Por dentro da festa de CBD do Dan Bilzerian

Gente bonita, um fluxo de modelos e uma mulher vestida de Maria, a Rainha da Escócia

Uma das lições mais difíceis da vida que aprendi é que, fora casamentos, nenhum evento com open bar pode ser divertido. Se fosse, a bebida não seria grátis. Uma noite recente não foi exceção: fui pra festa de lançamento – sem querer me gabar – da nova marca de produtos de CBD do Dan Bilzerian, a “Ignite”.

Fonte: Vice

Considerando tudo, foi uma das noites mais angustiantes da minha vida: um vislumbre perturbador de uma Londres paralela – onde todo mundo é bronzeado, de olhos vidrados e trabalha para o Mail Online – que existe junto com a minha Londres sem nunca cruzar com ela. Juro que nunca vi nenhuma dessas pessoas no pub Sam Smiths ou numa rave techno queer.

Tudo isso pra dizer: aprendi muito sobre minhas inadequações, tanto pessoais como profissionais. Nunca mais serei o mesmo.

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Antes dessa festa, eu sabia muito pouco sobre Bilzerian, além de que todo mundo reagia com terror genuíno quando eu mencionava o nome dele. Na página da Wikipédia do cara, encontrei numa leitura muito interessante. De seu começo humilde como o filho de um especialista em aquisições corporativas, Dan saiu do nada e fez sua fortuna como jogador de pôquer profissional.

Uma vez ele foi banido de um clube de Miami por chutar uma modelo na cara. Outra modelo de 18 anos também o processou por jogá-la do telhado da casa dele numa piscina. Ela até tinha consentido, mas sei lá, melhor não jogar uma adolescente de cima de um prédio? Só minha opinião! Ele é um homem que postou uma foto dele comendo uma refeição nas costas de uma mulher, numa jacuzzi, com a legenda “hoje é o #DiaInternacionalDasMulheres, seja grato”.

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Tudo isso fez dele uma tela onde milhões de outros caras héteros babacas projetam suas fantasias de mulheres subservientes e baladas sem fim. Além de se candidatar a presidente, ele postou uma foto com Donald Trump com a legenda: “Numa era de politicamente correto, você tem que respeitar alguém que não tem filtro”. Contraponto: não precisa respeitar, não! Como sou um grande fã do politicamente correto, e tenho uma posição firme sobre não chutar mulheres na cara, Bilzerian não parecia alguém com quem eu me daria muito bem.

Isso não deveria ser problema, porque entrevistá-lo nunca foi parte do plano. Mas aí o relações-públicas dele me mandou um e-mail no dia do evento, informando que eu estava convidado para a cobertura de Bilzerian para uma exclusiva. Sorte minha!

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Antes de chegar lá, eu estava esperando uma vibe mais de indústria, com barraquinhas de informação e um painel discutindo a eficácia de CBD para tratamento de gota – mas a atmosfera era só um pouquinho mais chique que um clube noturno de província.

Todo mundo no lugar parecia um participante de Love Island – uma impressão que, como descobri mais tarde, não estava de todo errada (tinha várias estrelas de reality show presentes). Na verdade, várias pessoas que entrevistei pareceram ofendidas quando perguntei seus nomes, como se eu já tivesse que saber quem elas eram. Desculpa, mas simplesmente não curto reality shows, que acho um nonsense frívolo – mas pode voltar quando tiver publicado um ensaio com a Fitzcarraldo Editions.

Todo mundo estava usando roupas caras, era atraente e, o mais enfurecedor, completamente benigno. Entrar numa situação em que você se sente desconfortável e dizer “todo mundo aqui é babaca” é um conforto útil, mas as pessoas com quem falei foram tão simpáticas que nem isso posso fazer.

Meus complexos de inferioridade e superioridade estavam em guerra dentro de mim: comparado com as pessoas ao meu redor, me senti branquelo, magricelo e mulambo. O único consolo que eu podia me dar era que eu estava sendo pago para estar ali, diferente do resto dos idiotas escandalosamente bonitos.

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A fila pro bar era interminável. Fiquei ressentido com o funcionário de hospitalidade ocupado e provavelmente mal pago que achei que estava demorando demais para me servir (ele não sabia que sou um journaliste?).

Eu estava lá há apenas uma hora e a experiência já tinha me mudado, profundamente, pra pior. Pedi três coquetéis pra tomar sozinho, as ficar bêbado só me deixou mais entediado. Alguém devia escrever um romance sobre experimentar tédio num ambiente supostamente glamouroso – é um tema fascinante.

Eu também achava que a noite teria uma vibe mais maconheira (a Ignite é principalmente uma empresa de cannabis, afinal de contas), mas ninguém correspondia ao esteriótipo que tenho de pessoas que fumam maconha – primeiro, elas saíram de casa, segundo, ninguém estava com as mãos cobertas de açúcar de ursinhos de goma.

Não sei o que eu esperava – gente usando calça saruel, um set de hip hop britânico ou um cinema a céu aberto passando Trailer Park Boys – mas o evento não teve nada disso.

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Talvez os influencers do Instagram sejam uma demografia ambiciosa demais pra curtir ficar chapado. Imagine você, todo mundo com quem falei via o CBD como uma entidade totalmente separada da maconha – que é uma análise válida: mesmo sendo derivado da planta de cannabis, o CBD não é psicoativo e não te deixa louco.

Conceituando a substância como algo saudável e limpo, as pessoas me disseram que isso tinha feito diferença para elas com ansiedade, acne e vários tipos de dor. Já foi sugerido que as quantidades de CBD são tão baixas nos produtos disponíveis no mercado que “CBD”, como o consumidor experimenta, é basicamente um placebo. Mas ouvir essas pessoas falarem com tanto entusiasmo sobre a substância – com o que parecia ser sinceridade real – me fez pensar que talvez não importe se for placebo.

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Cansado de esperar Bilzerian emergir de seus aposentos, meu fotógrafo e eu fomos para a pista de dança, onde enchi a pança com todo canapé disponível. Todo mundo para quem perguntamos ficou feliz em ser fotografado, mas não tão empolgado quando eu perguntava se podia aparecer com eles na foto. Talvez ser flagrado com um skinhead com a boca suja de suflê de salmão não seja uma boa se você é um influencer de bem-estar.

Nesse ponto eu já estava bem doido, e quando o DJ tocou “Bitch Better Have My Money”, tenho que dizer que perdia a cabeça. Acho que eu estava me divertindo 50% mais que qualquer pessoa ali, mas, infelizmente, gritei o refrão “PAY ME WHAT YOU OWE ME!” tão alto que acordei meu tinnitus, e fiquei com dor de ouvido pelo resto da noite.

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Depois de um tempo, era hora da entrevista. Mas quando meu fotógrafo e eu chegamos no terraço, encontramos o lugar estranhamente deserto; as luzes estavam apagadas e o bar fechado. Nos sentamos ali e começamos a discutir o que fazer depois. Nossa situação começou a assumir um caráter existencial. No sentido geral, e talvez no metafórico, não estávamos todos ali esperando para entrar na cobertura de Dan Bilzerian?

Vinte minutos depois, o relações-públicas mandou mensagem para nos encontrarmos com ele no saguão, antes de ir para o quarto de hotel de Bilzerian – que era tão luxuoso quanto era de se esperar, a única coisa distinta sendo um trono de couro e uma máquina que te transformava em GIF.

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O grupo era bem estranho: tinha a gente, uma dupla de jornalista e fotógrafo, e sete mulheres glamourosas andando por ali para serem fotografadas. Não entendi qual era a delas, mas mais tarde descobri que algumas tinham assinado um contrato como modelo para a Ignite, e tinham sido trazidas dos EUA pra ocasião.

Fiquei intrigado com esse arranjo. Por um lado elas eram funcionárias num evento de trabalho, o que não é tão estranho. Mas o jeito como Bilzerian se diz um Hugh Hefner do século 21 me fez pensar: alguma delas gostava mesmo dele? Ou simplesmente viam isso como uma oportunidade de férias pagas?

Essa última possibilidade é bem compreensível. Se um multimilionário de 39 anos me convidasse para uma viagem com tudo pago pra LA, para uma festa onde uma mulher estaria fantasiada de Maria, Rainha da Escócia enquanto fumava um cigarro eletrônico, eu aceitaria na hora.

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Dito isso, Bilzerian e as modelos não estavam de brincadeira quando posavam juntos – não tinha nenhum calor, nenhuma conversa casual. Mas ele foi simpático com a gente, mesmo que um pouco grosso. Fiquei no quarto dele por dez minutos, principalmente escondido no fundo, e não vou fingir que ganhei algum conhecimento sobre o caráter dele. Antes de entrar lá, até tive fantasias de fazer perguntas difíceis para Bilzerian, o ideal sendo ser arrastado da cobertura e ter uma costela quebrada por um dos seguranças por causa disso.

Eu imaginava confrontá-lo sobre o marketing machista dos produtos da Ignite nos EUA, ou exigir saber o que ele achava de lucrar numa indústria de cannabis quando tantas pessoas, desproporcionalmente negras e latinas, estão encarceradas nos EUA por acusações menores relacionadas a drogas. Cuidado, Louis Theroux: tem um jovem entrevistador obstinado cafungando no seu cangote – e ele não veio aqui pra brincar!

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Mas só tive dois minutos pra falar com ele, e tenho vergonha de admitir que caguei a oportunidade. Fiz uma piada besta sobre tirar uma foto sentado no colo dele, depois fiz a pergunta mais inócua que você pode imaginar: “Quais são os benefícios pra saúde do CBD na sua opinião?” Num tom entediado, ele repetiu alguns clássicos: ansiedade, insônia e dor. Saí da cobertura com as costelas intactas, mas com meu senso de integridade pessoal irrevogavelmente ferido. Eu tinha finalmente entrado no Éden, mas não consegui encontrar as respostas que estava procurando.

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Eu tinha que acordar cedo no dia seguinte pra trabalhar, mas depois de ter ficado lá mais duas horas e bebido mais do que pretendia, comecei a me sentir ansioso. Essa era a oportunidade perfeita para experimentar as qualidades supostamente relaxantes do CBD.

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Dentro da bolsa de brindes que recebi antes, encontrei um vape de CBD e comecei a fumar. Por favor CBD, eu implorei, me acalme um pouco. Funcionou? Mais ou menos. O mero ato de fazer isso teve o efeito pretendido, até certo ponto. Mas no domingo seguinte, quando eu estava me sentindo realmente ansioso depois de uma balada pesada, tentei o vape de novo e posso dizer conclusivamente que não ajudou – placebo ou não.

No dia seguinte, falei com a Dr. Maria di Forti, psiquiatra do King’s College de Londres e especialista na relação entre cannabis e psicose. Ela expressou alguma esperança de que CBD possa ser útil para tratamentos de saúde mental, mas continuava cética com algumas das alegações mais grandiosas feitas em nome da substância.

“Minha preocupação”, ela disse, “é com essa visão otimista demais de que o CBD não tem efeitos colaterais e é totalmente seguro. Ainda tem muita coisa que precisamos entender sobre a substância e sua farmacologia, sem falar de toda a pressão dessas empresas para convencer todo mundo que isso pode curar qualquer coisa”.

O testemunho das pessoas que dizem que CBD funciona para elas é válido e deve ser levado em consideração. Mas muitos de seus supostos benefícios ainda precisam ser provados, e não dá pra achar que as empresas vendendo a substância são motivadas por altruísmo. Odeio ter que ser a pessoa que vai te dizer isso, mas Dan Bilzerian está pouco se fodendo pra artrite da sua mãe, cara.

Quanto a participar de uma festa de relações-públicas para um produto que eu não me interessa, cercado de pessoas que eu invejava e desprezava, não posso descartar isso como uma experiência que com certeza vou ter novo se a oportunidade surgir.

@fudwedding / @jasonptrk

Matéria originalmente publicada na VICE Inglaterra.