O museu da maconha inaugurado no Uruguai

No fundo do Museo del Cannabis Montevideo, localizado a cinco quadras do Rio da Prata, uma foto mostra um casal de idosos a sorrir sobre duas mudas da erva. Os retratados são os escritores Daniel Vidart e Alicia Castilla. Ele, um antropólogo uruguaio de 96 anos, amigo e conselheiro do ex-presidente Pepe Mujica. Ela, uma terapeuta argentina 25 anos mais nova, autora do best seller Cultura Cannabis.

Fonte: Carta Capital

Em 31 de janeiro de 2011, Castilla regava suas plantas no quintal de sua casa em Montevidéu quando foi detida e levada a uma delegacia. Acusada de produzir substâncias entorpecentes, ficou presa durante 95 dias. Instada por uma denúncia anônima, a polícia encontrara na residência 29 pés de maconha. Na cadeia, Castilla ganhou o apelido de “vovó das plantas”. Acabaria absolvida em abril do ano passado, quase três anos após o Uruguai legalizar a produção e venda de maconha.

“A foto de Alicia está aqui para nos lembrar de que não podemos permitir a repetição desse erro terrível. É também uma forma de nos desculparmos, como uruguaios, pela barbaridade cometida contra uma inofensiva senhora”, esclarece o ativista cultural Pincho Casanova, um dos coordenadores do museu.

O Cannabis Montevideo é o primeiro do gênero na América do Sul. Inaugurado em dezembro, ocupa um imóvel de dois andares onde, no passado, funcionaram um cinema pornô e a sede do clube de futebol Mar de Fondo. Reúne objetos, medicamentos e produtos relacionados à erva. Entre as peças, uma guitarra feita de fibras de cânhamo e um fet­tuccine verde sem efeitos alucinógenos.

Uma biblioteca reúne extensa coleção de livros especializados e revistas científicas. Na área interna, monitores apresentam de forma simples a história da maconha e a evolução das liberdades individuais no Uruguai. Parte do acervo foi cedida pelo Hash Marihuana & Hemp Museum de Amsterdã, na Holanda. 

Casanova gosta, em particular, de um painel que compara a trajetória da maconha àquela da erva-mate, proibida em países da América do Sul durante o século XVI por causa de suas supostas propriedades demoníacas. “A cannabis é utilizada pelo ser humano há pelo menos 10 mil anos, com diversos benefícios. Esperamos que o museu atenue o preconceito.”

Um cheiro de cerveja espalha-se pelo ambiente quando um trio de brasileiros entra na sala. Oriundos de Porto Alegre, eles sorriem de orelha a orelha, exceto quando escutam a má notícia. “Lamento, amigos, mas a gente não vende maconha”, informa, educadamente, o engenheiro agrônomo Eduardo Blasina, diretor e idealizador do museu.

Blasina tem 52 anos, olhos pequenos e estilo jovial, a despeito dos cabelos grisalhos. Era adulto quando fumou maconha pela primeira vez. Aconteceu no fim da década de 1980, em uma praia de Niterói, onde passava férias com amigos.

Não demorou a se tornar um entusiasta da descriminalização da erva. A militância e o conhecimento adquirido sobre o assunto por meio de estudos e viagens, algumas “psíquicas”, conferiram-lhe notoriedade. A convite do governo, participou do debate que resultou na Lei nº 19.172, responsável pela regulamentação de todas as etapas do processo produtivo da cannabis no país. 

Blasina é sócio de uma das duas empresas escolhidas, mediante licitação, para cultivar a erva a ser comercializada, futuramente, nas farmácias uruguaias. Ele considera a legalização uma decisão inteligente, também, sob o viés econômico. “O que é melhor, regular a produção e o consumo, gerando um dinheiro que pode ser investido em educação e saúde, ou deixar tudo sob controle dos traficantes?”

São dois os objetivos do museu, explica o diretor. O primeiro é mostrar as múltiplas facetas da maconha e dissociá-la do uso meramente recreativo. O canabidiol, substância encontrada na cannabis, é eficaz, entre outros, no tratamento da epilepsia. O cânhamo pode ser aproveitado como material de construção. Substitui o concreto em obras com preocupação ecológica.