Sementes Psicodélicas: LSA-111 (PARTE I)

por Fernando Beserra

Entre os princípios ativos de psicodélicos tradicionais e utilizados por povos originários, talvez o LSA seja um dos menos conhecidos nos dias atuais. Basta buscar artigos, teses e dissertações sobre o LSA, para que apareçam grandes dificuldades. Diferente de outros psicodélicos estudados para usos terapêuticos, há um vácuo na pesquisa sobre o LSA. Por outro lado, basta que se converse com psiconautas experientes sobre a Argyréia nervosa, por exemplo, para que surjam muitas histórias sobre psicodélicas excursões psíquicas.

O LSA é a ergina ou amido de ácido lisérgico. Também conhecido como LSA-111, pois tratou-se da centésima décima primeira experiência de Albert Hofmann para a síntese do princípio ativo de sementes psicodélicas de plantas como a Ipomoea tricolor, Argyréia nervosa e a Rivea corymbosa. Todas elas belíssimas trepadeiras.

Vamos iniciar falando sobre uma destas sementes, a saber: as sementes de Ipomoea que possuem LSA. MADERDEROSIAN e outros (1964) apresentaram o quadro abaixo sobre as Ipomoeas com alcaloides indóis:

Ipomoeas e alcaloides indóis

Nome botânico

Nome horticultural

Cor da flor

Presença de alcaloides indois em análise cromotográfica comaprada com as sementes da Ipomoea violácea e da Rivea corymbosa obtidas no México

Ipomoea violacea

Heavenly Blue

Azul

Positiva

Ipomoea violacea

Pearly Gates

Branca

Positiva

Ipomoea violacea

Flying Saucers

Azul-Branca Variada[1]

Positiva

Ipomoea violacea

Wedding Bells

Lavanda

Positiva

Ipomoea violacea

Summer Skies

Azul Claro

Positiva

Ipomoea violacea

Blue Star

Azul Claro

Positiva

Ipomoea Nil

Scarlett O´Hara

Vermelha

Negativa

Ipomoea Nil

Candy Pink

Rosa

Negativa

Ipomoea Nil (da Índia)

Azul a Violeta

Negativa

Ipomoea Muricata (da Índia)

Azul a Violeta

Negativa

Ipomoea x Sloteri

Cardinal Climber

Vermelha

Negativa

Ipomoea hederacea

Vermelha

Negativa

Ipomoea lindheimeri

Violeta

Negativa

Ipomoea turpethum

Negativa

Ipomoea máxima

Negativa

MADERDEROSIAN e outros, 1964.

No caso da Ipomoea violácea (gênero: Ipomeoea, família: violacea ou tricolor), as suas sementes contêm quantidades psicoativas de LSA e que já foram utilizadas em distintas culturas humanas. Trata-se de uma planta trepadeira da família convovulacea muito utilizada como planta ornamental. Suas sementes eram conhecidas como badoh negro. No México, segundo Lipp (apud OTT, 2004) é conhecida popularmente como quiebraplato, nome que provém, em língua mixe, da expressão: piH pu´ucte.sh ou prato de flor quebrado. Seu uso tradicional foi descoberto pelos europeus no período próximo a sua chegada as Américas. Foram descobertas a planta Ipomoea violacea e a Turbina corymbosa, ambas apresentando sementes com potencial psicodélico e com um uso tradicional por povos originários.

Depois da conquista do México em 1521 uma série de cronistas espanhóis, dos séculos XVI e XVII, fazendo referência as práticas religiosas dos astecas e de outros grupos indígenas, descreveram o uso ritual de umas sementes enteogênicas chamadas ololiuhqui “coisas redondas”. Afirmava-se que as sementes procediam de uma planta chamada coaxihuitl ou coatlxoxouhqui “planta serpente” ou “serpente verde”. A planta aparecia ilustrada no Codex Florentino de Sahagún, e pertenciam de forma inconfundível a família das Convulvulaceae, a família da enredadeira e das corriolas de dia (Hernández 1651; Hofmann 1980; Sahagún 1950; Sahagún 1982; Schultes e Hofmann 1980; Taylor 1944; Taylor 1949; Wasson 1963) (OTT, 2004, p.118).

Suas sementes contêm como princípio ativo, assim como o ololiuhqui, o amido de ácido d-lisérgico (LSA-111) ou Ergina, substância próxima ao sintetizado LSD-25 (dietilamida de ácido lisérgico), além de “quantidades menores de isoergina, chanoclavina e elimoclavina” (OTT, 2004, p.120) e traços de ergonovina. Tratam-se de alcaloides do ergot, um fungo parasita do centeio e de gramas altas, também conhecido como claviceps purpúrea. Os alcaloides do ergot são classificados de duas formas: como clavinas e como derivados do ácido lisérgico (KOBEL e SANGLIER, 1986). É verdadeiro que o amido de ácido lisérgico não é um único componente psicodélico do ergot. Há de se considerar que, de forma distinta da segurança fisiológica do LSD, o ergot é um fungo altamente tóxico (cf. fogo de santo antão).

As sementes da Ipomoea violacaea foram chamadas na língua nahuatl (conjunto de línguas e dialetos pertencentes ao ramo asteca) de badoh negro, ou seja, primo próximo do ‘badoh’ que seriam as sementes da Rivea corymbosa. Robert Gordon Wasson, um dos pioneiros da etnobotânica, sugeriu a hipótese de que as sementes da Ipomoea violacea seriam o Tlitliltzin dos Astecas (WASSPM, 1963; OTT, 2004). Em arquivos da Inquisição foi encontrado o termo “ololiuhqui del moreno” de um escravo negro, que era curandeiro, para referir-se a elas (WASSON, 1963). Para Schultes, Hofmann e Ralsch (2000, p.174) a Ipomoea violácea e suas sementes eram o tlitlitzin, que era utilizada especialmente nas áreas zapotecas e chatin em Oaxaca. Suas sementes são angulosas e negras, em distinção as sementes da Rivea que são marrons e arredondadas.

Outro nome utilizado para referir-se a estas sementes pelos mixe era masung-pahk ou “ossos das crianças”. “Os zapotecas também chamam a semente da Ipomoea violacea la´aja shnash ou “semente” da virgem, da onde provavelmente deriva o termo mexicano contemporâneo, sementes da virgem (WASSON, 1963)” (OTT, 2004, p.120). É comum que se acredite que o termo “sementes da virgem” derive do sincretismo religioso, ou seja, da ligação com a Virgem do catolicismo, entretanto, é mais provável que o la´aja shnashseja um nome derivado de um antigo costume zapoteca no qual meninas virgens eram encarregadas em moer as sementes.

Na próxima semana haverá continuidade do texto sobre estas incríveis sementes e plantas psicodélicas. Falaremos ainda sobre sua síntese, seus efeitos no organismo, suas doses, legalidade, redução de danos e usos terapêuticos. Além, é claro, de trazer todas as referências utilizadas nos textos e falar como vocês podem correr atrás de boas informações sobre estas lindas trepadeiras.


[1] – Na verdade, azul e branco conjuntamente.