Como é o Mundo depois da Legalização da Maconha?

Depois de décadas de proibição global, a maconha recentemente voltou a ser legalizada, do Canadá à Califórnia, em outros dez estados americanos, no Uruguai, em Lichtenstein e em cada vez mais lugares.

Em cada lugar é diferente, as regras variam muito, há experiências mais e menos bem sucedidas, mas alguns padrões já começam a surgir, que ajudam a entender como é o mundo com cannabis legalize, em termos sociais. Por exemplo:

Por Denis Russo Burgierman
na Época

Mais Junk Food

Os dados são indiscutíveis. Estados americanos que legalizam a maconha devoram 3,1% mais sorvetes, 4,1% mais biscoitos, 5,3% mais batatas fritas. A larica aumenta. Pode ser razão de preocupação para a saúde pública, porque esse tipo de alimento está ligado a câncer e doenças no coração.

Menos Álcool

Só que ainda mais claro é que esses estados estão também bebendo menos álcool — 12% menos, um impacto gigantesco. Mesmo lugares que legalizam apenas o uso medicinal da cannabis costumam registrar uma queda considerável no consumo de álcool. Isso parece ter a ver com o fato de que alguns dos maiores bebedores do mundo são pessoas que sofrem de dores crônicas (literais ou psicológicas) e que estão se anestesiando com álcool — para esses, a Cannabis é uma alternativa com muito menos efeitos colaterais. Álcool, como junk food, está fortemente associado a câncer e a problemas no coração. Mas também está ligado a uma outra ordem de problemas de saúde pública: a violência. Acidentes de trânsito, desentendimentos de rua e violência doméstica estão todos relacionados ao consumo de álcool, e no mundo inteiro suas taxas variam ao longo da semana, com picos exatamente nos dias em que se bebe mais (no Brasil, sextas e sábados à noite). Não há estudos ainda que apontem claramente que a legalização da Cannabis reduz a violência, mas parece bem claro que o contrário não acontece. E que a polícia está solucionando mais crimes nos estados onde seus agentes não desperdiçam o dia e os recursos públicos prendendo maconheiros.

Menos conclusivos são os dados dos efeitos da legalização sobre a indústria de tabaco. Parece que, nesse caso, depende demais dos hábitos locais. Em alguns lugares, na Europa por exemplo, consome-se muita Cannabis misturada com tabaco. Quando é assim, o aumento do consumo de Cannabis acaba aumentando o de tabaco também.

Menos Overdose

Mas este talvez seja o número mais impressionante: estados que legalizaram a maconha conseguiram reduzir entre 20% e 35% a taxa de mortes por overdose de opióides tarja preta. A legalização da maconha está evidentemente associada a uma redução do uso desses medicamentos enormemente perigosos. Há uma crise de saúde pública nos Estados Unidos envolvendo esses opioides, vendidos nas farmácias para tratar dor, mas com enorme potencial de causar dependência e de matar por overdose. Ano passado eles trucidaram quase 70 mil americanos, um número tão estupidamente gigantesco que supera até o de homicídios no Brasil (60 mil).

Muita gente não sabe disso, mas remédios da indústria farmacêutica matam muito, e a cada ano mais. Uma causa de morte que está crescendo é a chamada hepatite medicamentosa, que é a falência do fígado causada pelo excesso de medicamentos tóxicos. Isso é comum porque as pessoas tomam muitos remédios diferentes: um para dormir, um para acordar, um para diminuir a angústia, outro para estimular, um para tratar o fígado. Médicos especializados em Cannabis costumam promover o “desmame” de vários medicamentos — frequentemente trocam meia dúzia de tarjas pretas e vermelhas por uma única garrafa de óleo (ou, em Israel, um baseado). Isso porque a medicina com cannabis parece ter uma ação mais global no corpo via sistema endocanabinoide, que alcança vários sistemas de uma só vez. Cannabis , para muitos pacientes de câncer, aids, esclerose múltipla, autismo e epilepsia, atua de uma vez em muitos planos: apetite, humor, sono, dor, espasmos, enjoo, ansiedade.

 

Um tema tremendamente polêmico é a relação entre a legalização da Cannabis e a incidência de psicoses e, em casos mais graves, esquizofrenia. Parece claro que o consumo excessivo de Cannabis , especialmente as variedades com alto teor da substância psicoativa THC e baixo teor da substância protetora CBD, aumenta o risco de crises. Muito menos clara é a relação disso com a legalização. Parece provável que a legalização do uso medicinal ou adulto leve a um aumento na disponibilidade de CBD, que está se revelando um bom remédio para tratar esquizofrenia, e que pode reduzir o problema em vez de aumentar. Vai levar tempo até que os dados sejam conclusivos sobre isso.

Saúde mental é um conceito amplo, e é bem difícil saber ao certo como uma mudança em larga escala  como a legalização da maconha pode afetar algo tão complexo. Mas tem um dado que é indiscutível: uma coisa que com certeza faz bem para a saúde mental, reduz ansiedade e depressão, contribui para a saúde do coração, evita câncer e doença degenerativa, é cultivar . Se cada brasileiro tivesse um jardinzinho onde crescesse a planta de sua predileção, o impacto à saúde pública certamente seria positivo. Não sei se um assunto tem a ver com o outro, mas bem que os legisladores podiam levar esse dado em conta na hora de regulamentar…