Conexões Históricas entre Cannabis e Racismo no Brasil

A maconha ou o cânhamo chegou ao Brasil durante as grandes navegações, pois era consumida tanto por marinheiros quanto por escravos: seriam eles os primeiros maconheiros a pisarem no Brasil?

Trazida pelos navios, a planta exótica encontrou nas terras americanas um ambiente ideal para crescer e o hábito de fumá-la rapidamente foi passado para os indígenas. Logo, o uso do fumo de “panga”, como era conhecido, se tornou um “problema” público, assim que a família real chegou no Rio de Janeiro, em 1808. A corte se deparou com uma grande quantidade de negros e mestiços, tanto libertos quanto cativos. Era difícil para ela se acostumar com o cotidiano da capital fluminense, visto que a escravidão já estava abolida em Portugal desde 1761 (e a presença de negros na metrópole era menor) e que era a primeira vez que a realeza europeia saía para uma colônia.

O número expressivo de negros em relação a metrópole e o estranhamento em relação aos seus costumes, fizeram com que em 1809 uma Guarda Real de Polícia fosse criada. Essa primeira versão da “polícia” carioca seguia o modelo dos capitães do mato, responsáveis pela opressão e repressão da população negra e escrava, agora nas cidades. Em outras palavras, esta “polícia de costumes”, reprimia festas, uso de cachaça, música afrodescendente e maconha. A polícia carioca foi formada ilegalmente, pois somente em 1830 é que entraram em vigor as primeiras leis penais, o que tornou o Brasil o primeiro país a ter uma legislação específica sobre maconha (a pena para o porte e uso era de pagar multa de 20$000 ou ir preso por três dias). Até este ano, a polícia agia de forma ilegal, a combater estes costumes considerando-os “torpes” ou “moralmente baixos”, e que na maioria das vezes, ia de encontro à figura do negro.

Durante os primeiros anos da república, a perseguição à cultura afro-brasileira não diminuiu. O Código Penal foi atualizado em 1891 e criou-se a “Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificações” com a intenção de combater as religiões de descendência africana e o uso da cannabis, uma planta que participava dos rituais de Candomblé. Apenas em 1939 o Estado deixaria de perseguir os cultos religiosos, porém a erva permanecera ilegal, tendo o seu uso retirado dos rituais para facilitar a legitimação e legalização do culto das religiões de origem africana no Brasil.

Na passagem do século XIX para o XX uma nova figura começa a entrar no cenário político brasileiro: os médicos-políticos. Trouxeram para o Estado e espaço público, o racismo científico através de teorias sanitaristas e higienistas. Seu pensamento se fundamentava em encontrar a relação entre o crime e o criminoso pela esfera científica, ou seja, pelas teorias raciais e sanitaristas, o que viria ocasionar na associação entre maconha e racismo. Por estas teorias, entendia-se que determinadas raças carregavam características naturais e hereditárias de criminosos, assim criminalizando os negros, sua religião, sua cultura e o hábito de fumar a ganja. […]

Esse texto foi escrito por Pedro Mendonça, Mark de Soldi e Timothy Pataln, publicado originalmente na revista HEMPADA edição #13, de maio de 2018.