Uma Visão do Congresso Internacional sobre Drogas

por  Fernando Beserra

Terminou no último domingo, dia 05 de Maio, o Congresso Internacional sobre Drogas, realizado em Brasília e que teve ampla cobertura pelo Hempadão. Gostaria agora de trazer algumas considerações sobre este evento.

Em primeiro lugar, é preciso sinalizar sua dimensão histórica. Não porque se localiza no âmbito da história, lugar do qual nenhum evento pode escapar, mas por não ter dúvida da sua relevância enquanto evento que marcou um salto qualitativo do antiproibicionismo no Brasil, isto é, foi locus do encontro de diversos posicionamentos de pesquisadores, políticos e ativistas críticos a guerras às drogas. Tratou-se de um Congresso que abriu suas portas à diversidade disciplinar, contribuindo para a reflexão multiprofissional e transdisciplinar, através da articulação entre ciências e movimentos sociais. Apenas este ponto, esta interconexão, já bastaria para exaltar o caráter singular e inovador do Congresso.

Não deveria ser novidade juntar movimentos sociais e pesquisadores, cientistas e políticos, afinal, uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde é a chamada Participação da Comunidade, instituída pela Lei Orgânica da Saúde, 8.080/90, em seu Artigo 7º. Entretanto, no campo das drogas ocorre um debate que barra os usuários, que não os comunica, não os ouve e, exatamente por isso, cometem-se muitas barbaridades em nome da razão e da família, camuflando políticas de ganhos privados e limpezas sociais.

Do estigma sobre os usuários decorre a barbárie das políticas para os usuários.

Se há uma crítica a ser feita ao Congresso, seria certamente a ausência de debate com segmentos mais conservadores, no âmbito da política e dos movimentos sociais. Este debate poderia, em minha opinião, ser importante para demonstrar de que forma hoje se contrariam diferentes argumentos, inclusive demonstrando a uma parcela do público com o pensamento em formação sobre os temas debatidos, como as ideias proibicionistas se encontram arraigadas predominantemente a preconceitos e moralismos.

Ponto alto do Congresso foi, para mim, ver a discussão de Luis Fernando Tofoli sobre a Psicoterapia com Psiquedélicos, o que eu não esperava ver e me surpreendeu de forma muito positiva. A maconha medicinal foi brilhantemente discutida; ouvir uma usuária medicinal, Maria A. Goulart, que teve câncer e fibromialgia e usou a maconha como tratamento foi emocionante.

Não há dúvida de que os Conselhos de Medicina devem atentar para esta e outras questões, bem como abrir a discussão no Brasil do uso médico dos psiquedélicos como vem sido estudado no mundo, particularmente, pela onipresente aqui no Portas, Multidisciplinary Association for Psychedelics Studies (MAPS). Assim, o Conselho Federal de Psicologia também não deveria ficar alheio a este debate, se não pela via de receita dos psiquedélicos como medicamentos, ao menos pela via de regularização das práticas psicoterápicas, isto é, os psicólogos e psiquiatras devem responder pelas melhores formas de lidar com as trips psiquedélicas, fomentando e potencializando seus usos positivos.

Ora, seria inútil de minha parte tentar trazer em um único post a miríade de discussões frutíferas no Congresso, o grande número de autoridades no assunto dos psicoativos que se apresentaram magistralmente neste congresso: Henrique Carneiro, Dartiu Silveira, João Menezes, Renato Cinco, Sidarta Ribeiro, Luciana… bem, é melhor parar e apenas reforçar que a beleza do Congresso conseguiu ir além dos muros e irradiar as ideias progressistas no horizonte dos movimentos sociais na capital brasileira.

Apesar dos posicionamentos mais progressistas, os palestrantes, na maioria dos assuntos discutidos, trouxe posições fundamentando não apenas os possíveis benefícios, mas também os riscos no consumo de psicoativos. P.ex, o neurocientista Sidarta Ribeiro elencou os grupos de risco no consumo da cannabis, dentre os quais, jovens, psicóticos, depressivos e grávidas. Mesmo em relação aos grupos de risco, ainda há muito a ser discutido, em que momento e quais as variedades de cânnabis poderiam resultar em maior ou menos risco e, em alguns casos, em maior ou menor benefício.

A discussão, finalmente, tomou os ares que deveria tomar. Politicamente, orientada para a necessária descriminalização das drogas e, de forma mais radical, a regulamentação da produção e comércio dos psicoativos. Cientificamente, uma discussão sem grandes sensacionalismos, orientadas por pesquisas.

Enteogênicos do mundo. Já foi dito, eis mais um a repeti-lo:

Sábado agora, 11 de Maio, todos e todas na Marcha da Maconha – Rio de Janeiro!