Trocando uma ideia com André Kiepper: autor da Proposta de Regulamentação da Maconha por Iniciativa Popular

kiepperUm bate-papo informal (numa mesa do bar Imaginação) abrigou todos nós, leitores do Hempadão e um cara que teve a brilhante ideia de transformar nossa vontade em força política. Como ele mesmo disse, a proposta não é dele, é nossa. Não só dos vinte mil que assinamos, mas de cada brasileiro. Uma proposta que tende colocar o Brasil na rota histórica da legalização da planta. Pra que todos conheçam quem é, o que faz e principalmente o que tem pensado, o jovem André Kiepper, no Conversativa:

1) Quem és tu? Qual idade e com que trabalha e como começou a acompanhar e participar da militância pela legalização no Brasil?

Tenho 32 anos, sou capixaba e moro no Rio de Janeiro. Trabalho na Fiocruz, uma instituição de pesquisa na área de saúde pública. Faço mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), sobre as leis de regulação da maconha medicinal dos EUA. O hempadão já publicou as traduções que eu fiz das leis do Uruguai e do Colorado, ano passado. É importante que todos leiam para decidir sobre qual modelo de regulação querem para o Brasil. Acho que sempre fui ativista, a diferença é que de 01 ano para cá as coisas têm se tornado cada vez mais claras e simples de se entender. Os esforços dos legisladores no Uruguai e nos EUA, que se anteciparam, sendo os primeiros a transformar o uso recreativo em Projeto de Lei, fizeram toda a diferença.

2) Quando nasceu a ideia de botar pra frente, em forma de iniciativa popular no site do Senado, o sonho coletivo de legalização da maconha?

No final do ano passado comecei a acessar o site do Senado do Uruguai com frequência, para acompanhar a tramitação do Projeto de Lei de regulação da maconha daquele país e, ao mesmo tempo, acessar o site do Senado brasileiro, para acompanhar a tramitação do PLC 37/2013, que é o Projeto de Lei da Câmara com tendência totalmente oposta ao que o resto do mundo está legislando sobre drogas. Ficou interdito que não haveria oposição política ao PLC 37/2013, por causa das eleições de outubro de 2014. Para mim, inadmissível que senadores se abstivessem de reformar a Lei de Drogas do Brasil sob o argumento do efeito negativo que o tema poderia causar nas urnas. Então, nestas buscas pelo site do Senado do Brasil, conheci o e-cidadania, uma ferramenta criada para fomentar a participação cidadã. Cadastrei a proposta em meados de dezembro, pouco depois do histórico dia em que o Senado do Uruguai aprovou seu Projeto de Lei. Demorou mais de 01 mês para que a proposta do e-cidadania fosse publicada, e a divulgação da campanha de coleta de assinaturas só começou mesmo no dia 05 de fevereiro. No primeiro dia houve 5 mil apoios. No segundo dia, mais 8 mil, totalizando 13 mil apoios. No terceiro dia, chegamos  a 16 mil apoios. E no quarto dia, um sábado, concluímos a campanha com mais de 20 mil.

3) Te surpreendeu a rápida reação da militância brasileira e a mobilização das vinte mil assinaturas em quatro dias? O que isso significa em sua opinião?

Sim, foi uma semana que vai ficar para sempre na memória. No sábado à noite, quando eu e alguns amigos acompanhávamos o final da contagem dos apoios no site do Senado, pelo Facebook, parecia que estávamos concorrendo a algum tipo de eleição. A chegada aos 20 mil apoios foi um momento de muita emoção. Recebi por e-mail, automaticamente, um aviso do Senado de que a proposta havia alcançado o total de apoios e de que ela seria recepcionada. Eu senti a mesma emoção ao acompanhar o final da votação do Senado do Uruguai, dia 10 de dezembro de 2013, quando aprovaram o Projeto de Lei de regulação da maconha. E agora aguardo o dia em que o Congresso brasileiro aprovará o nosso Projeto de Lei. Tenho certeza que será um dia de muita emoção também. Se o ativismo brasileiro se concentrar, a partir deste momento, no Senado, depois na Câmara dos Deputados, telefonando para os gabinetes, enviando e-mails, ou indo pessoalmente à Brasília, aposto que alcançaremos nosso objetivo.

mujica buarque4) Como você vê o panorama do Senado brasileiro para análise de uma proposta como a sua?

O Senado é feito por pessoas. Temos a conjuntura internacional a nosso favor. Fazemos parte de uma revolução mundial. Sou otimista, apesar de tudo que sabemos sobre nosso poder legislativo. Quero que a proposta não seja reconhecida como minha, mas como de milhares de pessoas. Ela é uma demanda coletiva. Por isso volto a dizer que haverá necessidade de que a sociedade continue mobilizada junto ao Senado e, depois, à Câmara dos Deputados, para que a proposta seja bem encaminhada e aprovada. Como eu disse, há pessoas no Senado. Elas talvez só precisem conhecer mais sobre o assunto, para que possam tomar a decisão acertada. Precisaremos que a presidência do Brasil faça o mesmo trabalho. Logo compreenderão que a regulação se trata de uma conquista de direitos humanos. É um passo democrático necessário para o avanço de diversas questões sociais do Brasil, como o racismo, a violência urbana e a corrupção. Entenderão que a regulação se trata de uma Lei de Saúde Pública. E que ela é um ato de compaixão. Como eu disse, o Senado é feito por pessoas, e pessoas mudam de opinião.

5) Parabéns pela iniciativa! Em nome de todos os maconheiros do Brasil e também por todas nossas famílias, muito obrigado! Se essa ideia virar realidade #LiberdadeGeraldinho ficará mais próxima também, certo?

Sim, o ideal será que a lei conceda anistia a todos os presos que não tiveram envolvimento com crimes violentos no momento da prisão. A Suprema Corte da Itália, este mês, revogou uma lei de 2006 que havia aumentado a pena por tráfico de maconha de 2 a 6 anos para 6 a 20 anos, comparando a maconha à cocaína e heroína. Segundo a ONG Antigone, esta lei foi a causa primária dos problemas de superlotação das cadeias na Itália. A expectativa é a de que, com esta revogação, a Itália liberte mais de 10 mil presos nos próximo meses.

6) No contexto atual que vivemos aqui no país, que importância você designa ao movimento da Marcha da Maconha?

A Marcha da Maconha é anterior aos protestos de junho de 2013 e se compara, em importância histórica, às passeatas do movimento LGBT quanto à luta pela conquista de direitos. A Marcha da Maconha foi a primeira passeata do Brasil cujos participantes esconderam seus rostos atrás de máscaras, antes dos Anonymous e Blac Blocks. A Marcha da Maconha precisa, este ano, se alinhar de forma a apresentar aos congressistas as respostas sobre o modelo de regulação que quer para o Brasil. E se perguntar: e se o Brasil legalizar? Portanto, é preciso imaginar o futuro da Marcha da Maconha após a libertação da erva e a abolição dos escravos contemporâneos, prisioneiros da Guerra às Drogas. Será a Marcha da Maconha, no futuro, apenas uma lembrança dos tempos sombrios que vivemos enquanto jovens? A legalização da maconha será o fim da Marcha da Maconha?

7) Pra fechar, deixa um recado pros leitores do Hempa.

Obrigado a todos que apoiaram a proposta no Senado. Chega de alegria, a PM mata pobre todo dia. Por isso, nossa vitória já é presente, e não será por acidente.