Lançamento da Revista Platô: drogas e políticas

por  Fernando Beserra

O lançamento da Revista Platô: drogas e políticas ocorreu no Rio de Janeiro, no dia 26 de setembro de 2017. A revista é a primeira publicação do país sobre política de drogas e, pasmem, está disponível gratuitamente na internet. A publicação é fruto do trabalho da comissão científica da Plataforma Brasileira de Política de Drogas [PBPD] (http://pbpd.org.br/), com o apoio do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Os artigos escolhidos passaram por um edital e grupos e pesquisadores receberam uma bolsa, com fins de contribuir com a publicação.

A revista está na crista da onda dos debates contemporâneos e eu tive o prazer de degustar, de cabo a rabo, cada um dos seus artigos, a começar com o edital de Maurício Fiore, seguido do artigo dos pesquisadores Frederico Policarpo, Marcos Veríssimo e Emílio Figueiredo da Abracannabis [http://abracannabis.org.br/]. O artigo: “A fumaça do bom direito: demandas pelo acesso legal à maconha na cidade do Rio de Janeiro” [que nome!] abordou, dentre outros, a luta das famílias e sujeitos pelo uso medicinal da maconha, o sofrimento vivido por estas famílias, a dificuldade de acesso ao fármaco e todo o processo de judicialização da saúde na atual conjuntura. Em particular, trouxeram casos que merecem ser lidos atentamente e que suscitam o debate. Refletem acerca das dificuldades da importação do óleo de maconha, por exemplo, devido a hipossuficiência [trata-se de um tratamento caríssimo] e, finalmente, a demanda do custeio estatal do fármaco [conseguida judicialmente, mas não efetivada pelo Estado]. Na minha leitura, o artigo trouxe à tona a importância da garantia do direito ao cultivo de cannabis como uma forma de facilitar o acesso a este medicamento fundamental para tantas pessoas. Neste sentido, os pesquisadores exploram a complexa articulação entre os grupos de cultivadores e seu conhecimento acumulado, a medicina e as famílias de pacientes que precisam destes medicamentos e se engajam nesta árdua luta.

Nesta edição da Platô também está disponível o artigo: Redução de danos e substâncias psicodélicas: construindo ações e debates, escrito por Sandro E. Rodrigues, Fernando R. Beserra (eu mesmo, rs), Gisele M. Ferreira, Rogério A. Júnior, Márcio Roberto O. Junior e Julia de A. Castro. No artigo, da Associação Psicodélica do Brasil [https://associacaopsicodelica.org/] os autores abordam uma ação de redução de danos realizada em um evento no Rio de Janeiro, em 2016, no qual realizaram acolhimento de experiências intensas com substâncias psicoativas, além de testagem de substâncias e promoção de debates sobre psicodélicos. Os autores buscaram “investigar a avaliação dos usuários acerca da pertinência da ação de RD no evento, no que concerne ao acolhimento para experiências intensas e à testagem de SPA [substâncias psicoativas], bem como a importância atribuída aos itens da tríade drug–set–setting no uso de SPA”.

Ainda de acordo com os autores:

Na perspectiva da RD, o uso de psicodélicos sintéticos e semissintéticos apresenta-se como um paradoxo. Ressaltando sua baixa toxicidade, embora sem negar riscos do uso de qualquer droga, estudos apontam para o potencial terapêutico dos psicodélicos (MITHOEFER et al., 2011; GASSER et al., 2014), inclusive como auxiliar no combate à dependência química (GOMES, 2016; TÓFOLI; ARAUJO, 2016). Por outro lado, o consumo livre, porém desregulamentado, de drogas ilícitas – em especial as sintéticas e semissintéticas – encontra-se sob a ameaça de adulteração química e substituição. Das substâncias vendidas no mercado tornado ilícito pelo proibicionismo, nunca se sabe exatamente a composição, o que torna seu uso potencialmente mais perigoso (RODRIGUES; BESERRA, 2015). (RODRIGUES et al., 2017, p. 43).

Na pesquisa houve uma avaliação dos resultados da testagem, com uma pequena amostragem, que serviu para debater o método e a importância das testagens de drogas em eventos e festas, bem como os limites da testagem colorimétrica.

Por fim, temos a tradução do artigo: “O futuro da dependência: crítica e composição”, que é fruto da seguinte querela:

Em março de 2014, a revista Nature publicou uma carta assinada por 94 pesquisadores do mundo inteiro (Heim, 2014). A carta contestava o editorial publicado no mês anterior, no qual o modelo de dependência como doença do cérebro fora apresentado como verdade “inconteste” sobre o assunto. Ao contrário, argumentaram os signatários, o debate sobre o modelo de doença do cérebro não estava de modo algum definido e tratá-lo como o resumo final da questão da dependência era, na realidade, uma leitura “míope” e “superficial”. (FRASER, 2017, p.73)

O conceito de dependência não está fechado, mas em movimento. Aberto ao debate científico, mas também as análises políticas de suas implicações.

Estas breves palavras não tem o intuito de resumir ou apresentar a revista ou os artigos, mas de convidar o leitor a experimentar a revista. Além disso, trago um pouco o sabor da degustação desta leitura. O gosto, que carrega pitadas do amargo da realidade, sem deixar de uma nota doce com um toque de esperança, traz ciência sem a pretensão de neutralidade. As papilas gustativas devem se preparar para receber uma alteração de paladar/de entendimento. Nada de sensacionalismo barato ou ode à guerra às drogas. No final, ficamos com uma sensação de quero mais. Fissura pura e simples. A expectativa e o desejo são de uma vida longa a Revista Platô e que possamos experimentar novos artigos e ampliar a consciência.

Acesse a Revista Platô gratuitamente: http://pbpd.org.br/edital/