Cogumelos mágicos e ansiedade em pacientes com doenças terminais

por Fernando Beserra

O princípio ativo dos, assim chamados, cogumelos mágicos é a psilocibina (4-phosphoryloxy-N,N-dimethyltryptamine), um tipo de triptamina que age nos receptores serotoninérgicos, isto é, trata-se de um psicodélico clássico e com baixo risco para o organismo do usuário. Os estudos com os psicodélicos voltaram a ocorrer no campo da saúde após décadas de proibição e quase ausência de pesquisas. Um destes estudos, publicado em 2011, se refere ao uso de psicodélicos, aliados à psicoterapia, no tratamento da ansiedade em pacientes com câncer em estágio avançado. A pesquisa foi realizada por Charles Grob e outros e publicada nos Arquivos Gerais de Psiquiatria da Associação de Médica dos EUA.

 

A psilocibina já é conhecida em catalisar experiências religiosas desde a pesquisa de doutorado do psiquiatra Walter Pahnke, orientada pelo psicólogo Timothy Leary em 1962, quando Pahnke forneceu psilocibina a um grupo experimental no Good Friday Experiment. No retorno das pesquisas com psicodélicos, uma nova experiência de campo foi realizada, desta vez por Roland Gritthins, R. Johnson e K. Maclean, que observaram que a experiência com psilocibina produz uma mudança de personalidade nos usuários. Os pesquisadores já sabiam que, de acordo com as pesquisas de Metzner em 1963 e McGlothlin e Arnold, de 1971, que administrada em condições de suporte, 50 a 80% dos participantes reivindicavam mudanças benéficas na personalidade, valores, atitudes e comportamentos. Para Gritths e outros (2011) a experiência positiva da psilocibina, para um impacto de longo termo, depende da profundidade dos insights e de experiências “tipo-místicas”, como as descritas por Pahnke em sua experiência do Good Friday Experiment. Os temas centrais da experiência mística, como definida por Stace e Hood (apud Gritths e outros, 2011) são: sentimentos de unidade e interconexão com todas as pessoas e coisas, um senso de sagrado, sentimentos de paz e alegria, sensação de transcender o tempo e o espaço normais, inefabilidade, e uma crença intuitiva de que a experiência é a fonte de verdade objetiva sobre a natureza da realidade.

Os pesquisadores, que utilizaram metodologia randomizada duplo-cego, deram 0.2mg/kg para de psilocibina para o grupo experimental, que é rapidamente metabolizada em psilocina no nosso organismo, que é um agonista do receptor serotoninérgico 5HT (1A, 2A e 2C). O grupo controle recebeu 250mg de Niacin. O Niacin foi escolhido, pois também serve para tratar ansiedade e provoca um estado de excitação/expansão. A pesquisa ocorreu entre 2004 e 2008. No ano que foi publicado o artigo, 10 dos 12 sujeitos já haviam falecido em decorrência do câncer. Antes do experimento, 04 dos pacientes não tinham experiência anterior com psicodélicos; 04 tiveram experiência com psicodélicos há mais de 30 anos atrás; 02 tiveram há mais de 5 anos atrás e apenas 02 tiveram uma experiência psicodélica no último ano (GROB e outros, 2011).

Follow up: A equipe realizou o estudo de prosseguimento, mantendo contato com os pacientes durante os próximos 6 meses. Faziam ligações mensais para saber da evolução do estado de saúde médica e psicológica. Diversas escalas foram utilizadas para avaliação dos participantes da pesquisa, como o Inventário de Depressão de Beck; o Profile of Mood States; o State-Trait Anxiety Inventory, o Brief Psychiatry Rating Scale e o 5-Dimension Altered States of Consciousness Profile.

Após complexas avaliações os pesquisadores concluíram que a pesquisa apresentou a segurança do tratamento psicoterápico com psilocibina para pacientes com câncer terminal, o que é uma necessidade da pesquisa clínica do fármaco, para que futuramente ele possa ser utilizado em psicofarmacoterapia e em pesquisas comparativas da psilocibina com outros fármacos em grupos populacionais maiores. Dentre as diferentes discussões, o escore do Inventário de Depressão de Beck (BDI) caiu em 30% da primeira sessão com psilocibina até um mês após a segunda sessão de tratamento, uma diferença que foi sustentada e tornou-se significante no seguimento de 6 meses dos pacientes (GROB e outros, 2011). Igualmente, houve uma melhora nos escores de ansiedade quando comparadas ao uso de placebo em 11 dos 12 participantes da pesquisa. A redução de dor observada em outros estudos, não foi confirmada no estudo de Grob e outros, embora a mesma tenha ocorrida para alguns participantes; no entanto, este estudo foi realizado com doses moderadas, e neste caso seria indicada nova pesquisa com doses altas de psilocibina.

Acerca dos temas, os pesquisadores não esperavam muitas experiências de pico, pois as mesmas são esperadas em doses mais altas de psilocibina, além disso, Stanislav Grof associa melhores resultados terapêuticos com doses elevadas de psicodélicos. Apesar disso, os resultados foram satisfatórios. Os temas comuns ao longo das viagens com psilocibina incluem a análise de como suas doenças tinham impacto em suas vidas, relacionamentos com a família e amigos próximos e um senso de segurança ontológica. Os participantes da pesquisa relataram reações empáticas profundas com amigos próximos e membros da família e examinaram seus desejos e limitada expectativa de vida (GROB e outros, 2011).

Referências:

Beserra, Fernando. Psicodélicos produzem experiências místicas. Disponível em: https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/pt/infumacao/portas-da-percepcao/2652-psicodelicos-produzem-experiencias-misticas.html.

Grob Charles S, Danforth Alicia L, Chopra Gurpreet S, Hagerty Marycie, McKay Charles R, Halberstadt Adam L, Greer George R   Pilotstudyofpsilocybintreatment for anxiety in patientswithadvanced-stagecâncer. Archives of general psychiatry, 2011; 68(1): 71-8. 

Katherine A. MacLean; Matthew W. Johnson; Roland R. Griffiths. Mystical Experiences Occasioned by the Hallucinogen Psilocybin Lead to Increases in the Personality Domain of Openness. J Psychopharmacol. nov. 2011; 25(11): 1453–1461.