Contos da Fada Verde – Um Pouco da História do Absinto

por  Catiusia Gabriel

O absinto, popularmente conhecido por diversos nomes fantasiosos, como “a fada verde”, “deusa verde” e até “papagaio”, foi coloquialmente conhecido como ” bebida nacional ” da França, desde o final do século XIX (1870) até o início da Primeira Guerra Mundial. Este elixir da moda, conhecido por sua cor verde intensa, sabor amargo e aroma de anis, foi o causador da agitação social durante o final do século XIX na Europa Ocidental, quando a região vivia uma relativa paz e prosperidade, e o mundo da arte estava florescendo. O absinto serviu de inspiração para muitas obras literárias e visuais de diversos artistas da época, renomados até os dias atuais.

Alguns exemplos são Toulouse-Lautrec e Edouard Manet, que imortalizaram os efeitos do licor de absinto em suas pinturas. Escritores Oscar Wilde e Ernest Hemingway foram ambos influenciados pela “deusa verde”. A própria obra de Vincent van Gogh, um viciado em absinto, ainda serve como representação visual dos efeitos alucinógenos de absinto, através da  expressão de pontos de vista altamente texturizadas da realidade.

Tradicionalmente destilada a partir de uma variedade de extratos vegetais em infusão de base de etanol, a receita exata da poção de ervas variou de um fabricante para outro. O principal agente aromatizante foi a planta Artesmia absinthium, conhecida popularmente como losna e, à época, na França, como “la fée verte” – ” a fada verde “. A palavra absinto vem da palavra grega apsinthion, ou seja, não potável, provavelmente referindo-se a amargura da bebida. Outras plantas que acompanham o preparo da bebida são Anis verde (Pimpinella anisum) e erva-doce (Foeniculum vulgare), que contribuem o sabor amargo, e a clorofila de hissopo (Hyssopus officinalis) e erva-cidreira (Melissa officinalis), que conferem o sabor refrescante e a cor verde intenso.

O extrato de absinto tem sido usado desde a antiguidade como um medicamento para uma variedade de doenças, como infecções intestinais e outras doenças internas ao corpo, causas de difícil diagnóstico e tratamento nos tempos antigos. Os primeiros produtores de absinto teriam surgido na Suíça, na região de Couvet, Henriette Henriod teria feito vários remédios caseiros a partir de seu jardim de ervas e, dentre elas, utilizado a Artemisia como componente principal de uma receita. Ela pode ter sido a primeira pessoa a fazer o absinto por destilação, em vez de infusão, como era o preparo da maioria das bebidas da época.

Entre a primeira destilaria e a proibição da bebida, a cultura e o uso do absinto adquiriram um status lendário. O hábito de consumir absinto tornou-se tão popular e ao mesmo tempo tão culto que, em meados do século XIX, era consumido em todos os tradicionais cafés franceses. A bebida se tornou tão popular que o horário das cinco da tarde ficou marcada como l’ heure verte, ou “a hora verde “, quando todas as classes sociais reuniam-se para apreciar o absinto em um ambientes públicos, cafés, bares. Vale ressaltar que as indústrias produtoras de absinto investiam pesado em propaganda de seu produto, espalhando diversos cartazes e anúncios pelas cidades. Em 1910, os franceses estavam consumindo cerca de 36 milhões de litros de absinto por ano, mais do que o consumo nacional de vinhos. A fumaça dos fumantes fazia parte do ritual e onde reuniam-se artistas e onde, muito provavelmente, surgiram várias das obras que contemplamos hoje. Nota-se aí algumas curiosas semelhanças com outros hábitos de consumos de plantas: o pontual chá das 17h dos ingleses e o mundialmente apreciado 4:20h.

Curiosamente também, o mesmo país onde a bebida foi primeiro produzida e consumida, a Suíça, foi também quem primeiro baniu o consumo de absinto. Na França, a bebida foi banida em 1915, ocasião em que vinham ocorrendo diversos problemas por conta do alto consumo de absinto. Inicialmente chamada como “fada verde”, o absinto passou chamar-se “a rainha dos venenos”, uma denominação bem mais negativa, evidenciando, talvez, os problemas sociais causados pelo consumo desenfreado e incorreto da bebida. O uso de absinto foi proibido nos países europeus no início do século XX, apesar de seu uso e produção continuarem a existir, da mesma forma que ocorre atualmente com outras conhecidas plantas e seus derivados.

Atualmente, a bebida tem seu consumo liberado, mas o teor alcoólico é controlado. Da mesma forma como ocorre com o consumo de qualquer outra bebida alcoólica ou substâncias entorpecentes, os abusos de absinto a tornaram uma praga social, alvo de proibições e controle. Para os dias atuais, uma única diferença é que as bebidas alcoólicas não são proibidas, pelo contrário, os fabricantes continuam investindo alto em propagandas, enquanto cada vez outras plantas e seus derivados entram na lista negra. Os efeitos sociais dessa proibição seletiva estão estampados todos os dias nos jornais.

Bibliografia:

· Gambelunghe, C. & Melai, P. 2002. Absinthe. Enjoying a new popolarity among young people? Forensic Science International. p. 183-186.

· Ghosh, A .& Ghosh, T. 2010. Herbal Drugs of Abuse. Review Article. Syst Rev Pharm. p.141-145.

Miller, R. A . 1983. The magical and Ritual Use of Herbs. – Uma versão online do livro pode ser acessada aqui