Marchando Psicodeliciosamente no Rio de Janeiro

por Fernando Beserra

No dia 10 de Maio ocorreu a já tradicional Marcha da Maconha, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Este ano, entretanto, com algumas modificações: a Marcha aconteceu com a presença de diversas Alas, dentre as quais: a Ala Feminista, a Ala FIFA Go Home, a Ala Medicinal, a Ala dos Cultivadores, a Ala LGBT, um belíssimo fumacê do descarrego e, finalmente, a Ala Psicodélica. É desta última que pretendo me alongar, afinal, esta coluna chama-se “Portas da Percepção”.

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A Ala Psicodélica pedalou pela Marcha da Maconha do RJ distribuindo pelo menos 25 cartelas não psicoativas da clássica arte de blotter: “Bike 100 anos”, que deram a maior onda. As imagens que foram procuradas com afinco por diversos psiconautas rodaram a Marcha da Maconha e abriram as Portas da Discussão sobre um tema tão importante: a legalização das substâncias psicodélicas. Não satisfeitos, montamos um painel com uma cartela gigante dos blotters da Bike 100 anos de 1,5 por 1,5 metros e formado por 25 imagens de 30x30cm. O painel, além de ter sido montado na areia, antes do início da Marcha, foi igualmente montado em uma parada estratégica ao longo do percurso, gerando uma diversão impar na montagem do grande quebra-cabeça em velocidade recorde (só que não!).

O número 25 repetido recorrentemente é uma menção a vigésima quinta experiência (em uma série de anotações experimentais) do químico suíço Albert Hoffman com o fungo claviceps purpúrea, quando conseguiu finalmente isolar o tartarato (de Dietilamida de Ácido d-Lisérgico, o famoso LSD. Brincadeiras a parte, a Ala Psicodélica é extremamente importante para a Marcha da Maconha e, especialmente, para a discussão mais abrangente no tocante a política de drogas. A possível legalização da maconha não solucionará os problemas da proibição se em conjunto com a mesma for ampliado o modelo da War on Drugs. Foi o que ocorreu nos EUA após a revogação da Lei Seca. A re-legalização do álcool não levou ao fim da formação do paradigma bélico para tratar das substâncias psicoativas tornadas ilícitas, mas, ao contrário, foi reforçada a criminalização de minorias e a perseguição a usuários de outras substâncias.

A Ala Psicodélica esteve inspirada e criou musicas ao longo da Marcha da Maconha de forma totalmente espontânea, tais como: ”MDMA: chega de guerra, eu só quero amar”, “Ei você, legalize o LSD” e: “Uh legaliza: salvia, maconha e LSD”. Diante das recentes proibições da ANVISA, tais como da Salvia divonorum, da salvinorina A, do LSA, de vários compostos da família NBOMe, da Metilona…. não há dúvidas da necessidade de articulação de uma resistência, que aponte os equívocos da continuidade da guerra as drogas por outras vias.

Tal como a maconha, o tema dos psicodélicos ou enteógenos levanta algumas discussões importantes, tais como:

A do uso psicoterapêutico (psicológico) e medicinal dos psicodélicos. Este uso é bastante tradicional e encontra cada vez mais um amplo conjunto de pesquisas que reforçam a sua importância. Alguns exemplos, nos quais os psicodélicos foram usados como coadjuvantes significantes são: do LSD para redução da ansiedade em doentes terminais; da ayahuasca para tratamento de dependência química; da psilocibina para tratamento de transtorno depressivo; do MDMA para tratamento de transtorno de estresse pós-traumático; da iboga para tratamento de dependência de opiáceos. E poderíamos continuar aqui exaustivamente e, indo além da classificação dos transtornos presentes na Classificação Internacional das Doenças (CID), os psicodélicos podem ser importantes ferramentas, como já bem documentado historicamente, para acelerar a psicanálise e superar alguns impasses da análise como dificuldades com a transferência.

Da liberdade do próprio corpo. Um avanço significativo do ponto de vista legislativo seria a real descriminalização do consumo de qualquer psicoativo. Além de inconstitucional, é importante demarcar que a necessidade de observar o consumo do âmbito da saúde pública e da cultura, na medida em que tomar o tema pela segurança pública é deletério e produz mais danos do que o ato que pretende controlar. Na prática, o entendimento do consumo de psicoativos como tema da segurança pública estigmatiza a cultura psicodélica (e os usuários) e reverbera em consumos mais nocivos e menos controlados, isto é, contribui para a menor responsabilidade do usuário de psicodélicos. Observa-se a necessidade de adoção de um modelo de saúde pública calcado na redução de riscos e danos e potencialização dos benefícios do consumo.

O uso de expansão da consciência fora de ritos. O uso predominantemente moderno e com uma grande expansão de substâncias utilizadas. A proibição estimula a falta de controle de qualidade no consumo, aumentando vertiginosamente a possibilidade de overdoses e usos fatais. O usuário, sem equipes de redução de danos, sem test-kits, não sabe o que utilize e acaba levando gato por lebre.

O uso religioso, hoje com algumas regulamentações no Brasil, como no caso da Ayahuasca. O exemplo de sucesso na regulamentação religiosa da ayahausca é um caso a ser trabalhado em outros usos religiosos, como no caso do uso religioso da cannabis.

Por fim, saímos da Ala Psicodélica na Marcha da Maconha com um sentimento no ar, que se manifestou no campo morfogenético e brotou no cérebro de cada um de seus participantes: trata-se do vislumbre da necessidade da Marcha Psicodélica. Não que se entenda que a Marcha da Maconha não deva ter a presença da Ala Psicodélica, muito pelo contrário:

1. A maconha mesma é ela uma substância visionária e não se pode perder isso de vista;

2. A Marcha da Maconha precisa dialogar com outros movimentos sociais e políticos para não perder de vista um posicionamento crítico;

3. Observar as outras proibições e o cenário mais abrangente pode oxigenar a Marcha e dar-lhe vida. Afinal, como bem exposto pela Ala Psicodélica da Marcha da Maconha de SP, “Existe amor em MDMA LSD”.

Saudações Antiproibicionistas!