Obscurecimento na política de drogas?

por Fernando Beserra .:.

Enfrentamos tempos sombrios. Tempos nos quais a democracia se encontra em jogo e, na atual circunstância, perde de 7 a 1. Um golpe escancarado. Minha tia diz que o Temer tem cara de barata. Não sei se concordo. Mas não é incomum que eu perceba as reações de asco ou nojo das pessoas ao presidente ilegítimo. A imagem da barata que sobe do esgoto me parece simbolicamente adequada. Na política de droga outras figuras semelhantes ganham um maior relevo: Osmar Trevas (PMDB) agora é ministro. Pronto para ministrar e nos atordoar com seu pensamento retrógrado. Contra usuários e comerciantes. Contra a redução de danos. Contra qualquer avanço minimamente progressista na área. Enquanto isso seu colega, o deputado do PSDB-BA, Antônio Imbassahy, é visto com um pó branco curioso em plena votação do impeachment. O deputado alega que o pó branco que se encontrava em um saco transparente era açúcar (?!).

Mas tudo bem Sr. Deputado. A Marisa Lobo já falou que uma pessoa morreu FUMANDO bolo de maconha… Então um deputado começar a cheirar açúcar não vai parecer estranho, ao menos aos olhos dos doutos da moral. Uma moral, diga-se de passagem, bastante seletiva. Os 445kg de cocaína no helicóptero dos Perrella, também foi analisado de forma exemplar pelas autoridades. Até o momento sofreram uma grave punição no Governo Temer: o dono do helicóptero, Gustavo Perrella, por exemplo, foi nomeado Secretário Nacional de Futebol em junho deste ano. Paralelamente o Brasil apenas avança em sua população carcerária. Neste vem e vai frenético de políticos e partidos, parece que quem continua sendo fudido é o povo. O Temer, por exemplo, está doidão para privatizar as prisões. Imagine esta cena no Brasil: empresários recebendo a mais dinheiro por cada presidiário. Não vai sobra um meu irmão! Aliás, o “açúcar” do Antônio Imbassahy vai continuar sendo apenas um “saco de pó suspeito”. Paralelamente, o açúcar de quem é pobre se tornará, por um toque mágico das autoridades policiais, uma poderosa substância destrutiva e cocai-nada. Um cenário de cair o queixo.

Há um conjunto de pensadores pós-modernos que julga que as grandes narrativas afundaram. Se as meta-narrativas afogaram de fato, eu não sei. Mas no facebook, no twitter ou no grupinho de whatsup da família ou do trabalho, parece que não há verdade que se revele pela coesão de fatos. De forma que eu não imaginaria ver há 10 anos atrás, uma disputa de narrativas que visam, antes e acima de tudo, atingir os afetos… Talvez alguns séculos de positivismo, não apenas enquanto paradigma científico, mas igualmente enquanto mito social, tenha nos deixado com algumas dificuldades para tecer com propriedade no campo afetivo. As intensidades, ao mesmo tempo, estão onipresentes. E é neste campo de marés agitadas que se trava uma importante batalha de narrativas.

Quando um complexo muito se cala, pode-se esperar muita intensidade em sua fala. Ou talvez seja apenas a possibilidade de olhar diretamente alguns complexos sociais escancarados em vidraças facebookeanas. Misoginia, racismo e outras culturas de ódio se explicitam, mesmo diante de uma tentativa de enfrentamento. No mundo contemporâneo, curiosamente, parece que buscamos calar nossos adversários fazendo-os falar…

Por trás do manto nobre, como somos ignóbeis. Mas tempos de crise não são apenas tempos de retroceder. A crise é uma espécie de espaço de virtualidade. Um encontro direto e amoroso com o caos. E o caos, como arquétipo do início, é campo de possibilidades. E são estas possibilidades que se apresentam no aguçamento e tencionamento que vem se produzindo no Brasil e no mundo na última década.

Por fim, se tal aguçamento ocorre na política em geral, há diversos indícios que não haverá síntese em curta data na política de drogas. Figuras como Osmar Terra e outros farão de tudo para obscurecer este cenário, caso o Temer não seja efetivamente derrubado do cavalo. Estamos falando de riscos reais, inclusive de tentativas de reativar a punição de uso e porte de substâncias tornadas ilícitas para uso pessoal. A resistência não pode apenas reagir a partir do medo diante deste cenário. É preciso resposta à altura. Como campeões em salto o antiproibicionismo deve ir além da disputa da regulação do uso medicinal da maconha. Se as diversas frentes que articulam o debate sobre política de drogas puderem estar mais próximas e esquecer antigas falhas e amenizar algumas rixas, teríamos grandes oportunidades de iluminar o obscurecimento que avança e revelar os monstros que aparecem em pele de cordeiro.