Lições inesperadas de Davos sobre Política de Drogas

Fonte: Brasil Post

Em meio a copos de vinho e um networking voraz no Fórum Mundial Econômico em Davos deste ano, algo notável aconteceu. Em um centro de convenções lotado, quatro líderes internacionais se reuniram em um palco para discutir o futuro das políticas de drogas. Eles debateram os prós e contras da descriminalização e da regulação, trazendo à tona um assunto politicamente tóxico ao cerne do establishment econômico. O clima era descontraído, mas os comentários eram precisos. Vale a pena destacar ao menos cinco mensagens para serem consideradas.

 

Em primeiro lugar, focar nos efeitos destrutivos e devastadores de uma política de drogas mal conduzida. Kofi Annan, ex-secretário geral da ONU e membro da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, falou apaixonadamente sobre os impactos desastrosos da guerra mundial às drogas. Ele clamou por uma nova abordagem baseada na promoção de políticas públicas de saúde e educação. A criminalização dos usuários, particularmente dos afrodescendentes e latinos pobres, não deve mais ser tolerada. Annan frisou que vidas são destruídas e famílias são empobrecidas, enquanto prisões estão lotadas a ponto de explodir e o desenvolvimento é negado por conta da equivocada política de drogas atual.

Em segundo lugar, transformar a ciência em um pilar para o debate e as ações relacionadas às políticas sobre drogas. O único dissidente no painel de Davos era o Governador do Texas, Rick Perry. Enquanto sinalizava sua convicta oposição à legalização das drogas, Perry, contudo, frisou a importância de abordagens baseadas em evidências e dados para lidar com o tráfico e o consumo de drogas. Como era de se esperar, o governador apresentou as controversas Drug Courts do Texas como exemplos de boas práticas. Sua ênfase em abordagens baseadas em evidências foi uma surpreendente, porém bem vinda, contribuição.

Em terceiro lugar, rastrear o dinheiro e reprimir fortemente os lucros ilegais gerados por cartéis de drogas. Um dos palestrantes mais articulados foi Ken Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch. Um promotor experiente, ele advertiu os bancos por não serem mais rigorosos na divulgação de bens que passaram por lavagem. Junto com o presidente Santos, Roth defende a regulação das drogas, nos moldes do álcool e o tabaco, para extirpar as enormes margens de lucro dos traficantes de drogas.

Em quarto lugar, ter cautela com o efeito balão quando se pretende reduzir a oferta de drogas ilegais. Presidente Santos foi, de longe, o palestrante mais experiente. Não é para menos, dado seu tempo de serviço na linha de frente da guerra às drogas. Ele também é um pioneiro do pensamento mais progressista sobre a política de drogas, destacando repetidamente o valor de abordagens globais e colaborativas. Em Davos, ele chamou a atenção para as formas nas quais os esforços aparentemente “bem sucedidos” para reduzir a oferta e o tráfico de cocaína da Colômbia produziram resultados desastrosos na América Central e no México.

Em quinto lugar, começar a distinguir diferentes drogas quando se debate a descriminalização e regulamentação: os palestrantes deixaram claro que a (falsa) dicotomia proibição/legalização está desmoronando. Pessoas em todos os lugares estão começando a internalizar as nuances do debate sobre a política de drogas e as muitas opções que existem entre esses dois extremos. Mas, enquanto quase todo mundo parece preparado para considerar a regulação da maconha, ainda existem dúvidas remanescentes quando se trata das drogas mais pesadas, como cocaína ou heroína.

Há um raro consenso emergente sobre a direção futura da reforma da política de drogas. Praticamente todos concordam que é necessário romper a camisa de forças imposta pelas convenções internacionais que impedem que países testem políticas mais humanas e eficazes. E, embora conscientes dos riscos associados com as drogas, os palestrantes de Davos também se mostraram abertos a iniciativas experimentais, incluindo as recentes, como a regulação da maconha para fins recreativos nos estados americanos do Colorado e de Washington e no Uruguai. A Comissão Global de Política sobre Drogas levantou todos estes pontos em seu relatório seminal em 2011. Naquela época, a opinião dos integrantes da Comissão foi considerada quase herética pela elite global. No entanto, nesta semana em Davos eles estão parecendo incontestavelmente mainstream.