Holanda obriga coffee shops que vendem maconha a fechar

Fonte: Terra

A Holanda esteve, nos últimos 20 anos, na vanguarda em relação à maconha. Centenas de coffee shops espalhados pelo país – principalmente no centro da capital Amsterdã – vendiam abertamente a droga a consumidores habituais e curiosos. Os ventos mudaram. Enquanto estados americanos e o Uruguai implementam políticas de legalização do comércio do produto, o governo de coalizão formado pelo Partido Liberal e o Partido Trabalhista no fim de 2012 virou o terror para os comerciantes, produtores e consumidores de maconha do país europeu.

Embora fosse amplamente tolerada, a venda de drogas leves como a maconha nunca foi legalizada no país. Oficialmente, ainda se trata de um crime, embora, em geral, o ministério público holandês não vá processar ninguém por consumir ou vender menos de cinco gramas do produto. No entanto, o primeiro ministro holandês Mark Rutte ordenou a polícia e a promotoria a serem totalmente intolerantes ao consumo e venda fora dessas quantidades.

O governo tem usado diversas regras antigas para pressionar as coffee shops – elas não podem causar incômodo à vizinhança, por exemplo. Horários limitados de funcionamento foram estipulados. E outras novas regras, como a proibição da permanência desses estabelecimentos nas proximidades de escolas, foram criadas. Coffee shops tradicionais estão sendo obrigados a fechar.

Hempshop, loja especializada em maconha Foto: Giuliander Carpes / Especial para Terra

“Quando eu abri a minha loja, não havia escola de ensino médio nenhuma aqui. Agora há uma a 160 metros de onde era a minha coffee shop e fui obrigado a fechar. O engraçado é que não tinha um cliente estudante dessa escola porque não posso vender maconha para ninguém com menos de 18 anos”, reclama Jaap Louwerier, ex-dono da Homegrown Fantasy, fechada em julho no centro de Amsterdã.     

Pelo menos um terço dos coffee shops deve fechar
O objetivo do governo é reduzir em pelo menos um terço o número de coffee shops do país – havia 198 somente na capital antes da onda de intolerância começar. Novas licenças não são concedidas e, se uma loja fechar uma vez, ela não tem mais direito a reabrir. Mais de 30 coffee shops já foram fechadas em Amsterdã, onde o desejo do governo é extingui-las completamente do seu principal ponto, o famoso Red Light District.

“É a política. Uma hora ela está ao nosso lado e na outra está contra nós. Agora é o momento de a gente dar uma diminuída no comércio e tentar sobreviver do jeito que dá para ver se o próximo governo é mais tolerante. O problema é que já tem muito comerciante de saco cheio e fechando mesmo”, disse o dono de um coffee shop do centro de Amsterdã à reportagem do Terra, que circulou pela região nas últimas semanas e flagrou estabelecimentos fechados e inclusive mudando de especialidade – trocaram a venda de maconha pela de bebidas alcoólicas, virando bares “normais”.

 Foto: Giuliander Carpes / Especial para Terra

Em alguns coffee shops, no entanto, certas normas do governo não são respeitadas. Um estudante búlgaro conseguiu comprar mais de cinco gramas de maconha sem ter de apresentar nenhum documento que comprovasse residência na Holanda – turistas e estrangeiros, em tese, estão proibidos de consumir a droga no país. “Costumo frequentar coffee shops com frequência e nunca me pediram nada. Na verdade, nem sabia que precisava”, afirmou o jovem de 23 anos. Se o estabelecimento é pego uma vez burlando as regras, pode ser multado e suspenso por duas semanas. Em caso de reincidência, pode ser obrigado a fechar as portas definitivamente.

Perseguição aos produtores
Outra forma que o governo holandês encontrou de pressionar as coffee shops é apertar o cerco contra os produtores. Embora a venda de pequenas quantidades seja permitida, o cultivo da maconha é proibido. Isso dificulta o fornecimento aos estabelecimentos que ainda têm permissão para funcionar.

Segundo um dono de coffee shop que não quis se identificar, seu fornecimento de maconha é provido diversas vezes ao dia por vários traficantes diferentes. “A gente pode comprar maconha de pessoas que plantam até cinco plantas por vez, mas, assim, não teríamos fornecimento suficiente. Na verdade, não existe forma de vender maconha sem participar de um mercado totalmente ilegal, o que não faz sentido”, admitiu.

As principais aliadas do governo contra o cultivo da maconha são as empresas de energia elétrica. Consumo exorbitante e fraudes – os populares “gatos” – são comuns na tentativa de manter as estufas em temperaturas mais altas durante o inverno europeu para as plantas se desenvolverem. Só em 2014, 1.600 plantações domésticas foram flagradas com o auxílio das companhias de energia elétrica locais.

Status de exportador de maconha incomoda o governo
No final de 2014, o governo holandês divulgou um estudo em que afirma que 95% da maconha plantada na Holanda é consumida por turistas estrangeiros e exportada para outros países. Muitas coffee shops, inclusive, vendem a droga ou sementes de maconha na internet e enviam por correio “em embalagens discretas”, como anuncia o site da Sensi Seeds.

Embora um grupo de 35 prefeitos municipais pressione o governo para legalizar o comércio, não há a mínima chance de que ocorra uma mudança na politica de combate à maconha implementada pelo governo num futuro próximo. “O nosso estudo mostra que não faz sentido regulamentar a maconha à venda nos coffee shops porque o  cultivo ilegal vai continuar”, disse o ministro da Justiça Ivo Opstelten. Ele ressaltou que uma regulamentação também feriria tratados internacionais.

Em entrevista a uma emissora de televisão local, o primeiro ministro holandês Rutte admitiu que o endurecimento contra a maconha é resultado de pressões da União Europeia. “Eu não tenho coragem de encarar (Angela) Merkel (chanceler alemã) ou (François) Hollande (presidente francês) sabendo que boa parte do lixo de seus países é criado na Holanda”, afirmou. “Viramos um polo de comércio e exportação de drogas para o resto da Europa.”