Sementes Psicodélicas: LSA-111 – PARTE II

por Fernando Beserra

Como abordado no último texto, o LSA teve reconhecido e importante uso em sociedades originárias. As sementes psicodélicas da Ipomoea violacea e da Turbina corymbosa eram tão importantes que Hoffman (1971) e Heacock (1975) sugerem que elas tiveram mais importância no contato com o mundo espiritual do que o teonanáctl (carne dos deuses; cogumelos com psilocibina) e o peiote. Terence Mckenna (1995), no entanto, vê de outra forma e acredita que as sementes eram apenas substitutas nos períodos que faltavam os cogumelos mágicos. Além de seu uso com finalidade de estabelecer a ponte entre o mundo ordinário e o mundo espiritual, seu uso com finalidades terapêuticas era muito difundido. Há de se lembrar que a separação entre terapêutica e religiosidade é recente historicamente e não estava constituída nas sociedades originárias. O ololiuhqui, por exemplo, era usado para sanar problemas venéreos, atenuar dores, remover tumores e até mesmo para curar flatulências (HOFMANN, 1971). O uso que se fazia das sementes psicodélicas nas Américas ocorria após as mesmas serem esmagadas (acredita-se que por meninas virgens) e tomadas em água ou com bebidas alcoólicas como pulque, mescal ou aguardente. Sabe-se que este modo de consumo reduz bastante o desconforto estomacal no uso das sementes. Enquanto este uso terapêutico ocorria no ocidente, a Argyréia nervosa (Hawaiian baby woodrose) é nativa da Ásia e era utilizada na medicina ayurvédica, curiosamente não suas sementes, mas suas folhas. As folhas eram aplicadas sobre doenças da pele e feridas, usadas como antissépticos. Folhas secas eram utilizadas para tratar diabetes, além do uso tradicional em tribos Rajasthani para evitar a gravidez. As raízes eram utilizadas no tratamento de reumatismo, anemia, obesidade, gonorreia, tuberculose, tônico e debilidades em geral (DESAI e REDDY, 2014).

As primeiras notas botânicas do badoh negro (STAFFORD, 1983) e do ololiuhqui provêm de Francisco Hernandez um espanhol que entre 1570 e 1575 realizou uma extensa pesquisa sobre a flora e fauna do México para Philip II (HOFMANN, 1971). Aparecido em Roma em 1651, no seu famoso “Rerum medicarum Novae Hispaniae thesaurus, seu plantarum, animalium, mineralium mexicanorum historia” descreveu e classificou o ololiuhqui. Foi o mesmo Hernandez que escreveu que os xamãs comiam ololiuhqui no intuito de induz um estado delirante no qual eles recebiam mensagens do sobrenatural e se comunicariam com seus deuses (HOFMANN, 1971), além de terem visões e entrarem em estados alucinatórios. Do mesmo modo que outros psicodélicos, a cultura eurocristã rapidamente associou o seu uso ao contato com o diabólico e perseguiu este uso.

Há, além disso, uma importante hipótese de que o amido de ácido lisérgico tenha sido uma substância central nos ritos conhecidos como Mistérios de Eleusis por cerca de 2000 anos na sociedade grega. Sabe-se que a contaminação do centeio pelo fungo clavieps purpureapossui alcaloides indólicos, dentre os quais, a ergina ou LSA. Há, além disso, outros fungos menos conhecidos que contém LSA. No entanto, se o centeio contaminado é ingerido, por exemplo, por meio da ingestão de pão contaminado, isso leva a grande toxicidade como no ergotismo, conhecido no fim da Idade Média como Fogo de Santo Antão. O ergotismo, por meio de um processo de oclusão arterial, levava a gangrena e amputação de membros; além disso, resultava em quadros convulsivos, hipertermia, abortos, espasmos musculares, dificuldade respiratória e alucinações. Há de se considerar que o conhecimento das ervas e fungos dos gregos era maior do que parte da Idade Média ofuscada pelo desmesurado dogmatismo. Desta forma, é possível que os gregos conhecessem a característica hidrossolúvel do LSA e, tal como as populações tradicionais que faziam uso do LSA entre os Astecas, fizessem a extração do amido de ácido lisérgico. Desta forma, os alcaloides ergopeptídios tóxicos (ergotoxinas) permaneceriam no centeio (BOCK e PARBERY, S/d), enquanto se extraia o LSA. Outra possibilidade importante aponta Peter Webster (2000), no Journal Eleusis, no qual indica que os alcaloides tóxicos da ergopeptina estão largamente, se não completamente, ausentes na espécie do fungo Clavipes paspali (que pode ter sido o fungo utilizado nos Mistérios de Eleusis), de forma semelhante com o que ocorre com o Ololiuhqui.

Já argyréia tornou-se mais popular no ocidente contemporâneo que as outras duas sementes, que possuem um uso tradicional muito mais extenso. O motivo desta preferência se deve a quantidade de LSA em cada uma das sementes. Das três, a argyréia contém a maior concentração de alcaloides indois, aproximadamente 0,14% (HALPERN, 2014), quando comparada ao badoh negro (0,02 à 0,06%) e ao badoh/ololihqui (0,012%).

Acerca dos efeitos do LSA, os mesmos já foram objeto de debate entre grandes pesquisadores, inclusive para identificação de seus efeitos psicodélicos. Devido a efeitos menos pronunciados na alteração da senso-percepção e suas características sedativas, há hoje uma grande aceitação do status do LSA como psicodélico autêntico. Abaixo as descrições dos químicos underground Ann e Alexander Shulgin.

Tradução do item LA-111, ergine, d-lisergamida do Tikal de Alexander Shulgin

LA-111, ergine, d-lysergamide

Este é um composto ativo e foi estabelecido como o componente central das sementes das glórias da manhã (morning glory). Foi estudada sua atividade em seres humanos por Albert Hofmann em auto-ensaios em 1947, bem antes de ser conhecido como seu componente natural. Uma administração i.m de uma dose de 500 microgramas levou a um estado de sonho cansado com uma inabilidade de manter pensamentos claros. Depois de um curto período de sono, os efeitos foram embora e uma base normal foi recuperada em cinco horas. Outros observadores confirmaram esta obnubilação da consciência levando a dormir. O epimer invertido em C-8 é a isoergina ou d-isolisergamida, e também é um componente das sementes da glória da manhã. Hofmann tentou uma dose de 2 miligramas deste amido e, tal como na ergina, ele não experienciou nada além de cansaço, apatia e um sentimento de vazio. Ambos os compostos são, provavelmente, corretamente descartados como não sendo contribuintes para a ação destas sementes. É importante notar que a ergina, bem como o ácido lisérgico, são listados como drogas Schedule III no Ato de Substâncias Controladas, como um depressor. Isso é, com toda probabilidade, uma estratégia para controla-las como precursores lógicos ao LSD.

De maneira geral, os psiconautas julgam que o LSA produz menos alterações visuais que o LSD, além de ser uma substância que provoca certo “peso corporal” devido a sedação que provoca. Em algumas legislações, como nos EUA, o LSA é incluso como depressor do sistema nervoso central. Há de se convir que isso não é regra. Muitas pessoas têm experiências de êxtase constante no uso das sementes. Um amigo, por exemplo, sentia que tinha um orgasmo que nunca passava. Era maravilho, mas também chegou a ficar cansativo. Outros ainda utilizam, de forma contemporânea, altas quantidades das sementes com finalidade de catalisarem experiências ligadas à religiosidade e ao autoconhecimento. Fato é que o LSA pode ser um catalisador da ampliação de consciência se utilizado no set e no setting adequado e segue, igualmente, o padrão dos riscos psicológicos de outros psicodélicos, a exemplo de poder provocar reações de pânico e bad trips em usuários despreparados sem supervisão. Por suas características psicodélicas, por extensão, seu uso pode provocar toda a variedade de fenômenos cognitivos conhecidos neste consumo, como a importantes alterações na temporalidade (loop, sensação de eternidade, de ausência de tempo, etc.), nas sensações (ver o mundo com cores mais vivas, se dissolvendo, reunindo diferentes sensações, tec.), amplificação da imaginação (com contornos e características mais vívidas), além de variações afetivas-emocionais (da hipotimia à hipertimia), em conjunto com uma mudança no foco da atenção (na vigilância e na tenacidade). Estas alterações ocorrem ao longo do efeito das sementes. De maneira geral, o usuário mantem-se consciente do uso das sementes e que as mesmas catalisam os efeitos experimentados.

Sabe-se que o LSA é um agonista parcial da 5-hidroxitriptamina (5HT), isto é, da serotonina. Mais particularmente liga-se aos neuroreceptores do 5HT2, de forma semelhante ao que ocorre com outros psicodélicos indois. Apesar disso, de acordo com Ujvári (2014) os alcaloides do ergot são substâncias “suja” do ponto de vista psicofarmacológico, isto é, que se ligam a grande variedade de neuroreceptores para que produzam seus efeitos. Para complicar mais a situação, David Nichols (2001) apresenta evidências que o primo do LSA, a dietilamida de ácido d-lisérgico (LSD-25), possuí ligações com o 5HT2 muito mais fracas do que anfetaminas psicodélicas como o DOI e o DOB, embora seu efeito seja muito mais impactante e potente. Tudo leva a crer que tanto o LSD-25 quanto o LSA-111 são agonistas parciais da serotonina. Se comparado a própria serotonina e sua capacidade de se ligar aos neuroreceptores serotoninérgicos como de 100%, o LSD teria cerca de 20 a 25% de chance de ativar o receptor. O lado “sujo” do LSD e do LSA significa que eles se ligam tanto a receptores serotoninérgicos diversos, como a outros neuroreceptores como os dopaminérgicos (d1, d2, d3, d4), histamínicos (H1) e adrenérgicos (a1). Há sugestões de que o papel do LSD seja importante na ampliação da estimulação dos receptores 5HT1A (NICHOLS, 2001).

E assim continuamos mais uma semana a nos aproximarmos das sementes de tão belas plantas. Mas ainda há muito a ser dito. Na próxima semana continuaremos a abordá-las, com discussão sobre seus efeitos fisiológicos, redução de riscos e danos, usos terapêuticos e legislação. No final do texto serão apresentadas as referências bibliográficas utilizadas ao longo desta exploração das sementes enteogênicas.