Manifesto do I Encontro Estadual Antiproibicionista – Rio de Janeiro

Ta ligado que na semana passada centenas de ativistas do Rio de Janeiro se reuniram no I Encontro Estadual Antiproibicionista? Como nome já diz o encontro serviu para fortalecer as bases do movimento pela legalização das drogas e alimentou a trocar de experiência entre militantes novatos e veteranos. No final foi produzida a seguinte carta-manifesto.

Manifesto Antiproibicionista da Praia Vermelha

Enquanto avançamos no cenário internacional com experiências antiproibicionistas em alguns países, há uma ameaça de retrocesso na esfera nacional. Nos Estados Unidos, a legalização da maconha medicinal em 21 estados já é realidade, os clubes de cultivos foram o modelo espanhol para legalizar, o uso recreativo já existente nos estados do Colorado, Washington e Turim, além da recente experiência uruguaia, são respostas ao fracasso da política de guerra às drogas em todo o mundo.

No Brasil o Senado aguarda a votação do PLC 37, projeto de lei que ameaça intensificar a política proibicionista sobre as drogas. O projeto prevê o aumento da pena para o varejista do tráfico, bem como legitimar a internação compulsória de supostos usuários de drogas fazendo uso de discursos de higienismo social.

A cidade do Rio de Janeiro vem sendo exemplo de uma política de drogas cada vez mais excludente e desrespeitosa frente aos direitos humanos. O processo de intensificação da guerra às drogas para justificar a militarização das favelas da cidade através do modelo de UPP tem aumentado no período pré-mega eventos.  A utilização do discurso sobre a proibição das drogas e a necessidade de se tratar o tema pelo viés militar da guerra, são processos que legitimam o encarceramento e extermínio da juventude negra e pobre cotidianamente nas favelas e periferias brasileiras.

A desmilitarização do modelo de segurança pública é essencial para avançarmos na garantia de direitos sociais, dentre eles o de manifestação. Vale lembrar que os últimos períodos de efervescência política do Brasil foram regados por uma intensa chuva de balas de borracha e gás lacrimogênio no asfalto, enquanto nas favelas as balas de verdade continuaram a promover episódios trágicos como a chacina da Maré e o assassinato do pedreiro Amarildo.

Enquanto os movimentos sociais ligados à saúde mental pensam modelos alternativos ao manicomial para tratar usuários de drogas (Clínicas de Rua, Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas e redução de danos), o governo federal implementa o programa “Crack, é possível vencer”, que legitima a lógica manicomial do recolhimento e da internação forçada de supostos usuários problemáticos de drogas, praticamente todos em situação de rua.  Essa política vem atender principalmente aos interesses de grupos empresariais ligados à especulação imobiliária e grupos religiosos que administram clínicas privadas, como as comunidades terapêuticas. O repasse de verbas públicas para estas instituições que implementam tratamento religioso representa desrespeito ao caráter laico do Estado.  Os setores beneficiados por esses contratos são representados pela bancada fundamentalista no congresso nacional. O PLC 37, por exemplo, é um projeto de lei que ameaça a intensificar a política manicomial, reforçando um retrocesso para o campo da saúde mental, em especial no atendimento ao uso problemático de álcool e outras drogas.

Com o passar dos anos, o número de evidências científicas do caráter medicinal da maconha é um elemento de grande relevância para a atual conjuntura de avanço internacional da política antiproibicionista. Estudos que apontam a utilização da planta para o tratamento de doenças como câncer, AIDS, glaucoma, parkinson, epilepsia, entre outras, aos poucos demonstram a contradição de se continuar proibindo uma droga com alto potencial medicinal.

A atual lei brasileira permite o cultivo de maconha para fins científicos, porém, a falta de vontade política do governo faz com que nenhuma autorização tenha sido concedida até então, apesar das inúmeras solicitações já feitas.  Enquanto as escolas ignoram a necessidade de educar as crianças e jovens para autonomia de distinguir malefícios e benefícios das drogas, a proibição entorpece a razão da sociedade com mitos e informações de cunho moral e preconceituoso promovidos pelo discurso hegemonicamente proibicionista dos grandes meios de comunicação. Os oligopólios da rede de comunicação são pertencentes a uma minoria que dita e se beneficia das políticas públicas implementadas pelo Estado.

A criminalização do funk é expressão da criminalização da cultura negra, assim como é a proibição da maconha e foi a da capoeira, do samba e das religiões afro-brasileiras.  O discurso de guerra às drogas legitima o processo de criminalização da pobreza e a repressão à produção da cultura popular nas favelas e periferias das cidades. A política de controle da expressão popular se estende da repressão policial nas passeatas até a criação de diversas dificuldades para que o Planta na Mente possa botar seu bloco de questionamento político nas ruas do carnaval carioca.

A cultura canábica também é perseguida na proibição do cultivo caseiro. Objetivamente, os cultivadores são proibidos de criar uma solução para a lógica industrial e por isso vem se organizando em diversos espaços. A recente ameaça de criminalização à realização da Copa Growroom é um exemplo e todo o movimento deve construir uma resistência a essa arbitrariedade governamental.

O uso de drogas em rituais religiosos é algo ancestral, como o consumo da ayahuasca, porém a criminalização das religiões ligadas à cultura negra vem aumentando no último período. A prisão e condenação de Ras Geraldinho, líder da primeira igreja rastafári do Brasil, por cultivar maconha em casa para seus próprios rituais religiosos, ilustra bem esse viés da repressão de um estado supostamente laico.

A luta antiproibicionista sempre representou resistência a todo e qualquer tipo de opressão.  O racismo da proibição está expresso na cor da maioria absoluta dos mortos e encarcerados pela guerra às drogas. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, o tráfico de drogas é a atividade através da qual o Estado mais encarcera mulheres no Brasil. Isso deixa claro que, além de jovens negros e pobres, a proibição também tem sido especialmente perversa com as mulheres. A resistência dos usuários de drogas ao controle sobre os corpos e sobre os desejos dialoga com a importância do combate à violência homofóbica e de toda a luta LGBT. É fundamental aproximar cada vez mais todas as lutas libertárias contra o avanço do conservadorismo moral e religioso no Brasil. A criação de Marchas da Liberdade, com esse objetivo, pode ser um elemento de reflexão da Rede de Coletivos para o próximo período.

Enquanto a Marcha da Maconha cresce rapidamente de maneira auto-organizada em diversas cidades, a Rede Nacional de Coletivos e Ativistas pela Legalização da Maconha, nascida durante a Cúpula dos Povos vem sendo importante na construção do Dia Nacional pela Legalização da Maconha e Combate ao Câncer (27 de Novembro), realizado em 18 cidades na sua última edição em 2013. Além de fortalecer a Marcha da Maconha, é necessário também continuar construindo a segunda data de manifestação anual antiproibicionista que dá visibilidade a essa importante perspectiva da maconha medicinal.

A votação do Recurso Extraordinário 635659 no Supremo Tribunal Federal que pode julgar inconstitucionalidade do artigo 28 da atual lei de drogas que criminaliza o porte de drogas para consumo próprio, é mais uma importante pauta do movimento antiproibicionista, sendo fundamental nossa forte mobilização para garantirmos mais uma vitória.

Organizamos o Encontro Estadual e constatamos a necessidade de avançar na organização do movimento antiproibicionista também em nível nacional. A construção de um Encontro Nacional Antiproibicionista com pré-encontros locais deve ser um desafio encarado com seriedade pela rede de coletivos antiproibicionistas de todo o país.

Precisamos dar um basta na violência decorrente da proibição e para isso defendemos a legalização e regulação de todas as drogas como forma de solucionar essa problemática. A luta pela legalização da maconha através de movimentos sociais de multidão, como a Marcha da Maconha, são espaços privilegiados do ponto de vista tático para a discussão com uma extensa base social em nível nacional.

Nossa vitória não será por acidente,

I Encontro Estadual Antiproibicionista – Rio de Janeiro