Proibicionismo, Antiproibicionismo e Guerra às Drogas

  • Mariana, 23 anos, bióloga. Quando tinha 19 anos pegou uma carona com um colega de faculdade. Parados em uma blitz de trânsito, seu colega portava 10g de maconha. Foram conduzidos para a delegacia e ambos considerados usuários de drogas pela justiça. Hoje, em decorrência deste registro criminal, foi excluída de um concurso público.
  • Paulo, 20 anos, negro, morador de um bairro periférico, ensino fundamental incompleto, não tem trabalho formal, faz bicos de servente de pedreiro. Foi preso com aproximadamente 0,1g de cocaína em frente a sua casa e condenado a 5 anos de prisão por tráfico de drogas.
  • Joaquim, 4 anos, portador de paralisia cerebral e epilepsia refratária. Os medicamentos disponíveis nas farmácias não conseguem diminuir a quantidade de convulsões diárias. A única saída é utilizar o extrato de maconha. Mas o tratamento custa mais de mil reais por mês e sua família não tem como custear.
  • Marta, 42 anos, mãe de Paulo. Tentou entrar com uma pequena quantidade de maconha no presídio em que seu filho está preso. Foi flagrada, presa e condenada a 6 anos de prisão.
  • Fernanda, 18 anos, estudante universitária de classe média-alta. Seus pais encontraram um baseado em seu quarto. Está internada em uma clínica psiquiátrica há 4 meses para “tratar sua toxicodependência”.

Todas estas histórias acima são casos reais (mas os nomes foram trocados). O que estas pessoas tem em comum? Todas, em alguma medida, são vítimas da proibição seletiva de determinadas drogas. Apesar de sempre terem sido registradas limitações ao consumo de algumas substâncias, mas é apenas há aproximadamente cem anos que se inicia a proibição de algumas drogas como política pública. É um movimento internacional e que tem como principal característica a utilização do Sistema Penal (direito penal e estado policialesco) como meio de lidar com a questão das drogas (se é que existe tal questão).

Os efeitos da proibição são os mais letais possíveis: é a principal justificativa para manter as armas apontadas contra os pobres (em sua maioria pretos); no Brasil, cerca de ¼ da população carcerária masculina e ¾ das mulheres presas estão lá em decorrência da lei de drogas; a mídia sensacionalista cria alarde em torno do tráfico de drogas; inúmeras substâncias tem seu potencial terapêutico impedido de ser explorado e pessoas morrem por conta disto a todo instante; o dinheiro público é desviado da saúde e da educação para a segurança pública (a fim de financiar a guerra contra “as drogas” – ou melhor, a guerra contra os pobres, contra os negros, contra as mães que vivem na periferia); ministros de estado fazem coro a favor da criminalização enquanto comunidades terapêuticas que são ligadas a si recebem milhões de repasses estatais para dar continuidade a internações compulsórias recheadas de fundamentalismo religioso.

Não é só pelo nosso direito de fumar maconha, de tomar ácido, de cheirar pó, de se “chapar” como bem entender. É também por isso. Mas a luta antiproibicionista vai muito além. Vamos?

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Esse texto foi escrito por Cacá Ribeiro, publicado originalmente na revista HEMPADA edição #11, de março de 2018.