Expansão do Universo Consciente

Antes do post propriamente dito, gostaria de apresenta-los uma nova colunista do Portas da Percepção. É a estudante de medicina, Thalita Vieira, que construirá no Portas da Percepção junto comigo (Fernando Beserra) e com o Filipe Puga (que iniciou há duas semanas a participação na coluna). O texto de Thalita traz excelentes reflexões sobre a redução de danos – em uma época que cada vez mais suas estratégias são necessárias, especialmente para os usuários e psicodélicos sintéticos e semissintéticos. Por fim, que possamos ficar com essa imagem que transcende o modelo de pura abstinência como única solução para o uso indevido de psicoativos. Seja bem vinda Thalita Vieira!!

Por Thalita Vieira

Com o intuito de desmitificar as questões relacionadas ao uso de psicodélicos, me pareceu interessante nessa primeira oportunidade expor algumas ideias sobre a Redução de Danos. Através de um olhar voltado para a saúde, esse texto busca esclarecer acerca da importância dos conhecimentos das drogas, e principalmente, o que isso acarreta para o convívio individual e social. Haja vista a alta demanda e oferta de substâncias (de todas as categorias) e o debates atuais perante a Lei, cabe então aos usuários buscar reconhecer seus próprios limites através do uso consciente.

A princípio, a Redução de Danos consiste em uma estratégia de saúde pública que se iniciou na Inglaterra há quase um século, no controle da transmissão de doenças através do uso de injetáveis, e em seguida passou a ser vista em sua essência como respeito aos usuários de drogas, sua demanda e seu tempo. Passou a outros países como a Holanda (1980), contudo, no Brasil, surgiu entre as décadas de 80 e 90, como uma ferramenta inserida pela transição democrática. Vale lembrar que nessa época, tal mudança ainda esbarrava nos parâmetros repressivos ditatoriais e que, no mundo, acontecia a explosão da epidemia da Aids – sendo esse, o contexto do início da guerra às drogas no Brasil (PASSOS, 2011). Através dessa estratégia encontrada, busca-se minimizar os prejuízos associados ao consumo e a redução de abusos individuais, promovendo a qualidade de vida sem punição ao usuário, o que contrariando os ideais proibicionistas ou pautados na lógica da abstinência de até então. Uma definição da Associação Internacional De Redução De Danos (Londres, 2010): “Redução de danos é um conjunto de políticas e práticas cujo objetivo é reduzir os danos associados ao uso de drogas psicoativas em pessoas que não podem ou não querem parar de usar drogas. Por definição, redução de danos foca na prevenção aos danos, ao invés da prevenção do uso de drogas; bem como foca em pessoas que seguem usando drogas.”

Sabe-se que o histórico de repressão no nosso país é muito mais antigo e complexo, uma herança da exploração que se arrasta até hoje, com o racismo e outros tipos de violência. Mas também que esse é um indício de que, se nesse mundo há espaço para ações políticas mais humanizadas (depois de sucessivos insucessos), o melhor então é seguir pelo caminho o qual o time ganha. E assim, aos poucos, um país aqui e outro ali se mostra um pouco mais “disposto” a ser menos autoritário, em nome da paz: ideologia ou estratégia de mercado? De qualquer forma, já é uma boa nova.

Aqui pro seu preconceito[3]Conspirações à parte, tanto na saúde quanto no campo da ciência, embora os avanços tenham proporcionado novas técnicas e formação de equipes com múltiplas competências para lidar com a saúde mental, ainda persiste a desvalorização/sucateação pelas autoridades brasileiras. E claro, da educação. Por que então caminhar atrás da subjetividade do martelo humano? E as tais propriedades terapêuticas? Tantas inovações, substâncias, espécies, variedades, receptores, não seriam esses argumentos para viver da melhor maneira possível? E se o ser humano deixasse de pensar?

Os preconceitos gerados há séculos são preservados pelas gerações coniventes com os padrões pré-estabelecidos, que ficam culturalmente enraizados na memória social, sendo essa a lógica da proibição. É preciso então, expandir – não só a nossa própria mente – mas os conhecimentos com o outro através do diálogo honesto e comprometido com os direitos humanos e a saúde, além da promoção ações de mudanças políticas. O esclarecimento do uso de drogas somado a um serviço de saúde de qualidade permite que a sociedade tenha autonomia em relação ao uso e abuso, aos próprios dados sociais, (sem falar do crime e do mercado ilegal), à procedência de material, ao controle e, principalmente, a consciência da necessidade de convivermos com elas. “A abordagem de redução de danos contribui com ‘um novo olhar’ sobre a prática de saúde, atentando para a consideração e valorização da independência dos sujeitos, sua cultura e suas práticas. Ao abandonar o modelo biomédico de doutrinação que qualifica comportamentos a partir de uma perspectiva bipolar de indivíduos ou comportamentos ‘sãos’ e ‘não-sãos’, considera a multiplicidade de estratégias e procura criar escalas de risco ‘guias’ para a orientação coletiva e/ou individual.” (FEFERMANN, 2003)

Várias são as maneiras de criar mecanismos para ter uma melhor trip e uma melhor qualidade de vida. Para ter uma viagem um pouco mais segura, a consciência é fundamental – mesmo que você queira pirar, é interessante saber como. Independente do que você usa, organizando suas ideias e buscando se desenvolver como pessoa, você perceberá que, ao se preparar mentalmente e com atitudes, tanto o seu organismo estará mais receptivo para aquela onda quanto a sua saúde permitirá que você aproveite mais vezes. Você e o seu próximo.

Referências bibliográficas:

PASSOS, E. H. & SOUZA, t. P. (2011). Redução de danos e saúde pública: construções alternativas à política global de “guerra às drogas”. Psicologia & Sociedade, 23 (1), 154-162.

FEFFERMANN, M. FIGUEIREDO, R. Redução de Danos como Estratégia de Prevenção de Drogas entre Jovens. In: Boletim do Instituto de Saúde, nº 40, Instituto de saúde -SES São Paulo. 2006.

Clique para acessar o reduo_de_danos.pdf

Mais informações sobre esse assunto:

Link Cartilha Viva Comunidade:

Clique para acessar o cartilha_ACS_red_danos.pdf

Associação Internacional de Redução de Danos, Londres, Grã-Bretanha, 2010.

Clique para acessar o Briefing_what_is_HR_Portuguese.pdf

Cícero José Barbosa da Fonsêca. Ética e redução de Danos:

http://www.ufrgs.br/e-psico/etica/temas_atuais/reducao-de-danos-texto.html

Conhecendo a redução de danos enquanto uma proposta ética. Psicologia & Saberes, 2012, 1(1), pp. 11-36

http://conselheiros6.nute.ufsc.br/ebook/medias/pdf/redua%C3%A7%C3%A3o%20de%20danos%20uma%20proposta%20%C3%A9tica.compressed.pdf

Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Brasília, 2003.

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pns_alcool_drogas.pdf