Membros do movimento Growroom optam pelas plantações domésticas de maconha

Há 12 anos, um grupo vem se organizando no Brasil, clandestinamente, para plantar maconha, em uma espécie de agricultura de subsistência. São três os objetivos: fugir dos traficantes, consumir um produto mais puro e engrossar a luta pela descriminalização.

Estreando no cultivo de uma horta, um universitário da zona norte de Porto Alegre tem três minipés de maconha germinando no quarto, em vasos de dois litros, cercados por dois ventiladores improvisados com componentes de computador, um exaustor e lâmpadas fluorescentes.

– Pode tocar, com cuidado. É como se fosse meu cachorrinho, meu bicho de estimação – alerta o estudante que não quer se identificar.

 

O hobbie de growers (cultivadores, em inglês) como ele deu origem ao Growroom, um grupo de ativistas que luta pela descriminalização da cannabis e também pelo cultivo caseiro como uma forma de redução de danos e rompimento com o tráfico de drogas. Foi este o coletivo que chamou a atenção da polícia depois de divulgar na internet o vídeo de uma competição de maconha realizada em dezembro, na Capital. Com a repercussão, os participantes passaram a ser investigados pelo Departamento Estadual de Investigação do Narcotráfico (Denarc). Nesta semana, algumas pessoas serão ouvidas.

Para os growers, o sigilo é o princípio maior. A divulgação das imagens foi um deslize que dividiu opiniões no movimento. A intenção foi dar segmento ao ativismo e fazer circular entre os membros uma recordação do evento.

– Sabemos que é ilegal e que não podemos nos expor. Não falamos disso com ninguém que não seja do Growroom, não oferecemos e não vendemos nem para os nossos melhores amigos – garante um deles.

Tal discrição levou a reportagem de Zero Hora a cumprir algumas exigências para poder visitar a casa do jovem na Zona Norte. De olhos vendados por óculos com película preta, a repórter chegou de táxi a um ponto de encontro combinado e seguiu no carro do ativista até o apartamento de classe média onde ele mora sozinho. Depois de todo o mistério no percurso para que não houvesse pista de onde fica a casa, o que se revelou foi uma estufa artesanal com dois caixotes montada no quarto. Ele se autorrecrutou para a tarefa depois de descobrir que, com o plantio, poderia se livrar da compra da droga no mercado negro. A erva foi plantada em 12 de novembro do ano passado e deu os primeiros sinais de germinação sete dias depois. Até agora, nenhuma flor apareceu para que, depois de seca e curada, fosse consumida, o que deve ocorrer em abril ou maio.

Fundado em 2002, o Growroom surgiu depois que um dos cultivadores passou um período estudando na Alemanha e trouxe a ideia de lá para o Brasil. No início, a intenção era de que fosse uma plataforma onde os usuários de cannabis pudessem discutir sobre cultivo como uma forma de redução de danos para si e para a sociedade. Com o tempo, os integrantes transformaram passatempo em militância.

A Copa Growroom – onde 26 competidores apresentaram a sua produção – foi a evolução das discussões e de outros encontros informais que ocorriam pelo Brasil desde 2008 com o objetivo de sempre: fumar e trocar ideias sobre o movimento. Segundo eles, o comércio não é permitido nesses ambientes e só são convidados integrantes do fórum – espaço virtual para a troca de experiências sobre o plantio da erva. Justificam que, dificilmente, um cultivador conseguirá comercializar a droga, pois seria necessário um espaço muito amplo para a produção de maconha gerar excedente.

Um dos participantes do grupo, do centro do país, explica que a erva prensada, vendida em bocas de fumo, é muito mais densa do que a flor, para ficar mais fácil transportar grandes quantidades. Cada flor resulta em um cigarro de até 1,5 grama. As melhores produções chegam a resultar em 200 gramas do produto, o que caberia em um pote médio. Como a colheita é feita a cada três meses, isso daria uma fração de 2,2 gramas de maconha para o consumo diário.

– O cultivador é indiciado como traficante, na maioria das vezes, mas é só alguém buscando alternativa de se autoabastecer sem precisar comprar uma erva com qualidade duvidosa, que faz mal para a saúde e para a sociedade. Quando cultivo dentro de casa não vou para a boca de fumo, não estou influenciando uma criança a pegar uma arma – disse um dos administradores do fórum, com mais de 50 mil inscritos.

A proposta tende a atrair gente com médio e alto poder aquisitivo, com Ensino Superior, que sabe dos riscos que correm por praticarem algo ilegal, mas os assumem pela causa.

Luís Fernando Tófoli, psiquiatra e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que existem mais de 70 tipos de cannabinoides (substâncias químicas produzidas pela maconha) descobertas até agora. O mais famoso é o Tetrahidrocanabinol (THC), que deixa o cérebro mais ativo. Recentemente, catalogou-se o canabidiol (CBD), que estimula o relaxamento. Tófoli crê que a proibição da maconha trava as pesquisas científicas sobre o assunto.

– O THC e o CBD possuem fortes propriedades medicinais, principalmente, para epilepsia e dor. O problema com o proibicionismo é que, como no mercado se busca a “chapação”, o efeito agudo,  mais ligado ao THC, os traficantes acabam reforçando cada vez mais variantes da planta rica em THC. Não se importando com o CBD, eles alteram o aparente equilíbrio natural que a planta tem, tornando-a mais perigosa – disse o médico.

Mas atenção: não é por ser uma planta, algo natural, que não oferece riscos, principalmente para os consumidores menores de 21 anos. Com a regulamentação, a ideia é minimizar os riscos e maximizar os benefícios, diz o psiquiatra.

Com ou sem uma ideologia associada, o cultivo de maconha é crime no Brasil. Emílio Figueiredo, consultor jurídico do Growroom, explica que o Recurso Extraordinário 635659 está tramitando no Supremo Tribunal Federal desde 2011 para tentar derrubar o artigo 28 da Constituição, fazendo com que ninguém mais seja criminalizado por consumir, portar ou cultivar maconha para o próprio consumo. O documento pode ser votado ainda este ano. O debate ganhou força pela recente legalização do uso, da produção e da venda da erva no Uruguai e no Colorado (EUA).

– A lei diz que é crime portar droga. O recurso diz que a lei não pode incriminar alguma coisa que envolve a intimidade da pessoa, a liberdade – disse Emílio.

O advogado chama a atenção para o fato de a sutileza da lei girar em torno da intenção da pessoa que estava praticando o ato quando foi pega: se portava e plantava para consumo ou para venda. O promotor João Pedro de Freitas Xavier, coordenador do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público Estadual, reitera que crime é crime, não importa a intenção. O promotor alerta para o perigo da disseminação do vício na sociedade.

– O consumo de drogas, mesmo que para fins recreativos, é ilegal. É passível de ser caracterizado como tráfico – esclarece o promotor.

Responsável pelo inquérito que investiga o que aconteceu em dezembro, em Porto Alegre, o delegado Mario Souza, do Departamento Estadual de Investigação do Narcotráfico (Denarc), explica que será averiguado se houve ou não crime naquele dia.

– Uma coisa é o movimento pregar uma ideia, trazer o plantio como pauta. O que está sendo averiguado é o que ocorreu no sítio, se será caracterizado ou não como tráfico. O principal elemento de investigação é o vídeo que eles publicaram na internet e, ao que tudo indica, retiraram depois – disse Souza.

O que diz a lei
– Em vigor desde 2006, a Lei 11.343 prevê punições distintas a usuário e traficante. Quem é descoberto portando ou plantando drogas tem de assinar um termo circunstanciado. A pessoa pode ter de prestar serviços à comunidade e receber uma medida educativa, que prevê a obrigatoriedade de frequentar um programa ou curso.

– Se um grupo de amigos for pego fumando o mesmo cigarro, enquadra-se em uso compartilhado com pena prevista de seis meses a um ano de reclusão, que pode ser revertida em prestação de serviços comunitários.

– Já a quem comercializa drogas a lei atribui pena entre cinco e 15 anos de reclusão por tráfico.