcial. Finalmente, cerca de 40% não apresentam melhoras ou chegam mesmo ao agravamento dos sintomas, mesmo com o tratamento. Há diversas hipóteses para a etiologia do TOC, de forma geral relacionadas ao entendimento psicodinâmica e a fatores de ordem biológica. Possivelmente, como na maioria dos transtornos mentais, há uma etiologia multifatorial e complexa. No que concerne às alterações psicofisiológicas, observa-se a desregulação da serotonina (5HT), além aumento da atividade metabólica no córtex frontal, gânglio basal e cíngulo (MORENO, DELGADO e GELENBERG, S/d). Desta forma, além da possibilidade de tratamento psicoterapêutico psicodinâmico ou cognitivista, há um apontamento de que inibidores da recaptação de 5HT como a fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina são efetivas no tratamento do TOC. De forma geral, demoram de 4 a 8 semanas de tratamento continuo para efeitos significativos e sua resposta terapêutica ocorre em aproximadamente 50% dos pacientes. Nestes casos, a redução dos sintomas ocorre em uma extensão de 30 a 50% (op.cit).

O uso de psilocibina levou os participantes a melhoras robustas e agudas dos sintomas do TOC (GROB e outros, 2011). Foram analisados os resultados dos testes:

· Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale (YBOCS) em 0, 4, 8 e 24h após a ingestão;

· The Hallucinogen Rating Scale (aplicada 8h depois do uso);

Não foi observada relação direta dose-dependente à resposta terapêutica, isto é, doses baixas ou altas não diferiram profundamente (25ug/kg, 100ug/kg, 200ug/kg e 300ug/kg). Os pesquisadores concluíram que em uso clínico controlado, o uso da psilocibina foi seguro e levou a redução dos sintomas do TOC. Os resultados, que avaliaram apenas as primeiras 24hs, mostram que a psilocibina produz efeitos com maior duração e que novos estudos devem ser realizados para continuar a investigação. Abaixo uma das imagens que indicam os efeitos da psilocibina nos sintomas do TOC:

Outro importante campo de uso da psilocibina na área de saúde refere-se às pesquisas com farmacodependência. Diversas linhas de evidência sugerem que os psicodélicos clássicos (agonistas do receptor serotoninérgico 5HT2A) são relevantes no tratamento clínico da dependência de álcool e outras drogas (BOGENSCHUTZ e outros, 2015). Como já apresentei em um vídeo, uma metanálise recente indicou a importância do LSD (https://www.youtube.com/watch?v=6ttAMNrZoTQ) no tratamento do alcoolismo. Em um estudo recente, Bogenschutz e outros (2015) avaliaram dez participantes da pesquisa com critérios de dependência de álcool pelo DSM-IV. Os participantes receberam doses orais de psilocibina em uma ou duas sessões supervisionadas em adição a Terapia Motivacional, além de doze sessões de psicoterapia com fins de preparação das sessões com psilocibina. Durante as primeiras quatro semanas, que os participantes da pesquisa receberam aconselhamento – sem uso de psilocibina – não houve redução nos níveis de consumo de álcool. Após a primeira sessão com psilocibina houve considerável redução dos níveis de uso de álcool, o que foi sustentado até o fim da pesquisa (MACHADO 2014/2015)

Além do uso da psilocibina no tratamento da dependência de álcool, uma pesquisa recente, publicada em 2014, indica que a psilocibina como adjunta no tratamento do tabagismo resultou em taxas de abstinência de 80% em follow up de 6 meses! Tais resultados são muito superiores aos 25% de sucesso das terapias habituais no campo das dependências (GARCIA-ROMEU e outros, 2014). Nos casos de dependência, há a possibilidade que a neurogênese seja o principal motivo fisiológico dos resultados terapêuticos e não a atuação da psilocibina nos receptores serotoninérgicos 5HT2A (HUGEN, 2015).

Por fim, ainda há outros estudos que não foram abordados nestes últimos 3 textos que escrevi no Portas da Percepção. O uso no tratamento da depressão é um deles. Por certo o futuro da ciência psicodélica é promissor e os resultados são realmente animadores!

Referências:

BOGENSCHUTZ, M; FORCEHIMES, A. A; POMMY, J. A; WILCOX, C. E; BARBOSA, PCR; STRASSMAN, R. J. Psilocybin-assisted treatment for alcohol dependence: A proof-of-concept study. Journal of Psychopharmacology. 2015, p. 1-11.

DOBLIN, R. Pahnke´s “Good Friday Experiment”: a long-term follow up and methodological critique. Massachusetts: Transpersonal Institute, 1991.

DSM-V. American Psychiatric Association. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

ESCOHOTADO, A. Historia de las drogas. Vol 1. Madrid: Alianza Editorial, 1989.

GARCIA-ROMEU, A; GRIFFITHS, R. R; JOHNSON, M. W. Psilocybin-Occasioned Mystical Experiences in the Treatment of Tobacco Addiction. Current Drug Abuse Reviews, 2014, 7, p. 157-164.

GRIFFITHS, R. R.; JOHNSON, M. W; RICHARDS, W. A; RICHARDS, B. D.; MCCANN, U.; JESSE, R. Psilocybin occasioned mystical-type experiences: immediate and persisting dose-related effect. Psychopharmacology, dez. 2011, p. 649–665.

GROB, C. S; DANFORTH, A. L; CHOPRA, G. S; BSN, M. H.; MCKAY, C. R; HALBERSTADT, A. L; GREER, G. R. Pilot study of psilocybin treatment for anxiety in patients with advanced-stage cancer. Archives of general psychiatry, 2011; p. 71-78.

GROB, C. S. The use of psilocybin in patients with advanced cancer and existential anxiety. In: Psychedelic medicine: new evidence for hallucinogenic substances as treatment. Vol 1. Westport: Preager, 2007.

GROF, S. LSD Psychoterapy. California: Hunter House, 1980.

HUGEN, L. M. Estudo dos benefícios ligados ao uso de psilocina como tratamento para psicopatologias. Monografia de conclusão – Técnico em Farmácia. Baueri, 2015.

JOHNSON, M.; GARCIA-ROMEU, A.; COSIMANO, M.; GRIFFITHS, R. Pilot study of the 5-HT2AR agonist psilocybin in the treatment of tobacco addiction. Journal of Psychopharmacology 2014, vol. 28. P. 983-992.

LEARY, T. Flashbacks “surfando no caos”: a história pessoal e cultural de uma era. São Paulo: Beca, 1999.

LUZ, P. Carta psiconáutica. Ilustrações de Julie Debasse. Rio de Janeiro: Dantes Ed., 2015.

MACHADO, P. M. S. As fronteiras da psicoterapia psicadélica: a psilocibina como nova opção de tratamento. Mestrado em Biomedicina Farmacêutica. Universidade de Aveiro. 2014/2015.

MCKENNA, T. Alimento dos deuses. Rio de Janeiro: Record, 1995.

MORENO, F. A; DELGADO, P; GELENBERG, A. J. Effects of psilocybin in obsessive-compulsive disorder. University of Arizona. Disponível em: <http://www.maps.org/research-archive/psilo/azproto.html>

PAHNKE, W. Drugs and mysticism. The International Journal of Parapsychology. Vol VIII. Spring, 1966. P. 295-313.

SEWELL, R. A; HALPERN, J. H; POPE, H. G. Response of cluster headache to psilocybin and LSD. Neurology, 2006. 1920-1922.

Mais no Portas da Percepção sobre o assunto:

BESERRA, Fernando Rocha. Cogumelos mágicos e psilocibina (Parte 1). Hempadão. 2016. Disponível em: https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/cogumelos-mgicos-e-psilocibina-parte-1/

BESERRA, Fernando Rocha. Psilocibina no campo da saúde (Parte II). Hempadão. 2016. Disponível em: https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/psilocibina-no-campo-da-sade-parte-ii/

BESERRA, Fernando Rocha. Psicodélicos produzem experiências místicas. Hempadão. Disponível em: https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/pt/infumacao/portas-da-percepcao/2652-psicodelicos-produzem-experiencias-misticas.html.

BESERRA, Fernando Rocha. Imaginação e Terence Mckenna. Hempadão. Disponível em: http://hempadao.blogspot.com.br/2011/09/imaginacao-e-terence-mckenna-parte-i.html.

BESERRA, Fernando Rocha. Cogumelos mágicos e ansiedade em pacientes com doenças terminais. Hempadão. Disponível em: https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/cogumelos-m-aacute-gicos-e-ansiedade-em-pacientes-com-doen-ccedil-as-terminais/.

Beserra, Fernando. Psicodélicos produzem experiências místicas. Hempadão. Disponível em: https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/pt/infumacao/portas-da-percepcao/2652-psicodelicos-produzem-experiencias-misticas.html.