Primeira Marcha Mundial da Cannabis Regulada!

por Diogo Tinoco

O dia 3 de maio de 2014 foi um dia histórico. No dia internacional da marcha pela legalização e regulação da cannabis, o Uruguai esteve em festa como o primeiro país do mundo a comemorar a regulação e o golpe no tráfico de drogas. Milhares de orientais e estrangeiros se reuniram no Molino de Pérez em Punta Gorda, na cidade de Montevidéu, para celebrar ao som de bandas locais entre baforadas e discursos políticos. Simultaneamente, mais de 100 cidades ao redor do mundo marcharam contra a proibição e afirmando a cultura canábica.

A Marcha começou já no ônibus. No caminho para o Molino, grupos de amigos foram se reunindo ao longo do trajeto, conforme o ônibus coletava os montevideanos, e quanto mais perto, mais animadas e agitadas se tornavam as conversas. Saltando na Aconcágua, em Malvin, as turbas se enfileiravam na única loja a vender cerveja nas imediações em pleno sábado a tarde de uma cidade pacata: uma loja de conveniência de um posto de gasolina.

Ao lado do posto se concentrava um grupo de jovens panfletando para um candidato à presidência concorrente ao atual governo, anunciando as eleições que se aproximam. Não há como não ver os esforços da oposição à Mujica, existem outdoors e grupos como este em toda a cidade. Mas é claro, vai ser extremamente difícil derrubar um partido como a Frente Amplia numa sociedade tão progressista e que aceitou a proposta de experimentar uma política distinta com relação às drogas. Antes da aprovação da lei no congresso, 60% da população uruguaia era contra a legalização, porém num estudo recente, 51% se posicionou a favor do experimento.

 

Abastecidos com um ou dois litrões de cerveja, caminhamos para a festa. Já pelo caminho, é impossível não notar o cheiro das flores queimadas pelos jovens em procissão ao palco central. Os autocultivadores e clubes, ainda ilegais, acabaram de colher recentemente o que está sendo considerado a maior colheita de cannabis do Uruguai de todos os tempos, então não faltaria boa erva sem a marca do mercado negro. Na noite anterior, houve já a festa da colheita, promovida pela Asociación de Estudios del Cannabis de Uruguay (AECU) e a associação Proderechos, organizações que tiveram papel fundamental na legalização e que fundaram os primeiros clubes.

O Molino de Pérez é uma construção histórica, usada no século XIX como um moinho, e foi onde tudo começou nessa longa caminhada uruguaia rumo a liberdade. A casa logo na entrada dá o tom bucólico do cenário, com sua roda em aspecto original apesar de ter sido substituida ao longo dos anos. Entretanto, as pedras do moinho ainda são as originais. Contornando o monumento, por uma rua de terra, nos deparamos com um enorme gramado recheado de gente. Havia gente de todo o tipo, desde famílias, com crianças brincando e idosos sentados em cadeiras de praia desfrutando um bom mate, até hippies e rastas fazendo malabares e papeando ao som da primeira banda. Muitos cachorros de coleira acompanhando seus donos, jornalistas e barraquinhas de laricas completavam o ambiente.

A impressão a primeira vista é de um festival, como o Aldeia Rock no Rio de Janeiro, ou uma miniatura de Woodstock. A infra-estrutura, incluindo palco, banheiros químicos e barraca de água grátis, merece nota 10. Não havia um único policial presente, tampouco houve violência de qualquer tipo que eu tenha presenciado ou escutado falar. O vocalista da banda Rey Toro fez questão de frisar isso durante o seu show.

O evento em geral foi uma festa, uma comemoração ao grande passo dado pelo Uruguai. Juan Váz, um dos articuladores orientais do anti-proibicionismo e membro fundador da AECU, lembrou em seu discurso que hoje o Uruguai é exemplo para o mundo e centro dos holofotes da luta anti-proibicionista, e que por isso não é momento de acomodar-se: “devemos lutar pelos clubes, por modificações nas partes da lei que não nos agrada, devemos avaliar a lei ano após ano e lutar incansavelmente para melhorar cada vez mais” disse enquanto rasgava o projeto de lei que entrará em vigor mediante decreto presidencial na segunda-feira, dia 5 de maio de 2014.

Laura Blanco, companheira de luta e esposa de Juan, também fez um grande discurso, ressaltando as conquistas e próximos passos, como aperfeiçoar o sistema de cadastro que pode gerar estigmatização do usuário, lembrando que “usuários de drogas muito mais agressivas não são cadastrados, como bebedores de álcool e fumadores de tabaco”. Ela foi ovacionada e em seguida entrou uma das bandas mais aguardadas, Rey Toro. Todas as bandas tocaram em prol da causa, sem receber um tostão, e uma das que mais agitou a massa de mais de mil pessoas, foi essa banda de metal. Rodas punks se formaram perto do palco, e quem estava sentado no gramado já estava de pé na segunda música.

A alegria imperava, sem brigas, sem violência de qualquer tipo, apenas pessoas se divertindo, fumando seu baseado, compartilhando com amigos em clima de paz, fraternidade e juventude. Imperou ali, no Molino de Perez, exatamente o que almejamos quando defendemos a legalização e uma política de drogas eficiente: um mundo melhor. Agora é a nossa vez de mostrar que estamos ligados no Uruguai e na ativa pra libertar nossa cultura e derrubar o proibicionismo! Dia 10 de maio é a Marcha da Maconha no Rio de Janeiro. Consulte por outros locais nas redes ou compartilhe aí nos comentários!

Para ler mais sobre o evento, em español:
http://www.elobservador.com.uy/noticia/277713/los-festejos-por-la-regulacion-de-la-marihuana/
http://www.eltiempo.com/mundo/latinoamerica/marcha-mundial-por-legalizacion-de-la-marihuana_13927195-4