Bolos, chás, poções, cogumelos e redução de danos – Parte 3

por Gabriel Vilella

Leia aqui a Parte 1 e a Parte 2

Um chá maluco

As noções de substance, set e setting estão relacionadas ao preparo de uma sessão psicodélica/ ritual. Para preparar as sessões é interessante que todos estejam envolvidos com esses cuidados. A seguir vão algumas dicas para o preparo da sessão:

1) É importante estar atento aos objetivos e expectativas dos participantes da sessão, ainda que seja o uso recreativo. Se a sessão for em grupo, que todos desejem a mesma coisa para que não haja desencontros na hora da trip ou ao menos entendam os interesses de cada um ali. O objetivo não precisa ser algo imposto ou declarado, já que muitas vezes a vibeque se estabelece antes e durante, já dão indícios do que se propõe aquele encontro. Mas não se frustre caso você queira, com muita seriedade, se autoconhecer a partir dessa experiência, enquanto o grupo está descontraído e com outra proposta. Nada impede também que seja anunciado os objetivos particulares de cada um, nem que se estabeleça um objetivo comum a todos. Isso depende de como se pretende levar a sessão.

 

clip_image0022) A experiência psicodélica pode nos deixar sintonizados com as pessoas ao nosso redor, por tanto, conhecer os participantes, trocar ideias, procurar afinidades e se sentir a vontade com eles, pode contribuir para set e settingagradáveis. Tomar chá com o Chapeleiro e o Coelho de Março pode não ser uma experiência tão interessante, ou pode?

3) É iniciante? Siga o fluxo, não estabeleça grandes metas e expectativas como visões religiosas, ideias geniais, etc. Preocupe-se em se manter para cima, calmo e fluindo.

4) Reserve três dias para sua experiência. Um dia antes com alimentação leve, o dia da sessão e o dia depois. Prepare-se, relaxe, pense a respeito, converse a respeito, leia…

5) RESERVE o dia todo para a sessão! Repetir isso é importante. Assumir compromissos antes ou depois da sessão pode ser uma cilada incrível! A última coisa que provavelmente vai querer é se preocupar com seus afazeres. Por tanto desligue celulares, whatsapp, facebooke os meios de comunicação que podem interferir.

6) A alimentação também é importante. É provável que não sinta fome durante grande parte da trip, mas em determinado momento, mastigar uma fruta suculenta pode ser tão revigorante que por si só, seja outra trip. Alimentos leves um dia antes e durante pode ser muito agradável. Posteriormente siga os desejos do seu corpo e aprenda com ele. Não se esqueça de se hidratar (beba muita água!) durante o processo e depois!

7) Há diferença das sessões noturnas e diurnas, assim como em lugares abertos e fechados. Enxergar tudo que está a sua frente pode ser incrível, mas a noite também guarda seus encantos e mistérios… E o que será? Dom Juan realizava as experimentações com Castañeda no crepúsculo, acreditando que esse é um portal entre dois mundos… fica a dica.

8) Musíca, iluminação, cheiros podem ser muito interessantes quando se está com os sentidos abertos.

9) Respeite a diferença. Em certos momentos, alguns participantes podem se recolher por diversas razões, cabe saber se está tudo bem. Se está, deixe rolar.

Essas dicas e conceitos não são regras nem leis, são apenas possíveis caminhos que podem ajudar. Talvez você se sinta a vontade para ignorar alguns desses itens, até porque são muitos detalhes e é difícil encontrar um jeito de encaixá-los todos. Fique a vontade, não deixe o excesso de preocupação e de controle estragar sua viagem. Preparar uma trip em certos pontos não é muito diferente de uma viagem convencional. Sinta-se a vontade para descobrir e criar seus próprios caminhos, fazer desvios na rota ou até cancelar a viagem. Haverá outros momentos.

O depoimento de Alice

clip_image004À volta para casa, o fim da viagem, o fechamento de uma sessão. Não são incomuns experiências psicodélicas que mudam o entendimento da vida de uma pessoa, como não é incomum a sensação de que “isso não é para mim”. A experiência, muitas vezes, é intensa de tal maneira que é difícil entender e dar sentido ao que está se passando, mas é possível fazê-lo depois. A ideia de sentido que penso aqui é tanto o encadeamento lógico do que se passou, por exemplo “Ah! Agora entendi aquele pensamento!”, ou da ordem do sentido como sensível, das sensações, “Ah! Aquela sensação”. Conversar ou escrever sobre o que aconteceu, de como se sentiu, o que pensou na hora, etc. com os que estiveram presente, pode ser de grande valor para ajudar a dar sentido a tudo aquilo. Dar sentido pode potencializar a experiência e trazer transformações pessoais importantes, incluindo a primeira sensação da viagem. Uma viagem que foi sentida como negativa, por ter sentido mal estar ou outra coisa, pode se mostrar muito positiva ao falar ou escrever sobre ela. Dar sentido não é fechar em significados a experiência, é traçar um fio que permita compreendê-la, mas que ainda fique flutuante, em aberto para serem feitos e refeitos.

 

Por fim, me despeço então com mais um trecho de Alice no País das Maravilhas:

“Era muito mais agradável lá em casa”, pensou a pobre Alice, “lá não se ficava sempre crescendo e diminuindo, e recebendo ordens daqui e acolá de camundongos e coelhos. Chego quase a desejar não ter descido por aquela toca de coelho…no entanto…no entanto… é bastante interessante este tipo de vida!”

Se quiserem saber mais dos textos que utilizei, procurem em:

Carrol, L. Alice no Pais das Maravilhas: edição comemorativa – 150 anos/ Lewis Carrol– 1.ed.- Rio de Janeiro: Zahar, 2015.

Leary, Timothy; METZNER, Ralph; ALPERT; Richard. The psychedelic experience: a manual based on the Tibetan Book of the Dead (1964). New York: Citadell, 1992.

The Highway Code 2015. Edição online acessada em 06-10-2015: http://toptests.co.uk/highway-code/

Fadiman, J. The Pshichedelic Explores Guide: Safe, Terapheutic and Sacret Journeys.

Erowid. www.erowid.org

Quaranta, A. et. al. Manual of Psychedelic Support. Versão em pdf, disponível em: http://psychsitter.com/