Ecstasy: Os cuidados ao abrir as Portas do Coração!

por Fernando Beserra

O MDMA é a metienodioximetanfemina. Ele seria o componente psicoativo do ecstasy, caso o ecstasy (bala, MD) de rua contivesse aquilo que se propunha originalmente. Mais de 10 textos aqui no Hempadão dão uma ideia acerca deste fármaco. Como substância semissintética, o MDMA é semelhante a determinados compostos naturais e pode ser produzido a partir de alguns destes. De acordo com Capdevila (1995) há, ao menos, sete formas de produzir o MDMA. Atualmente a forma mais recorrente de sua produção ocorre ao aminar o 3,4-metilenodioxifenil-2-propanona (MDP2P). A criação do MDMA foi realizada no início do século XX quando as empresas Merck buscavam sintetizar a hidrastina, uma substância vasoconstritora e hemostástica. O MDMA nunca chegou a ser comercializado, embora tenha sido patenteado em 1914 pela Merck (com solicitação de 1912). A patente, possivelmente, foi solicitada com a expectativa de seu uso como supressor do apetite.

Os efeitos psicoativos do análogo do MDMA e seu metabolito, o metilenodioxianfetamina (MDA), foram descobertos em 1957. Ao longo da década de 1960 o MDA foi descoberto na contracultura e passou a ser conhecido como droga do abraço (hug drug), droga do amor ou anfetamina para amantes. De acordo com Julie Holland (2001) o MDA foi patenteado em 1958 pela Smith Kline French e testado em 158 participantes de pesquisa como anorético (HOLLAND, 2001) e abandonado por sua psicoatividade. O MDA, do qual é possível obter o MDMA, foi sintetizado em 1910 pelos químicos alemães G. Mannish e W. Jacobson, fruto da aminação do azeite essencial do safrol. Em 1912 a Merck de Darmstadt, na Alemanha, patenteou o MDA como anorético, embora não o tenha comercializado (CAPDEVILA, 1995). O MDA também foi utilizado na tentativa de tratamento da doença de Parkinson, muito embora com um único paciente. O estudo foi abandonado quando se produziu rigidez muscular. O MDA ficou famoso antes que o MDMA, por exemplo, na famosa Haight Ashbury em São Francisco. Estudos sobre balas demonstram que na Espanha o mesmo ocorreu. Em 1985, por exemplo, era encontrado MDA, mas não MDMA (que aparecerá em 1990).

É curioso imaginar que os primeiros comerciantes de MDMA, fora do setting terapêutico-médico-psicológico, tinham uma relação com o comercio da substância que não era puramente comercial. Eles acreditavam em seu viés terapêutico a nível coletivo. Frases de Timothy Leary apareciam em panfletos das balas de ecstasy comercializadas.

O MDMA é conhecido por seus efeitos estimulantes e empatogênicos, isto é, é uma substância que aumenta a capacidade de empatia e de aprofundamento em si. Seus efeitos psicológicos variam bruscamente dependendo do cenário que se utiliza. Muitos pesquisadores e psiconautas não consideram, por exemplo, que o MDMA seja uma substância psicodélica. Discordo profundamente deste posicionamento. O MDMA pode catalisar uma experiência psicodélica autentica em um cenário psicoterapêutico ou em outro setting adequado. Diversos relatos de experiência corroboram tal afirmação, o que também o faço a partir da experiência pessoal. Basta remeter ao livro organizado por Sophia Adamson: “Through the gateway of the heart”. Muitas práticas psicoterapeutas, por um lado, e de meditação e de trabalho espiritual, por outro, julgam fundamental a abertura das portas do coração para o crescimento psicológico ou espiritual (METZNER, 1985). Trata-se de um efeito que o MDMA pode promover. De acordo com Kuyupers e outros (2014) diversos estudos indicam que o MDMA apresenta indução de sentimentos subjetivos de proximidade e abertura para os outros, calor emocional, aumento de bem-estar, contentamento, empatia, além de euforia. De forma geral, estudos demonstraram que o MDMA aumenta o reconhecimento de emoções positivas, enquanto diminui o de negativas (KUYUPERS e outros, 2014). A evidência é que o MDMA aumente os componentes emocionais da empatia, em suas medidas subjetivas e objetivas, e diminua o reconhecimento emocional de emoções negativas. Estudos ainda estão em fase de realização para descobrir os componentes fisiológicos ligados à empatia produzida pelo MDMA e substâncias análogas. Atualmente sabe-se que os efeitos da oxitocina, que são parcialmente mediados pelos receptores 5HT1A, não produzem os efeitos empatogênicos do MDMA, embora fossem fortes candidatos a esta produção (KUYUPERS e outros, 2014).

No nível fisiológico, quando o MDMA é ingerido ele é metabolizado por uma enzima no fígado: a CYP2D6. Em um pequeno grupo populacional esta enzima é deficiente, o que conduz a uma teoria que tal déficit ocasiona que o efeito do MDMA se torne muito prolongado neste grupo e possa mesmo causar danos mais sérios ao corpo. Esta teoria tem sido criticada, por exemplo, por de la Torre e outros (apud HOLLAND, 2001) na observação que pequeno aumento no uso de MDMA pode levar a grandes aumentos de seu nível plasmático. Em decorrência deste aumento, portanto, pode ser que haja algum mecanismo dose-dependente que explique o aumento dos riscos em doses maiores em uma grande proporção. Esta enzima, a CYP2D6, pode ser inibida pela presença continua de MDMA, o que gera um risco muito aumentado em situações nas quais ocorre o uso continuo e prolongado da substância (MELBREG e BONSON, 2001); além disso, a interação com outros fármacos de efeito análogo no fígado, por exemplo, o DXM, pode aumentar este efeito. Há uma antiga máxima na redução de danos para o uso de MDMA que deve ser observada: “Menos é mais”. Por diversas pesquisas sabe-se que o MDMA não se encontra entre as substâncias psicoativas mais perigosas. No artigo de David Nutt e outros (2010) foram avaliados os diferentes riscos de diversas substâncias psicoativas. O MDMA (descrito como Ecstasy) encontra-se com riscos bastante inferiores dos que os do álcool, do tabaco, da anfetamina, da cocaína, dentre outras substâncias, como se pode observar abaixo:

Apesar do indicativo do gráfico de Nutt e outros (2010), é importante lembrar que os riscos do MDMA se tornam muito superiores devido a proibição e a possibilidade de falsificação. Além disso, usos inconsequentes e inadvertidos, mesmo do verdadeiro MDMA, estão longe de ocorrerem isentos de riscos. Antonio Escohotado (1997) adverte acerca do uso em doses altas, mas não apenas nisso. O filósofo e historiador das drogas observa uma experiência comum a usuários de MDMA: quando este uso se torna recorrente, o que se observa é a manutenção dos efeitos tipo-anfetamínicos do MDMA, isto é, seus efeitos estimulantes e a perda de suas características promotoras da empatia. Ainda de acordo com Escohotado (1989) a dose de MDMA é de 1 a 2,5 mg por kg de peso. Enquanto menos de 50 a 75mg podem não ser psicoativas, mais que 250 podem, em determinadas pessoas, provocar intoxicação, ainda que não seja frequente. Entre as substâncias psicodélicas, o MDMA é uma substância com a margem de segurança pequena (medida entre a dose psicoativa mínima média e a dose fatal média). A dose fatal média seria de 600 a 700mg em pessoas com riscos de saúde específicos e uma pessoa saudável suportaria até alguns gramas, embora seria irresponsável conduzir-se desta forma.

Um dos efeitos atualmente discutidos no uso de MDMA é a redução da serotonina (5HT) no fluido cérebroespinhal. Embora exista evidência desta redução em ratos e macacos, ainda há um debate sobre este fenômeno em humanos. Alguns estudos indicam tal redução, mas não se pode afirmar categoricamente as possíveis alterações a nível de vida cotidiana ou indicadores cognitivos. Enquanto hipótese poderia se conjecturar na redução da dor e de traços agressivos (HOLLAND, 2001); muito embora não tenha sido encontrada redução da dor e a redução de traços de agressividade em usuários de MDMA tal ocorrência ainda necessita ser melhor estudada.

No primeiro post sobre MDMA e redução de danos escrevi acerca da hipertermia e da hiperpirexia. Isto é, ressaltei os riscos de aumento da temperatura corporal e a necessidade de manter-se hidratado, inclusive para manutenção (ou redução) da temperatura corporal. Em espaços muito quentes e de dança continua, a falta de hidratação e o excesso de calor tornam-se fatores de sério risco para os usuários de MDMA. De forma geral, o MDMA leva a pequenos aumentos de temperatura, mas em determinados contextos de muito calor, dança e falta de descanso apropriado a temperatura pode elevar-se em demasia. Há diversos riscos neste caso, desde falhas nos rins, fígado, até o edema cerebral. A maior razão de casos fatais, na hipertermia decorrente de uso de MDMA, segundo Henry e Rella (2001) é uma síndrome denominada coagulopatia intravascular disseminada (CIVD). Por outro lado, não há indicativo de hipertermia em usos psicoterapêuticos de MDMA. Nos casos de hipertermia é fundamental esfriar o corpo da pessoa e que a mesma seja deslocada para um ambiente de menor temperatura. Deve-se procurar ajuda médica; equipes de redução de danos podem dar orientações adequadas.

Faltou acrescentar um importante debate no uso do MDMA: a hiponatremia. A hiponatremia é uma baixa dos níveis séricos de sódio, que pode ocorrer, nos contextos de uso de MDMA em festas, como consequência do excesso de uso de água em um curto espaço de tempo. O excesso de água pode ser um fator central nesta situação, em especial porque o MDMA causa a secreção de um hormônio antidiurético, o ADH (vasopressina). Estes hormônios, portanto, inibem que o usuário urine, aumentando a desordem eletrolítica. Usuários com esta condição podem apresentar náusea, mudez, dores de cabeça, confusão, fadiga, vomito, dentre outros sintomas. A hidratação deve ser realizada, preferencialmente por isotônicos, de forma a evitar o quadro. Deve-se evitar o consumo excessivo de uma só vez. Isto é: beber líquidos, mas de forma gradual e constante e não de maneira abrupta. Possivelmente a secreção de vasopressina está relacionada às características serotoninérgicas do MDMA, portanto, o uso de mais de uma substância com estas características aumenta o risco do quadro ou pode agravá-lo.

Algumas dicas de redução de danos são as seguintes:

· Hidrate-se. Preferencialmente com isotônicos, a exemplo do Gatorade;

· A hidratação deve ser maior quando se dança ou movimenta-se em excesso. Porém cuidado. A hidratação não deve ser excessiva. A hidratação excessiva pode ser tão perigosa quanto a falta de hidratação;

· Não dance ou se movimento todo o tempo. Dê um tempo para o seu corpo. Descanse. Não deixe de dormir ou de permitir que seu corpo relaxe. Não use substâncias todo o tempo: seu corpo é sagrado;

· Use roupas leves, em especial se for manter grande atividade física;

· Não use mais do que uma bala. Em especial, comece com doses menores;

· Teste a substância. Busque saber se há redutores de danos no espaço. Se seu uso for habitual da substância, pense seriamente em adquirir um test kit;

Outro cuidado que o usuário de MDMA deve tomar é com a síndrome serotoninérgica (SS). A SS pode ocorrer no uso abusivo de substâncias que agem nos receptores de serotonina, aumentando a liberação deste neurotransmissor ou evitando a sua recaptação. Embora a SS seja rara, ela é extremamente perigosa; a taxa de mortalidade é de 10 a 15%. Seus sintomas são: confusão mental, dificuldade de andar, aumento de suor, diarreia, aumento da rigidez e do tônus muscular, tremedeiras, etc.

Alguns usuários para evitar a toxicidade, em especial a neurotoxicidade, do MDMA utilizam algumas estratégias. Uma destas é o uso de vitamina C. Aguirre e colegas (apud BAGGOT e MANDELSON, 2001) relataram que uma aplicação 2x/dia, por dois dias, de uma dose alta de ácido alfa-lipóico bloqueou completamente os efeitos neurotóxicos do MDMA de uma dose única em ratos. Doses altas de alguns ácidos, como vitamina C, podem alterar o PH da urina e afetar a excreção do MDMA. Ao lado desta interação farmacocinética, doses bem aceitas de antioxidantes podem diminuir os riscos de danos neurotóxicos de longo prazo (BAGGOT e MANDELSON, 2001). Apesar disso, ainda é muito incerto se esta intervenção tenha o efeito desejado. Por fim, o uso de alimentos com L-triptofano como bananas, chocolate e leite podem ser úteis no dia seguinte ao uso do MDMA, de forma a reduzir os impactos da depressão no dia ou dias pós-uso.

Este texto não tem a finalidade de abranger todas as possibilidades de redução de riscos e danos ou dar informações completas sobre o MDMA. Trata-se de um texto introdutório. Pesquisa, se informe. Em breve trarei mais textos sobre o assunto aqui para o Portas da Percepção envolvendo, por exemplo, os adulterantes e falsificantes possíveis do MDMA.

REFERÊNCIAS:

BAGGOT, M.; MANDELSON, J. Does MDMA causa brain damage. Em: HOLLAND, Julie. MDMA: a complete guide. Rochester/Vermont: Park Street Press, 2001.

CAPDEVILA, Marc. MDMA o el éxtasis químico. Bacelona: Los Libros de la Liebre de Marzo, 1995.

ESCOHOTADO, A. O livro das drogas: usos e abusos, desafios e preconceitos. São Paulo: Dynamis Editorial, 1997.

HOLLAND, Julie. MDMA: a complete guide. Rochester/Vermont: Park Street Press, 2001.

KUYUPERS, K. P.; TORRE, R. de la; FARRE, M.; YUBERO-LAHOZ, S.; DZIOBEK, I.; BOS, W. V. den.; RAMAEKERS, G. No Evidence that MDMA-Induced Enhancement of Emotional Empathy Is Related to Peripheral Oxytocin Levels or 5-HT1a Receptor Activation. PLoS One, 2014. V. 9 (6). Acesso em: 02 out. 2016. Disponível em:

MELBREG, Jessica E. e BONSON, Katherine R. How MDMA works in the brain Em: HOLLAND, Julie. MDMA: a complete guide. Rochester/Vermont: Park Street Press, 2001.

METZNER, Ralph. Foreword. Em: ADAMSON, Sophia. Through the gateway of the heart. San Francisco: Four Trees Publications, 1985.

Mais posts sobre o assunto no Portas da Percepção:

BESERRA, Fernando Rocha. MDMA no tratamento da esquizofrenia? Em: Hempadão. 2016. Disponível em: < https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/mdma-no-tratamento-da-esquizofrenia/>.

BESERRA, Fernando Rocha. MDMA e neurotransmissores. Em: Hempadão. 2016. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/mdma-e-neurotransmissores/>.

BESERRA, Fernando Rocha. MDMA e redução de danos. Em: Hempadão. 2016. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/mdma-e-reducao-de-danos/>.

BESERRA, Fernando Rocha. MDMA e ilegalidade: parte 1. Em: Hempadão. 2016. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/legalidade-e-ilegalidade-do-mdma-ndash-parte-1/>.

BESERRA, Fernando Rocha. MDMA e ilegalidade: parte 2. Em: Hempadão. 2016. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/legalidade-e-ilegalidade-do-mdma-ndash-parte-ii/>.

BESERRA, Fernando Rocha. MDMA e depressão. Em: Hempadão. 2015. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/mdma-e-depressao/>.

BESERRA, Fernando Rocha. MDMA e depressão: parte 2. Em: Hempadão. 2015. <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/mdma-e-depressao-parte-2/>.

BESERRA, Fernando Rocha. Psicoterapia com MDMA. Hempadão. 2015. Disponível em: – <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/pt/infumacao/portas-da-percepcao/3155-psicoterapia-com-mdma.html>.

BESERRA, Fernando Rocha. MDMA e psicopatia: um amor possível? Hempadão, 2015. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/pt/infumacao/portas-da-percepcao/2977-mdma-e-psicopatia-um-amor-possivel.html>.

BESERRA, Fernando Rocha. Ecstasy em debate. Hempadão. 2015. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/ecstasy-em-debate/>.