Em 1 de Julho de 2001 foi descriminalizado o consumo de drogas ilícitas em Portugal. O fato não veio alterar grandemente a situação no terreno em relação à cannabis, pois o costume de fumar charros já era tolerado mesmo em bares e outros locais públicos; com esta medida, que colocou o nosso país na vanguarda mundial de políticas mais pragmáticas sobre as drogas, visava-se, sobretudo, atender ao catastrófico problema de saúde pública, criminalidade e exclusão social criado pela repressão das substâncias ilícitas praticada até então em Portugal, e associado principalmente ao uso de heroína.
Na altura, Vitalino Canas, ministro do governo PS com a tutela da toxicodependência, fez mesmo uma espécie de mea culpa institucional, declarando que as autoridades portuguesas tinham conseguido “ultrapassar o discurso passadista da ‘droga, loucura, morte”*, e se comprometiam a “adoptar uma nova atitude (…) que não negue a realidade e que (…) assuma que a droga dá prazer”. Por sublinhar ficou o fato de tão magro resultado — a promessa dos supostos guardiões da sanidade mental passarem a agir em conformidade — ter sido obtido à custa de verbas astronômicas do erário público e, sobretudo, da criminalização de muitos milhares de cidadãos, com o decorrente rol de consequências sociais adversas.
Não deve esquecer-se que a nova legislação isenta apenas da acusação de tráfico quem possuir menos de “dez doses” de qualquer droga ilícita, o que no caso da cannabis equivale a 5 gramas de haxixe e 2,5 gramas de erva — donde que à face da lei todos os apreciadores de cannabis, exceto os mais espartanos continuam a ser considerados traficantes.
Porém, apesar do proibicionismo nacional admitir hoje que o álcool e o tabaco são drogas cuja nocividade é ordens de magnitude superior à da cannabis, continua a ser de rigor considerar o consumo desta como um “comportamento desviante”. Assim, atolado na piedosa premissa de que o uso de cannabis é “a prazo um factor de rotura com a sociedade e com a vida” (Vitalino Canas dixit), o discurso oficial na matéria tornou-se um linguajar que só se torna inteligível quando se trata de apelar a mais verbas para fazer mais estudos, e do qual se destacam por vezes tiradas reveladoras, tal como esta informação facultada em Julho de 2002 pelo site do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência: “A maior parte dos utilizadores [de cannabis] têm, de vez em quando, sensações de paranóia e ansiedade, o que os faz sentir muito ansiosos e desconfortáveis (a campainha da porta toca e acham logo que é a polícia)”. É uma cândida constatação de que a designada “política da droga” se resume à imposição da tautologia orwelliana “certas substâncias são proibidas por serem drogas, e são drogas por serem proibidas”.
À opinião pública portuguesa raramente é dada a oportunidade de considerar que as motivações para a manutenção do proibicionismo não se esgotam na preocupação com o futuro das nossas criancinhas; em grande medida, a imprensa em geral e os opinion makers em particular continuam a papaguear o discurso oficial sobre o “flagelo da droga”, revelando total desinteresse por graves afirmações como esta, que pode ler-se numa moção setorial do PS sobre a droga apresentada em 1999: “[A] droga continua a ser um dos negócios mais rentáveis do tempo presente, provavelmente também dos tempos que virão, e não só no que se reporta aos cartéis do tráfico: há que ter a coragem de afirmar que os sectores jurídico e de terapêutica também têm prosperado com esta situação, vivendo-se uma autêntica sobreposição de interesses, entre os lícitos e os ilícitos”.
O OnJack publica, semanalmente, trechos da tradução do livro de Jack Herer, The Emperor Wears no Clothes.
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