Uruguaio é preso ao plantar maconha, mesmo isso sendo permitido no país

Fonte: Folha

Marcos Berneda, 33, trabalha em um açougue e vive na cidade uruguaia de Bella Unión, na fronteira com o Brasil.

No final de novembro, foi detido pela polícia, que recolheu os pés de maconha que ele tinha em casa.

Duas semanas depois, porém, a polícia foi obrigada a lhe devolver as plantas, caso único até agora no país.

O Uruguai legalizou o uso e a posse da erva. A venda em farmácias deve começar ainda neste ano.

Leia abaixo o seu depoimento.

Era pouco depois do meio-dia quando a polícia bateu à minha porta. Diziam que buscavam uma plantação ilegal de maconha.

Entraram e mexeram em tudo, revolveram a casa toda. Pegaram as plantas que estavam nos vasos, arrancaram as que estavam na terra, colocaram tudo num carro. Fui levado a uma cela, sem que ninguém quisesse me ouvir.

Eu tentei explicar, mostrar meu cadastro como cultivador de maconha legalizado. Sou registrado desde outubro do ano passado no IRCCA [órgão governamental que regula a aplicação da lei da maconha no Uruguai].

A polícia só me disse que alguém ligou e fez uma denúncia anônima.

Fui levado a uma cela, fiquei sozinho ali, ninguém me dizia nada. Fiquei furioso. Eu estava totalmente certo, nunca duvidei de que estava certo. Me tomaram o celular, não pude falar com ninguém. Não sou criminoso, nunca tive problemas com a polícia.

Só me liberaram por volta de 21h, sem as plantas. Disseram que iam matá-las.

Moro com meus avós, Teresa e Pilar, e eles ficaram assustados com o que havia acontecido. Não aceitavam que eu plantasse, mas eu havia explicado para eles que era legal, e eles aceitaram. E agora acontecia isso…

Planto maconha há dois anos, estava cansado de comprar no mercado ilegal. Eu tinha que ir a lugares perigosos, com pessoas estranhas, que me ofereciam de tudo: cocaína, crack. Eu só queria fumar maconha.

Não acho errado, é bom para relaxar e você não precisa tomar remédios quando sente dor.

Além do perigo, quando se compra no mercado ilegal, não se sabe o que se fuma. Nem parece que é uma planta. Agora que sou cultivador, também não gasto dinheiro comprando maconha.

Ganhei umas sementes de uns amigos e tentei plantar. Não é fácil, fui aprendendo na internet.

No início [ainda era proibido], plantei em um quarto fechado nos fundos da minha casa, comprei lâmpadas para iluminar os pés. Eles precisam de muita luz. Quando passou a ser legal, mudei as plantas para o lado de fora, para a minha horta.

Planto também tomates, manjericão, milho e pimentão. Não uso aditivos químicos, nada, minha maconha é orgânica.

A polícia levou os dez pés que eu tinha, nenhum deles tinha florescido ainda, eram pequenos. E isso me revoltava ainda mais.

Quando saí da delegacia, entrei em contato com o Julio Rey [liderança de cultivadores do Uruguai]. Eu estava furioso. Ele me disse que o que a polícia havia feito era uma loucura, que era um abuso. Eu estava certo.

A partir daí, com a ajuda de uma advogada, decidi fazer um pedido à Justiça para que me devolvessem as plantas. Estou legalizado, tenho registro, mas eles não queriam saber. Me espantava que, mesmo errado, o juiz não quisesse voltar atrás. Teimosia, não sei, ignorância.

Demoraram mais de dez dias para decidirem me devolver os pés de maconha. Eu ia lá todos os dias e me diziam: “volte mais tarde, volte amanhã”. É um desrespeito, eu não estava errado, não estava desrespeitando nenhuma lei.

Acho que o que aconteceu comigo é resultado da falta de conhecimento sobre a lei e sobre a maconha.

Ainda há muito preconceito contra os cultivadores, e a polícia só sabe reprimir. Não faço mal a ninguém. Nunca fui militante da causa da maconha, ninguém me conhecia. Mas depois do que aconteceu fiquei mais ativo.

Acredito que a nova lei possa acabar com o tráfico de maconha. Ainda mais quando passarem a vender em farmácias. Isso é bom, não é utopia.

Hoje, com a permissão ao cultivo, já acredito que o tráfico de maconha tenha diminuído bastante no Uruguai. Ainda mais agora, que vem o período de colheita.

O tráfico vai sentir um baque. Não sou favorável à liberação de todas as drogas. Cocaína e outras drogas químicas, sou contra. Mas maconha é diferente.

Catorze dias depois eu consegui que me devolvessem as plantas. Estavam secas, ninguém as regou.

Agora, seis estão em floração [ponto em que se pode colher e fumar].

Saí da delegacia com meus amigos e com as plantas na caçamba da caminhonete. Fizemos uma caravana pela cidade, buzinando, gritando. As pessoas ficaram sabendo da minha história.

Eu não queria ficar famoso, só que respeitassem meus direitos.