Uso de maconha pode se tornar um círculo vicioso, dizem pesquisadores

Fonte: O Globo

RIO – Adolescentes e adultos jovens que fumam maconha com frequência podem tentar gerenciar humores negativos usando a droga, de acordo com um estudo publicado na revista “Journal of Studies on Alcohol and Drugs” de setembro.

– Os jovens que usam maconha frequentemente experimentam um aumento de efeito negativo nas 24 horas que antecederam a um evento de uso, o que suporta um modelo de regulação de sentimento nessa população – disse a principal autora do estudo Lydia A. Shrier, da divisão de medicina dos adolescentes e jovens adultos no Hospital Infantil de Boston.

Ela observou que o uso de maconha como uma técnica de enfrentamento para um sentimento negativo pode tornar mais difícil para as pessoas pararem de usar a droga.

De acordo com a psquiatra e diretora do Espaço Clif, Analice Gigliotti, muitas pessoas veem a droga como solução, não só como fuga.

– Elas acreditam que a única forma plausível delas conviverem em sociedade é usando alguma droga. No caso da maconha, o que acontece é que a curto prazo a droga dá um certo alívio. No dia seguinte, a pessoa se sente mal ou pior – explicou.

A ideia de efeito de melhoria no humor que a maconha proporciona é verdadeira apenas durante algumas poucas horas, segundo Gigliotti. Assim, ao correr do uso frequente da droga “o que o indivíduo faz é usar a maconha para curar a abstinência da própria droga”.

– O uso da maconha pode estar associado à ansiedade e outros estados negativos. Pessoas se sentem mal, usam, e podem se sentir melhor momentaneamente, mas depois eles vão se sentir pior. Eles não necessariamente ligam sentir-se mal depois de usar com o próprio uso, por isso pode se tornar um círculo vicioso – confirmou Shrier.

Para o estudo, foram recrutadas 40 pessoas, com idades entre 15 e 24 anos, que usaram maconha pelo menos duas vezes por semana, embora sua média era de 9,7 vezes por semana. Eles foram treinados para usar um computador de mão que lhes assinalava em um horário aleatório dentro de intervalos de três horas (quatro a seis vezes por dia) durante duas semanas.

A cada sinal, os participantes foram questionados sobre seu humor, se estavam acompanhados, percepção da disponibilidade de maconha e uso recente de maconha. Os participantes também foram solicitados a relatar imediatamente antes e depois de qualquer uso de maconha. Eles completaram mais de 3.600 relatórios.

Os pesquisadores descobriram que o sentimento negativo aumentou significativamente durante as 24 horas antes do uso da maconha em comparação com outros períodos. No entanto, o sentimento positivo não variou no período antes do uso da maconha em comparação com outras épocas.

– Qualquer uso de drogas desencadeia uma reação de descarga de neurotransmissores intensa. No dia seguinte, ou horas depois, existe um rebote dessa descarga que é literalmente como se estivesse o efeito oposto inicialmente proporcionado pela droga – esclareceu a psiquiatra e complementou que o ideal é analisar caso por caso e, então, encaminhar para um tratamento com antidepressivos ou mesmo com um aumento de atividades físicas.

RELATO IMEDIATO

Nem a disponibilidade de maconha, nem a presença de amigos modificaram a probabilidade de que os usuários crônicos usariam a maconha após um período de sentimento negativo.

O estudo é único na medida em que ele coletou dados em tempo real para avaliar os eventos de humor e uso de maconha. Portanto, foi capaz de identificar em que humor estavam nas 24 horas antes do uso de maconha e comparou-o com humor de outros momentos, Shrier relatou.

Há uma série de limitações com avaliações retrospectivas, como perguntar às pessoas “a última vez que usou maconha, por que usou”, de acordo com a responsável pela pesquisa.

– Nós não estávamos pedindo às pessoas para prever nada ou recordar nada, estávamos apenas pedindo-lhes para nos dar relatórios sobre como estavam se sentindo no momento. Fomos capazes de colocar sob um microscópio a associação entre esses sentimentos e posterior utilização da maconha – disse Shrier.

Shrier disse que poderia ser benéfico para os médicos e conselheiros para ajudar seus pacientes a identificar padrões de sentimento negativo e implementar estratégias de regulação de humor alternativas para substituir o uso da maconha.