Em português, o termo latino Cannabis originou o vocábulo “cânave” do qual derivam diversas palavras e alguns topônimos portugueses, indicadores da importância que esta cultura teve outrora entre nós. As palavras em causa incluem “canavear” (plantar canavês), “canaveira” (lugar onde há canavês) “canaval” (terra de canavês), “canavial” (de Cannabialis) e “canavês” (plantação de cânave).
Quanto a topônimos, destaca-se Marco de Canaveses, vila e sede de concelho do Douro Litoral, por se tratar de uma urbe importante que foi batizada a partir da cultura de cânhamo aí praticada. De fato, diz José Leite de Vasconcelos na Etnografia Portuguesa: “A cânave [cannabis > canabe > cânave > cânave] liga-se também o topônimo Canaveses, conformemente ao que se lê no Dice, de Moraes, 4a ed.: lcanavez, plantação de linho canavez. Plural Canavezes1“. A propósito, na monografia A Vila de Canaveses (1935), Manuel de Vasconcelos escreveu: “Não vejo necessidade de ir buscar etimologias complicadas, quando o próprio nome do local é palavra portuguesa e designa, de mais a mais, uma antiga cultura nacional. Canaveses (…) chamam-se as plantações ou plantios de cânhamo. O nome de Canaveses dado a alguns lugares (…) indica a existência e a extensão, em Portugal, da cultura do cânhamo ou linho cânave ou canavese [ou alcanave], como se dizia no português antigo”.
O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, regista dois vocábulos com origem em “cânhamo”. São eles “canhamaço” e “calhamaço” (ambos de cânhamo + sufixo aço, significando estopa ou fio do cânhamo, ou tecido grosseiro feito com essa estopa).
“Se não comes a sopa, chamo o traficante”
Após décadas de propaganda, ficou bem enraizado na psique nacional o mito de que o “flagelo da droga” se deve em grande medida a abomináveis traficantes que impingem droga a jovens inocentes. Para que conste, a versão original desta história da carochinha contemporânea data de 1973, quando foi declarada guerra à droga em Portugal, e reza assim: “[Os traficantes] não procuram criar uma clientela entre os adultos, mas apenas entre os adolescentes e as crianças; por isso começam a aparecer, à hora em que terminam as aulas, junto dos liceus e das escolas comerciais, estabelecem relações, oferecem ‘boleias* os que se apresentam motorizados, emprestam discos e livros; depois um dia, como que por acaso, distribuem alguns cigarros de marijuana, mais tarde alguns comprimidos de LSD. E para esses adolescentes e essas crianças está, assim, transporta a porta do inferno. Quando voltam a pedir cigarros de marijuana, já esses cigarros têm um preço, mas ainda baixo. Preço, todavia, que irá subindo sempre inexoravelmente, à medida que no adolescente aumenta o grau de intoxicação. Até que vem o dia em que o adolescente já não tem com que comprar o veneno… Então o traficante, na sua capa de bom rapaz, propõe-lhe sociedade: por que não há-de o jovem viciado passar também a vender a droga? Assim nunca deixaria de ter dinheiro com que a adquirir… E o círculo infernal alarga-se, vai-se alargando sempre a outros jovens e a outros mais, e de tal modo que a diferença entre o traficante e o chamado ‘consumidor’ é, na prática, mínima. Todo o consumidor, a menos que nade em oiro, será, amanhã, fatalmente um traficante”. (Excerto de comunicação do deputado Moura Ramos à Assembleia Nacional, citada no Did rio de Notícias de 16 de Março de 1973.)
A indigência da retórica anti-marijuana em Portugal nos primeiros tempos da guerra ao “flagelo da droga” é demonstrada por esta passagem de uma obra de 1977, A Droga, Benção ou Maldição, de Jose Amado: “Apesar das variações, a maconha é sempre enganadora, mais do que outra droga qualquer, aos olhos do viciado, pessoas inocentes ou muito amigas transformam-se imediatamente em grandes inimigos, que o espreitam para os golpear mortalmente; para não morrer atira-se a elas e se for possível mata as”
O OnJack publica, semanalmente, trechos da tradução do livro de Jack Herer, The Emperor Wears no Clothes.
Deixar um comentário