Cogumelos mágicos: Doçuras ou Travessuras?

“Simbioses”
Desenho e Arte: Gabriel Furtado (instagran: @unknowdestination)

” Os Mazatecas dizem que os cogumelos falam. Se você perguntar a um xamã de onde sua imagem vem, ele provavelmente responderá: eu não disse, os cogumelos fizeram. Não há cogumelo, é uma antropomorfização primitiva do natural, só o homem fala, mas aquele que come estes cogumelos, se é um homem de linguagem, fica dotado de uma capacidade inspiradora de falar. Os xamãs que os comem, sua função é falar, eles são os falantes que cantam e contam a verdade, são os poetas de suas pessoas” The Mushrooms of Language (Henry (1973)

Cogumelos mágicos são as drogas recreativas mais seguras que se conhece na atualidade, se bem identificados e preparados. Como mostra a  Pesquisa de Drogas Global 2017,  na qual das quase 10 mil pessoas que as consumiram apenas 0,2% precisaram de tratamento médico de emergência.

De acordo com a literatura atual, existem cerca de 10000 especies de cogumelos, sendo que mais de 200 são conhecidas por seu potencial alucinógeno. Veja neste vídeo algumas das mais interessantes e exóticas existentes em nosso planeta:

No Brasil são comumente encontradas especies de cogumelos alucinógenos pertencentes aos gêneros: Psilocybe, Panaeolus e Pluteus, caracterizados pela presença de alcaloides indólicos derivados do aminoácido triptofano, especialmente a psilocibina e a psilocina.

A psilocibina, e seu metabólito psicoativo psilocina, são alcaloides indolamínicos que possuem reconhecida ação alucinógena. Possuem estrutura análoga a da serotonina (5-hidroxitriptamina), neurotransmissor envolvido na modulação de manifestações comportamentais, a atividade motora, o sono e o apetite. Sendo assim, estes agonistas serotonérgicos produzem efeitos profundos em humanos, incluindo alucinações visuais e sensoriais.

Em geral, muitos cogumelos alucinógenos são fungos coprófagos, podendo ser comumente localizados sobre fezes de animais. A época do ano onde são encontrados mais facilmente é no outono, devido a  umidade e temperatura amena observadas nesta estação. Algumas espécies, quando manuseadas, apresentam uma mancha roxo-azulada em locais injuriados. Esta coloração é atribuída a uma oxidação enzimática de substratos indólicos como triptofano, serotonina ou psilocibina e são utilizadas empiricamente como indicadora da sua atividade alucinógena, embora esta reação também possa ser observada em especies que não possuem efeitos psicotrópicos.

A Psilocibina é similar ao LSD, mas é mais fraca e imita a atividade da serotonina no cérebro. Reduz a atividade cerebral em centros de transferência de informações como o tálamo, que fica logo acima do tronco encefálico. O tálamo diz ao cérebro os movimentos e as sensações que está detectando.

Do ponto de vista toxicodinâmico, a psilocibina e a psilocina são agonistas serotonérgicos com atividade predominante sobre os receptores 5-HT2. Estes receptores se encontram distribuídos em ampla escala pelo sistema nervoso central, sendo observada alta densidade dos mesmos nos córtex pre-frontal, parietal e somatossensorial. Um experimento realizado por Hasler e colaboradores (2004) demonstrou que a psilocibina aumenta os níveis de dopamina estriatal, produzindo euforia. Apesar de ativar sistemas dopaminérgicos, tais substancias não produzem dependência.

Seja qual for o mecanismo, os cogumelos mágicos podem torná-lo eufórico, conectado com o mundo e perfeitamente perspicaz.  As cores e padrões geométricos podem ser vívidos. E muitos cientistas afirmam que os cogumelos mágicos não são realmente drogas recreativas: mas uma droga de “auto-exploração”.

O ambiente (“setting“), no entanto, é essencial para ter uma experiência positiva – as pessoas precisam de espaço e, de preferencia, para iniciantes recomenda-se “estar acompanhado de outra pessoa”. Pois sem preparo (“set“) e, principalmente, conhecimento prévio, alguns iniciantes podem ficar angustiados ou “ter uma sensação que podem ficar ou estão loucos”. Mas vários estudos não mostram problemas de saúde mental em usuários habituais – ao contrário dos efeitos da cocaína ou do álcool, por exemplo.

Os cogumelos não são formadores de hábitos e são muito menos tóxicos para nossos órgãos internos do que a heroína ou a cocaína.  No entanto a psilocibina, presente em alguns cogumelos, está na lista de substâncias proibidas pela Anvisa, embora os fungos “in natura” não estejam na lista.

Mas longe de falar da legalidade ou não de seu uso ou porte, do produto “in natura” ou não, estamos aqui interessados em apontar que existe um grande risco de tomar acidentalmente o tipo de cogumelo errado – os cogumelos de psilocibina são seguros. Mas outros, como Amanita muscária, e conforme a dose utilizada, podem ser tóxicos e até levar à morte.

No Brasil, pouco se sabe sobre o  número exato de espécies e substâncias contidas, além daquelas que os livros de psicofarmacologia relatam. Os quais abordam quase que exclusivamente e aprofundam-se na Amanita muscária, um cogumelo venenoso, mas que foi fundamental e importante para sabermos identificar e estudar os receptores colinérgicos muscarínicos, da Acetilcolina. E no meio científico, é muito usado como marcador para conduzir pesquisas de receptores, e para sintetizar medicamentos colinérgicos muscarínicos, como o muscimol.

Muscimol

Assim, quando um profissional se depara com uma intoxicação, generaliza o tratamento, e os riscos, em meia duzia de substancias presentes, em alguns poucos conhecidos, como a Amanita, e outros mais comuns. E também, como existem muitas espécies diferentes, com preferencias por locais geográficos mais favoráveis para o cultivo, nem sabemos quais exatamente e seguramente temos hoje no Brasil, e propriedades farmacológicos de riscos.
A Amanita muscaria é conhecida em alguns países como “Cogumelo do Papai Noel” devido às suas cores. Suas propriedades alucinógenas inspiraram milhares de lendas e outras tantas histórias verdadeiras. Há fortes indícios, por exemplo, de que a viagem psicodélica descrita em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, é baseada nos efeitos dela. Outros relatos atestam que o cogumelo teve um papel importante em algumas cerimônias religiosas e era usado pelos vikings para induzir uma fúria incontrolável em seus guerreiros antes do início de batalhas. Também há quem diga que ele é um favorito de russos que querem turbinar o efeito da vodca em suas noites de bebedeira na Sibéria ou até mesmo acrescentar um pouco de proteína a sua dieta, sem se importar com as consequências.
Embora a Amanita muscaria seja descrita como uma espécie venenosa, em muitos compêndios de micologia, caçadores de cogumelos mágicos conhecem maneiras de tratá-los para reduzir a potência do veneno, mantendo apenas suas propriedades alucinógenas. Há até técnicas para remover substâncias psicoativas e usar o cogumelo com fins alimentícios. Quem já provou jura que ele tem um sabor amendoado delicioso e fica ótimo salteado na manteiga. Sem tratamento, a Amanita muscaria pode causar náuseas, irritação e até convulsões ou coma em casos mais graves. Um cogumelo pode ser suficiente para matar um animal de estimação, mas seria necessário comer uns 15 para chegar a uma dose fatal para humanos, segundo estudos.
No Brasil, de acordo com um mapa colaborativo que anônimos da comunidade de caçadores de cogumelos compartilham a localização de diferentes espécies e trocam dicas para coleta e cultivo, a Amanita muscaria é encontrada em vários pontos dos estados de São Paulo, Santa Catarina e Paraná.

Pesquisas Revelam Potencial Terapêutico da Psilocibina

Apesar da escassez de dados seguros para identificação como substância recreacional, por ser ilegal,  em alguns centros de pesquisas de excelência do exterior, bem como no Brasil, existem inúmeros ensaios e dados de pesquisas que confirmam cientificamente os benefícios das drogas psicodélicas na depressão. Sendo a psilocibina considerada uma das mais promissoras, junto com LSD, como terapia farmacológica inovadora para esta enfermidade, incapacitante e muito discutida na atualidade..

Depression and the Magic Mushroom Treatment (Berit Brogaard, neuroscientist)

Além da depressão, outras psicopatologias mentais também estão sendo avaliadas com resultados promissores, sugerindo que os psicodélicos poderiam ser usados em ambientes terapêuticos para tratar pacientes resistentes/refratários aos tratamentos farmacológicos convencionais, como dependências (álcool e tabaco) e ansiedade. E o argumento dos clínicos e cientistas que dizem que apostam e acreditam nos psicodélicos como terapia inovadora e mais eficaz para tais enfermidades é que: “tratam o contexto da pessoa, e não apenas a doença.”

Observa-se que quando utilizadas para fins médicos,  a maioria das experiências com  cogumelos é positiva – e as pessoas geralmente sabem que tomaram algo e que não estão em desequilíbrio neuropsicológico. Entretanto, como  eles tornam o usuário psicologicamente vulnerável, é essencial que antes haja um conhecimento prévio das sensações para adquirir capacidade para entender e usufruir da experiência mágica – da consciência, das sensações e, quem sabe, do equilíbrio neuroquímico (cura).

Deste modo, esperamos que um dia a histeria conservadora da política atual, em relação aos psicodélicos, possa tomar outros rumos e avanços – permitindo que os governos de todo o mundo incentivem as pesquisas necessárias para o ramo da saúde mental, com tratamentos “naturais”, como a psilocibina.

Afinal, a Organização Mundial da Saúde enumerou em 2017 a depressão como a principal causa de incapacidade em todo o mundo, e a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, destacou a OMS.

E, finalizando, deixamos aqui uma mensagem: Nunca coma nenhum cogumelo selvagem sem saber com certeza o que é. para evitar intoxicações ou toxicidade potencialmente perigosa. Mas saiba que estes também, em um futuro bem próximo, podem fazer muitas pessoas mais felizes e ávidas por “viver melhor”.

Magic Mushroom Explorer: Psilocibina e o Despertar da Terra – Simon (2015)

“E, no entanto, dentro deste punhado de terrível calma, a felicidade espiritual é o bem-estar dos quais a maioria dos humanos não é alheio. Eu repetidamente me maravilhei com esse fato. Ele leva a casa a natureza fictícia desta história da vida na Terra em que nos somos tecidos, na medida em que o cogumelo é um tipo de dispositivo de trama que foi habilmente projetado para incorporar todo tipo de simbolismo.”  (Simon, 2015)

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* Nota: disponibilizamos aqui, em PDF,  o “A Field Guide to Mushrooms” elaborado pela “National Audubon Society Field Guide To Mushrooms” com informações valiosos sobre os  diferentes fungos já identificados, e assistência para identificá-los.

** A seguir, alguns artigos que podem auxiliar na identificação e/ou pesquisa dos cogumelos mágicos, recreacionais e terapêuticos.

Treating Depression with Psychedelics

Enciclopédia brasileira de cogumelos psicoativos

Psilocybin mushrooms could potentially benefit those with depression.
Cogumelos alucinógenos dão ‘reset’ no cérebro de pessoas com depressão

Vanusa Maria Bispo: neurocientista, professora adjunta de Neuropsicofarmacologia (UDESC). Editora nas páginas Redução de Danos e Portas da Percepção – Coluna, e Pscience Blog