Psicodelia Política

por Fernando Beserra

Desde que a guerra às drogas foi lançada, como um véu de entorpecimento, nunca houve tantos rasgos e fraturas neste manto da obscuridade. Uruguai, Estados Unidos e agora o Canadá avançam nos processos de legalização da maconha, com suas diferentes roupagens contribuem para a reflexão: a legalização da maconha é suficiente para derrubar a guerra às drogas?

Seja no uso de LSD ou ao entrar em um espaço de pouca luz, a pupila se dilata. Enxergamos as fantasias do inconsciente ou nos acostumamos a ver no escuro. E foi no final da década de 1960 que os usuários de psicodélicos, intimamente ligados à experiência de vida de uma geração contestadora, que via e vivia mais do que os valores convencionais, se tornaram alvos do establishment. Ao proibir um grande conjunto de psicodélicos, um sistema autoritário e opressor teria as justificativas para prender e ameaçar a contracultura. Enquanto se estimula drogas adaptadas ao trabalho fordista, se afastam drogas promotoras da criatividade. Eu costumo dizer que o café é a droga do trabalho; o LSD, a dinamite da imaginação.

No Brasil, atualmente, quando se fala em substâncias psicodélicas predomina um cenário desastroso, construído na conjunção entre uma Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) com posicionamentos proibicionistas ou acovardados, ao lado da repressão policial e da ausência de controle sanitário. Em grande medida, culpa do proibicionismo, os usuários de psicodélicos sintéticos desconhecem, tipicamente, o conteúdo das substâncias que pretendem ingerir. Desta forma, são incapacitados de manejar adequadamente seu consumo: afinal, quando tomo uma bala ou MD estou ingerindo MDMA, PMA, metilona, butilona, 2CB, cafeína ou tudo junto e misturado? Quando pretendo utilizar um doce, posso estar ingerindo LSD, 25C-NBOMe, DOB, 2CI? As alterações são extensas… Há pessoas morrendo e sendo hospitalizadas por substâncias que nem imaginavam que estavam utilizando. O controle de qualidade destas substâncias é uma exigência de saúde pública que pode ser resolvida, ou ao menos minimizada, com a regulamentação.
Muitas brechas estão sendo abertas com o avanço do uso medicinal da maconha, bem como de ações políticas, como as Marchas da Maconha. No caso dos psicodélicos, igualmente, há um amplo campo de usos terapêuticos e muitos psicólogos e psiquiatras acreditam que estas substâncias, quando usadas em psicoterapia, revolucionarão as terapêuticas da saúde mental. Os exemplos são os mais variados, tais como o uso do LSD no tratamento de ansiedade em doenças terminais; MDMA no estresse pós-traumático; ayahuasca e ketamina na depressão; psilocibina no tabagismo e cafaleia; ibogaína na farmacodependência. Embora com resultados excepcionais na década de 1950 e 1960, a proibição do uso recreativo dos psicodélicos caiu como uma bomba e gerou, praticamente, o impedimento das pesquisas científicas. Após quase 40 anos de estagnação, as pesquisas com terapias psicodélicas retornaram!

As fraturas do proibicionismo colocam em questão se continuaremos nesta bad trip ou se após os horrores da proibição conseguiremos ampliar nossa consciência. Ampliar a consciência, no caso da política de drogas, envolve ver além da droga de escolha e afinidade. No desmoronamento da proibição, é preciso exigir além da legalização da maconha, que as demais substâncias psicodélicas sejam inclusas. O renascimento psicodélico avança mundo afora. No Brasil, organizamos as Alas Psicodélicas nas Marchas da Maconha e, deste processo, surgiu a Associação Psicodélica do Brasil.

Pupila dilatada. A galera tá ligada; sintonizada, e vai legalizar!

 

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Texto publicado originalmente na HEMPADA #02

Hempada #02 OKokokokokok