Introdução à Terapia com Maconha Medicinal

Por Sergio Vidal, Presidente da Associação Multidisciplinar de Estudos sobre a Maconha Mecicinal – AMEMM

A partir de hoje a Associação Multidisciplinar de Estudos sobre Maconha Medicinal – AMEMM, em parceria com o Hempadão, publicará periodicamente diferentes artigos para auxiliar os pacientes a respeito do potencial terapêutico da maconha medicinal. Sempre iremos escolher uma doença que pode ser tratada com cannabis e publicaremos um artigo a respeito de como a maconha medicinal pode ajudar no caso em questão. Como ainda estamos começando, essa semana introduziremos os leitores nos aspectos gerais com relação à terapia com maconha medicinal.

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Atualmente, segundo a Lei 11.343 em vigor desde 2006, a União, através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pode autorizar o uso da maconha exclusivamente para fins medicinais ou científicos.

Hoje são inúmeras doenças e sintomas que podem ser tratados ou curadas com o uso medicinal dos princípios ativos produzidos pela maconha e qualquer busca mais detalhada sobre tema pode revelar isso. Atualmente são 3 as principais dificuldades no tratamento com maconha medicinal:

1) Falta de informação a respeito do tema: A grande maioria das pessoas que têm alguma doença ou sintoma que poderia se beneficiar das propriedades medicinais da cannabis não conhecem esse fato e ignoram totalmente como a planta poderia ajudar no seu caso. Por isso é muito importante o trabalho de difusão de informações seguras a respeito do tema e o acolhimento dos pacientes da melhor maneira;

2) Há uma burocracia envolvendo o pedido de autorização especial para fazer uso medicinal da maconha, especialmente se sua doença não é epilepsia. Apesar da ANVISA já ter emitido autorização para diferentes tipos de doenças a tendência atual é de restringir a emissão das autorizações à pacientes com epilepsia, o que vai acabar forçando todos os outros a entrarem com ações na justiça para poder conseguir acesso legal à cannabis;

3) O acesso ao medicamento em si. Mesmo as pessoas que têm autorização da ANVISA para fazer uso da cannabis elas encontram a triste realidade de não existir nenhum cultivador ou produtor nacional atualmente fornecendo cannabis ou medicamentos derivados. Todas as pessoas autorizadas atualmente a fazer uso medicinal da cannabis ou têm recorrido ao mercado ilícito, ou têm produzido seu próprio medicamento ilegalmente ou têm sido obrigados a importar o remédio a custos altíssimos.

ATENÇÃO: A maconha, seus extratos ou qualquer produto feito com a planta só podem ser usados para fins medicinais por pessoas que tenham prescrição de um(a) médico(a) e sejam autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Não recomendamos a nenhuma pessoa fazer uso por conta própria, sem recomendação e prescrição de um profissional de medicina, muito menos sem autorização da ANVISA. Todas as informações contidas nesta página servem apenas para informar a respeito do potencial terapêutico da planta e orientar na busca de informações adicionais. O uso de maconha e derivados ou de qualquer outro medicamento deve ser realizado apenas sob supervisão, prescrição e orientação de um(a) médico(a).

Caso você ou seu médico precise, a AMEMM pode auxiliar fornecendo informações sobre o uso medicinal da maconha ou te ajudando a encontrar um médico que prescreva próximo a você. Saiba mais: Associação Multidisciplinar de Estudos sobre Maconha Medicinal (AMEMM), ou escreva para contatoamemm@gmail.com

O que é a Maconha Medicinal e como agem seus princípios ativos?

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Maconha é um dos nomes mais populares dado às flores secas de uma planta usada pelos seres humanos há mais de 12.000 anos, conforme já foi comentado de forma bem completa em dois artigos anteriores, que podem ser consultados AQUI e AQUI. Em ambos os textos citados é explicado que a planta fêmea da maconha produz uma resina com grande concentração de diferentes compostos naturais, dos quais mais de 80 são exclusivamente produzidos por essa erva. São mais de 80 tipos de fitocannabinóides com poderes terapêuticos únicos, sem falar nos terpenos (outro tipo de compostos naturais), que também são produzidos pela planta em grande quantidade e também têm propriedades medicinais.

O corpo humano possuí um sistema único composto por receptores cannabinóides espalhados em diferentes partes do organismo que reagem aos cannabinóides endógenos. Os cannabinóides endógenos são produzidos dentro do nosso organismo e diferentes estudos têm revelado a sua influência em muitos sistemas importantes para o funcionamento do organismo. O fato é que a ciência atual tem descoberto que muitas doenças podem ser tratadas com diferentes combinações dos fcannabinóides produzidos pela planta, os chamados fitocannabinóides. Porém, cada doença ou sintoma exige uma combinação desses compostos exclusiva e única. Do mesmo modo, cada paciente reage a esses medicamentos de uma maneira singular, como ocorre com qualquer tipo de medicamento.

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Cada planta de cannabis possui uma carga genética única e também um perfil singular a respeito da composição tanto em termos de proporções como quantidade de cada um dos fitocannabinóides, terpenos e outras compostos naturais. Cada doença e enfermidade e seus respectivos tratamentos demandam um equilíbrio bioquímico específico para ser eficiente na cura. É preciso estudar a fundo cada variedade genética e principalmente consultar os criadores de cada tipo de planta que se pretende cultivar. Em breve publicarei também uma lista com alguns tipos genéticos de acordo com a concentração de THC e CBD, os compostos mais ativos e também os mais conhecidos, mas é importante deixar claro que existe muitos outros tão ou mais importante do que esses que ainda precisam ser melhor estudados para compreendermos sua ação farmacológica e terapêutica, tanto isoladamente quando em sinergia com os outros compostos. Portanto, antes de começar a utilizar qualquer medicamento ou preparado à base de maconha é preciso conhecer exatamente a combinação bioquímica, a proporção de cada um dos cannabinóides.

Métodos de administração dos princípios ativos da maconha

Muitas pessoas acreditam que fumar maconha seja a maneira de fazer uso medicinal, mas de fato isso não está correto. Poucos pacientes necessitam fazer uso de doses inaladas e, mesmo esses, devem fazer uso da erva de maneira vaporizada, para minimizar os riscos deste tipo de via de administração.

Abaixo uma versão adaptada da tabela encontrada no livro “Hemp: Uso Medicinal e Nutricional da Maconha”, do autor Chris Conrad, esgotado no Brasil. A tabela faz uma comparação das vantagens e desvantagens dos diferentes sistemas de distribuição dos princípios ativos da planta.

Método de uso

Vantagens

Desvantagens

Cremes, Loções, Pomadas e Adesivos

Condiciona a pele a abrandam inflamações; não têm efeito psicoativo; absorção localizada dos princípios ativos

Limitados a aplicações externas ou superficiais

Erva digerida na forma de alimentos, pílulas, capsúlas, etc.

Efeito mais prolongado; necessidade de doses menores; não irrita o sistema respiratório

Precisa ser aquecida antes da ingestão para melhores resultados (descarboxilação); dosagem de difícil aferição

Supositório

Rápida assimilação; não irrita o sistema respiratório; Efeito mais prolongado; Maior Biodisponibilidade; Melhor aproveitamento da dose; Uso anal ou vaginal; Pode ser usado por pessoas com dificuldades para ingerir ou inalar os cannabinóides

O uso anal ainda é tabu para alguns pacientes

Tinturas

Rápida assimilação; não irrita o sistema respiratório

Contém álcool

Óleo de maconha

Efeito mais prolongado; necessidade de doses menores;

É preciso tomar muito cuidado com produtos que não foram purificados pois podem conter resíduo dos solventes usados no processo

Vaporizar a erva in natura ou algum concentrado

Rápida assimilação

Requer equipamento especial; pode provocar irritação no sistema respiratório

Versões sintéticas de cannabinóides isolados

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Caro, sintético e carece de outros cannabinóides sinérgicos

Alguns produtos disponíveis atualmente no mercado

Abaixo colocamos fotos e o links de alguns remédios à base da planta atualmente disponíveis no mercado internacional. Nosso intuito aqui não é propagandear um ou outro produto, pois esse blog não tem interesse lucrativo e sim informativo, mas sim demonstrar como já atualmente já existem diferentes produtos e formas de administração da planta disponíveis para uso dos pacientes que precisam. Além disso, a forma de consumo da planta vai ser determinada pelo tipo de doença e pelo quadro geral do paciente, mas do que por questão de preferência de um ou outro método de administração.

Cremes, Loções, Pomadas e Adesivos:

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http://www.hightimes.com/topicals

Nos últimos anos a indústria da maconha medicinal nos E.U.A. e em outros países assistiu a uma revolução nas formas de administração dos princípios ativos da erva. Uma das novidades são os produtos de uso tópico, como cremes, loções, pomadas, adesivos, dentre outros. Além de ser uma forma de administração dos princípios ativos que preserva a ação terapêutica, o uso tópico evita os efeitos psicoativos do THC, ao agir localmente sobre a área afetada. O fato é que há receptores para os cannabinóides endógenos (produzidos pelo próprio organismo) em todo o corpo humano e os remédios tópicos à base de maconha apenas utilizam esses receptores para administrar os fitocannabinóides de maneira mais eficiente. Nos casos de dores musculares, inflamações e doenças que provoquem degeneração, dores, ou provoquem algum processo inflamatório nos músculos, e articulações os remédios de uso tópico têm sido realmente muito indicados na atualidade.

Erva digerida na forma de alimentos:

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Comer maconha é uma das formas mais antigas de ingestão da erva para fins medicinais e espirituais. A civilização indiana, com seu histórico do uso sagrado da erva, pode nos dar pistas desse antiguidade. O Bangh, bebida feita com leite é erva, é consumido para elevação espiritual e cura do corpo e da mente desde os tempos védicos, aproximadamente 2.000 anos antes de Cristo. Hoje a ingestão da erva é realizada das mais variadas formas, maneiras e sabores. Existem uma infinidade de alimentos, dos mais variados sabores e texturas, todos contendo diferentes concentrações de princípios ativos. Existem diferentes maneiras de consumir a erva de maneira ingerida e os alimentos e bebidas são apenas uma dessas maneiras.

Cápsulas de erva seca ou extratos:

Outra forma de ingestão são as cápsulas, muito indicadas para os que não querem se confundir nas dosagens na hora de se medicar, ultrapassando o necessário por causa do saboroso pedaço daquele bolo de chocolate com princípios ativos. As cápsulas são preparadas com a erva desidratada e que tenha sofrido processo de descarboxilação, para tornar o THC ativo. Então a erva é colocada nas cápsulas de diferentes tamanhos, de acordo com o fabricante e a dosagem. É possível fazer cápsulas com concentrados também.

Supositórios:

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Gráfico de bio disponibilidade dos princípios ativos de acordo com as vias de uso: Oral (digestão), Inalação (vaporização/fumar) e ingestão retal. Fonte: CannabisDigest

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A via anal de administração de remédios nunca foi a mais popular entre os mais preconceituosos e menos resolvidos com o próprio corpo. Porém, em termos de uso medicinal da maconha, essa forma de administração dos princípios ativos da erva tem se mostrado uma das mais eficientes.

Essa via de administração pode ser muito eficiente em pacientes com dificuldade para ingerir através de outros métodos. Além disso, atualmente diferentes tipos de câncer têm sido tratados com supositórios de cannabis, como próstata, reto, ovário, útero, dentre outros.

Na foto ao lado o ator Tommy Chong, que se curou de um câncer de próstata com o uso de supositórios feitos à base de maconha.

Tinturas

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As tinturas e infusões de maconha também são uma das formas mais antigas de consumir erva para fins medicinais e atualmente podem ser encontradas em diferentes versões e quase todos os fabricantes de remédios de cannabis detém ao menos um produto cuja forma de administração é a tintura. Até a maconha ser proibida na década de 1930 as tinturas eram a principal via de administração do medicamento por terem efeito rápido e ser de fácil dosagem. A melhor maneira de administração de tinturas é através da via sub-lingual, deixando o medicamento por alguns minutos debaixo da língua.

As tinturas são manufaturadas deixando as flores ou outras partes da planta em infusão em álcool de cereais por algum tempo e submetendo esta infusão à filtragem.

Óleos, Concentrados e Outros

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Existem diferentes maneiras fazer extrações da resina da maconha para produzir diferentes tipos de concentrados. As técnicas mais comuns envolvem métodos de extração com solventes ou métodos de extração mecânica. As extrações com solventes (álcool, nafta, butano, dentre outros), devem ser realizadas apenas por profissionais e laboratórios equipados, tanto por causa dos riscos envolvidos no procedimento de extração, quanto pelo fato de que esses produtos deixam resíduos químicos quando não são realizados os procedimentos de filtragem e purificação da forma correta, com os equipamentos adequados. As extrações com técnicas mecânicas não envolvem solventes e, portanto, são muito menos arriscada. Algumas dessas técnicas utilizam apenas água, gelo e bolsas de filtragem especiais, conforme a foto ao lado.

O óleo da maconha se tornou mais popular após o caso Rick Simpson, o americano que se curou do câncer produzindo seu próprio óleo concentrado da erva e após isso passou a empreender uma cruzada pessoal para difundir as técnicas para produzir e fazer uso do remédio. No Brasil o óleo ficou popular devido a diversas notícias da mídia e à militância das mães e pais das crianças com epilepsia que necessitam fazer uso do óleo rico em CBD e durante todo o ano de 2014 empreenderam uma luta árdua contra a ANVISA para estabelecer e legitimar os protocolos de importação do óleo rico em CBD e de outros produtos semelhantes. No caso do Rick Simpson o óleo usado era rico em THC. Em todo caso, seja nas doenças que precisam de mais THC ou nos pacientes que necessitam dos concentrados de CBD, as técnicas para produção do óleo são as mesmas, variando apenas o tipo genético e as partes das plantas usadas para fabricação do remédio.

Cannabinóides Sintéticos

 

Comprimido 100% THC sintético

Nas últimas décadas, como consequência a proibição e por visar apenas o interesse de lucro, diferentes empresas do ramo farmacêutico e químico procuraram desenvolver versões sintéticas dos cannabinóides. No entanto, poucos foram aprovados para uso medicinal e diferentes estudos clínicos relevam que os cannabinóides sintéticos têm muito mais efeitos colaterais negativos do que as moléculas de origem natural. Além disso as moléculas isoladas não têm o mesmo efeito do que os compostos naturais atuando em sinergia, como ocorre nos produtos à base dos cannabinoites da planta. Em todo caso, o fato é que já existem milhares de anos de experiência prática no uso dos cannabinóides e origem natural, enquanto o uso das moléculas sintetizadas em laboratório ainda carecem de muitos estudos quanto à sua eficácia e segurança. Como curiosidade vale destacar que é um farmacêutico brasileiro que detém a patente do CBD sintético.

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