As Plantas e seus Alcalóides – Correlações Evolutivas – Parte II

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por Catiusia

Além de Argyreia nervosa, duas outras plantas da família Convolvulaceae mercem destaque: são elas Rivea corymbosa e Ipomoea violaceae. A planta mágica dos povos astecas e mazatecas, ololiuqui, é a denominação enteógena de Rivea corymbosa que, muito provavelmente, foi a planta mais importante com finalidades xamânicas para as civilizações antigas da América Central. Ainda hoje a planta é utilizada por tribos descendentes dos astecas na região de Oaxaca, no sul do México, com finalidades divinatórias, terapêuticas e mágicas. Ambas as espécies são chamadas comumente de “morning glory” ou glória-da-manhã, pois as flores abrem sempre ao amanhecer e morrem ao fim do dia. Ao contrário da ausência de uso histórico de Argyreia nervosa, existem relatos considerando que o uso enteógeno de Ipomoea violaceae e Rivea Corymbosa remonta há mais de 2000 anos, dentre essas antigas tribos da América Central.

Na época pré-colombiana, os zapotecas ocupavam boa parte do sul do México e, assim como em outras tribos, eles também faziam uso das sementes de Rivea corymbosa. Na linguagem zapoteca, as semente de R. corymbosa são chamdas “badoh” e para as sementes de Ipomoea violaceae chamam “badoh negro”, devido à diferença de coloração e forma das sementes, sendo que as sementes de badoh são mais arredondadas e de cor marrom e as de badoh negro são pretas e triangulares. Mas a diferenciação das sementes vai muito além da cor e forma. Em 1960, em estudo de Mac Dougall, revelou que os zapotecas diferenciavam as sementes segundo seu potencial psicoativo, bem como do gênero da pessoa que as consumiria. As semente pretas de badoh negro eram consideradas machos e resultavam em reações mais fortes, e as sementes marrom de badoh eram fêmeas e tinham efeitos mais leves. As sementes eram consumidas em conjunto ou separadas por homens e mulheres nos rituais zapotecas. As mulheres detinham as propriedades curadoras e protetoras da semente e os homens as propriedades de defesa.

Também na década de 1960, Gordon Wasson realizou vários estudos sobre enteógenos nas antigas civilizações do México. Grande parte de seu trabalho está relacionado ao uso enteógeno de cogumelos mágicos, mas também publicou um notável acervo sobre plantas, principalmente sobre ololiuqui e as outras plantas da família Convolvulaceae. Wasson sugere que as sementes de Ipomoea violaceae representam o velho narcótico dos astecas, chamado “tlitliltzin”. Na língua asteca, o Nahuatl, “tlitliltzin” significa preto, o mesmo badoh negro na denomição da civilização vizinha zapoteca. Os compostos ergolínicos erginas e isoerginas, principais alcalóides encontrados nas sementes de Argyreia nervosa, ololiuiqui e badoh negro, também despertaram o interesse de outro renomado pesquisador. Albert Hoffmann e sua equipe, estudaram essas plantas em busca da compreensão dos efeitos desses alcalóides naturais, os quais são naturalmente derivados de ácido lisérgico, assim como o LSD sintetizado por ele em laboratório.

clip_image004Ainda dentro da família Convolulaceae existem pelo menos mais dois gêneros de plantas (Cuscuta e Stictocardia) que abrigam espécies potencialmente alucinógenas ou tóxicas. É um fato que destaca essa família botânica em relação ao número de plantas com essas propriedades. Na escala evolutiva, as convolvulaceas estão relacionadas à família Solanaceae que, igualmente, concentra algumas dezenas de espécies com grande produção de alcalóides. Para os botânicos, a presença de alcalóides não é uma característica usada para classificar as plantas em seus grupos (como família botânicas), mas é perceptível que haja um certo parentesco entre famílias de plantas e os alcalóides produzidos por elas, pois um exemplo claro está justamente nas famílias Solanaceae e Convolvulaceae, que são agrupadas na mesma ordem botânica. Uma outra correlação notável é das espécies de Psychotria, dentre as quais está a chacrona (Psychotria viridis), que é uma das plantas que compõe a Ayahuasca. As Psychotria, dentre várias outras plantas primas produtoras de alcalóides, também são aparentadas ao grupo da Argyreia nervosa, Rivea corymbosa e Ipomoea’s. Ou seja, há um estreito parentesco entre todas essas plantas enteógenas.

Muito provavelmente existam outras correlações entre grupos de plantas e alcalóides psicoativos, pois nem as plantas nem seus alcalóides foram estudados por completo. Dentre as espécies já estudadas e documentadas, sabe-se que esses alcalóides surgiram mais recentemente na história evolutiva das plantas e, portanto, são característicos de plantas mais derivadas (ou mais evoluídas). Com exceção dos fungos, que abrigam espécies de cogumelos produtores de substâncias psicoativas, até hoje esses compostos não foram encontrados em nenhum outros grupo vegetal, como em musgos, pteridófitas e gimnospermas. Estamos apenas começando a descobrir o vasto mundo dos alcalóides e ainda serão necessárias incontáveis pesquisas até conhecermos todo o potencial de nossas plantas, tanto para fins terapêuticos e alimentares quanto no sentido de evoluirmos nossa consciência a partir do uso dos enteógenos.