Ecstasy: que parada é essa?

por Vanusa Maria Bispo

Um levantamento feito em 2012 pela Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo em parceria com a Fapesp revela que apenas 44,7% das drogas sintéticas apreendidas no Estado de SP no último ano continham o princípio ativo do ecstasy, o MDMA. E foi verificado que a metanfetamina está em 22% do que foi apreendido como ecstasy.
 
Levantamento, realizado entre 2011 e 2012

 

Outras 20 substâncias foram encontradas, algumas delas presentes em remédios de emagrecimento. e em anestésicos de uso veterinário, como a Ketamina, além de vários tipos de anfetaminas. Todos os comprimidos têm a mesma embalagem visual do ecstasy -a cor, o formato e os logotipos variados como a maçã da Apple, a cara do ET ou o símbolo da Calvin Klein.

Para efeito de comparação, em 2004, 25 amostras foram analisadas em uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo), e 84% continham MDMA, em maior ou menor concentração. Em 2009, outro estudo, feito no laboratório da superintendência, mostrou que todas as amostras daquele período continham MDMA.

O autor do estudo, o perito criminal José Luiz da Costa, do Núcleo de Exames de Entorpecentes da Polícia Científica, e presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia disse em entevista:

“Anteriormente dizíamos que eram comprimidos de ecstasy, mas os resultados mostram que metade dos comprimidos não possui o MDMA em sua constituição”

Os resultados evidenciam que a composição das drogas sintéticas vendidas no Estado de SP é extremamente variada, assim como o nível de concentração de substâncias. Mas esta realidade não é diferente em 2017, não só no estado de SP mas em todo Brasil, devido ao crescente aumento na organização de eventos que reúnem grande número de pessoas, muitos destes usuários recreacionais de psicoativos. E com isso também o aumento no número de casos de intoxicações e óbitos.

“As pessoas vão à balada e não sabem mais o que estão tomando. Há comprimidos em que a concentração da substância ativa chega a ser cinco vezes superior à dose presente em medicamentos comerciais”

De acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp (Proad), a pesquisa de Costa atesta algo que já se vinha observando nos prontos-socorros. “Antigamente, era tudo ecstasy. Mas de uns anos para cá começamos a notar a diferença. Algumas pessoas tomam a pílula e passam muito mal. Aparecem com quadros de hipertensão, arritmia e até infarto ou derrame. Ora, esses não são sintomas do ecstasy.”

 
3,4-Metilenodioximetamfetamina (MDMA), vulgarmente conhecida como “ecstasy ou bala”, é uma substância psicoativa utilizada principalmente como droga recreativa.

À medida que essa dificuldade foi crescendo, surgiram formas de identificar a composição dos comprimidos e contornar o perigo de tomar uma bala adulterada.

1- REAGENTES

Tornou-se comum em outros países usar reagentes para testar a composição das amostras. Os testes servem não só para ecstasy, mas para a maioria das substâncias disponíveis no mercado negro, onde não existe controle da qualidade dos produtos.
No que concerne a análise das substâncias, existem algumas formas gerais de testagem de drogas. Algumas mais simples, como os reagentes colorimétricos e outras mais complexas, como os diferentes tipos de cromatografia. Os testes colorimétricos são reagentes que podem ser pingados na substância e que permitem identificar a ausência ou presença de uma determinada substância. Desta forma, o uso de testes colorimétricos pode ser identificado, na prática, como uma ação de minimização dos riscos e de redução de danos, seja praticada pelo próprio usuário, seja praticada por um redutor de danos. O uso dos testes é, aparentemente, simples e não requer grandes conhecimentos técnicos, motivo que tem levado à sua popularização.

Na prática, não é tão simples. Existem muitos reagentes que podem ser utilizados para diferentes substâncias e pode ser necessário usar mais de um teste para conseguir um resultado razoavelmente preciso. Ainda assim, os reagentes não identificam a pureza da substância; tampouco sua composição, isto é, um reagente pode identificar se há ou não MDxx na bala, mas não pode dizer se, em conjunto com o MDxx, há um ou mais adulterantes. A título de informação, quando é escrito: MDx ou MDxx é sinalizado que se trata de uma metilenodioxi, no entanto, não há possibilidade de dizer se é o famoso MDMA (metilenodioximetanfetamina) ou outro composto como o MDA, MDE, etc.

Infelizmente, as adulterações são mais comuns do que se imagina. Portanto, para uma melhor compreensão deste tópico sugerimos a leitura do texto – “Testando as balas e os MDs – Portas da Percepção” (https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/testando-as-balas-e-os-mds-portas-da-percepo/).

2- SITES DE IDENTIFICAÇÃO

A maioria dos comprimidos de ecstasy que se encontram por aí têm logos e desenhos estampados na sua superfície, assim como formas e cores diferentes. É possível usar tais parâmetros para separar as “balas boas” das “balas ruins”.

Para isso, existem diversos sites que disponibilizam listagens com fotos dos comprimidos e suas composições, baseadas em testes e relatos de usuários:

Pillreports.net

O Pill Reports é um banco de dados de comprimidos baseado tanto em relatos de usuários como em análises com reagentes. A listagem é dividida por regiões – África, Ásia, Austrália e Nova Zelândia, Europa, Oriente Médio, América do Norte e América do Sul.

Qualquer usuário pode adicionar comprimidos ao banco de dados através dos seguintes parâmetros:

  • nome do comprimido
  • logo
  • cor/formato
  • altura, largura e peso
  • textura e bordas
  • região em que foi encontrado
  • se foi testado com reagentes
  • composição provável
  • avaliação (MDxx baixo-alto; adulterado; inativo; desconhecido)

Também é possível adicionar uma foto e um relato da experiência, caso o usuário já tenha tomado o comprimido. O site também permite comentários e avaliação do relatório por outros usuários.

Ecstasydata.org

Lançado em 2001, o EcstasyData.org tem um laboratório que analisa e divulga os resultados dos comprimidos testados. Além de fazer os próprios testes, também divulga os resultados de testes de outras organizações. É possível enviar amostras para eles analisarem, com o custo de US$ 40. Os testes são feitos por espectrometria de massa, permitindo descobrir com precisão cada substância presente nos comprimidos. É um programa independente de testagem de comprimidos em laboratório administrado pelo Erowid Center, com suporte da Isomer Design e DanceSafe. O objetivo é coletar, revisar, gerenciar e publicar resultados de testes laboratoriais do laboratório e de outros projetos de análise em todo o mundo.

* Os Resultados dos Testes, com características das amostras e locais do  envio, estão disponibilizados e atualizados sistematicamente pelo site.

SaferParty.ch

Neste site o “drug checking” fornece avisos a respeito de comprimidos adulterados ou com quantidade alta de MDMA. A checagem de drogas é um dos quatro pilares das políticas de drogas na Suíça, e o serviço é oferecido pelo departamento social da cidade de Zurich, que analisa os comprimidos e divulga os resultados através do site. O site está em língua alemã, mas dá pra entender as informações principais.

Não há garantia de que a bala/comprimido de ecstasy, com a mesma logo, contenha as mesmas substâncias. Há pessoas utilizando prensas (de produção) já utilizadas em outras balas, apreciadas pelo público, com fins de valorizar seu produto. Com isso, comprimidos com a mesma aparência podem conter substâncias diferentes, de forma que a testagem é sempre recomendada.

Para concluir, a partir destes dados podemos afirmar que os graves problemas de saúde causados pelas drogas recreacionais se devem, principalmente, a inexistência de controle de qualidade no mercado ilegal. Pois, certamente, a falta de pesquisas com dados da nossa realidade, e políticas de cuidados na área da saúde, são um reflexo da (pseudo)ciência da guerra às drogas.

Fontes/Referências:
Ecstasy consumido em São Paulo não é ecstasyhttp://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2012/08/1135888-ecstasy-consumido-em-sao-paulo-nao-e-ecstasy.shtml

Metanfetamina está em 22% do que foi apreendido como ecstasyhttp://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2012/08/1135892-metanfetamina-esta-em-22-do-que-foi-apreendido-como-ecstasy.shtml

Identificando a composição de comprimidos de ecstasyhttp://tripby.org/artigo/identificando-a-composicao-de-comprimidos-de-ecstasy/

Testando as balas e os MDs – Portas da Percepçãohttps://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/testando-as-balas-e-os-mds-portas-da-percepo/

Como reduzir os danos sem conhecer o dano?https://pscienceblog.blogspot.com.br/2017/01/como-reduzir-os-danos-sem-conhecer-o.html

Ecstasy: The Complete Guide (Julie Holland)https://pt.scribd.com/doc/20564889/MDMA-Ecstasy-The-Complete-Guide-holland-0892818573

Vanusa Maria Bispo: neurocientista, professora adjunta de neuropsicofarmacologia (UDESC) e editora da página @Redução de Danos e do Pscience Blog