Canabidiol: suplemento alimentar ou substância controlada?

por André Kiepper
na Carta Capital

A Lei de Propriedade Industrial não considera invenção os materiais biológicos encontrados na natureza, por isso não se pode patentear o Canabidiol, de origem vegetal. O Canabidiol pode ser importado sem barreiras nos EUA como suplemento alimentar, porque a agência de repressão às drogas norte-americana considera derivados de cânhamo industrial sem potencial de abuso ou dependência. A pesquisa com Canabidiol deve ser fomentada, mas não obstacularizar o uso medicinal da maconha no Brasil.

Entrevistei uma vez o professor Mahmoud A. ElSohly, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Mississippi, onde o governo dos EUA mantém cultivos de maconha desde 1968. Para minhas três perguntas, ElSohly respondeu que faz cultivos indoor e outdoor; que seu laboratório é o único oficial, aprovado para cultivar e distribuir maconha para pesquisas científicas em todo o país; e que trabalha mediante demanda do Instituto Nacional de Abuso de Drogas, uma agência do governo vinculada à Saúde.

Em 2007, ElSohly informou ao MemphisFlyer que naquele ano seu programa de cultivo produziu 400 kg de maconha; em entrevista ao The New York Times, de 2008, ele disse que ao final da década de 70 já possuía 96 variedades de sementes; e que seu contrato chegava a 1.2 milhão de dólares anuais, conforme matéria do USAToday, de 2010.

Aqueles que leem notícias hoje em dia sabem que maconha é remédio, e que a regulação funciona. Médicos, mais do que notícias, detém acesso a informação científica. Em Israel, onde reside o Dr. Raphael Mechoulam, detentor da patente de um composto de Canabidiol fluorado, a maconha medicinal é usada in natura, fumada, vaporizada e na forma de extratos vegetais. Existem oito grandes produtores que cultivam maconha medicinal para o Estado de Israel, como a Tikum Olam, e que atendem mais de 18 mil pacientes registrados, tratando diversas condições de saúde, não somente epilepsias refratárias.

Óleos de maconha são extraídos de diferentes formas, sendo comum a extração a frio, de base alcoólica, a partir das flores de Cannabis. A tecnologia de extração com CO2 supercrítico, disponível hoje, além dos testes de cromatografia gás-líquido, refutam a preocupação de certos setores médicos de que extratos vegetais apresentariam heterogeneidade de composição. Os testes de potência de canabinoides possuem alta sensibilidade em verificar a proporção de THC, CBD, CBN e de outros compostos presentes na maconha, o que permite produzir estirpes específicas que, por meio de técnicas de clonagem, mantém a baixa variância dos produtos finais.

Para esclarecer por que o Canabidiol é extrato de base vegetal, de maconha in natura, transcreverei parte das instruções de uso que constam da embalagem do óleo cujo rótulo azul foi amplamente divulgado pelos meios de comunicação de massa. Não se trata de bula, porque o extrato não possui registro de medicamento farmacêutico. No primeiro parágrafo, o documento informa que o Canabidiol é suplemento alimentar, extraído do cânhamo, isto é, da variedade de Cannabis com menos de 0,3% de THC. Em seguida, que o Canabidiol é derivado dos caules maduros das plantas de cânhamo industrial.

As instruções de uso deste fabricante de extrato de maconha destacam que o “CBD é um constituinte natural do cânhamo”, junto a uma advertência da agência reguladora de alimentos e drogas dos EUA, a FDA, de que o óleo não é avaliado, nem destinado a diagnosticar, tratar ou curar doenças, embora seja usado com este fim. O cânhamo industrial, estirpe rica em Canabidiol, divide com a maconha psicoativa propriedades medicinais, no que reside a dificuldade de segregação. O Brasil pode estar criando novas dificuldades, ao isolar o Canabidiol em lista de substâncias controladas.

*André Kiepper, 33, é Analista de Gestão em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz