Psicoterapia com ibogaína no tratamento das dependências!

A ibogaína é um dos alcaloides presentes na casca da raiz da planta psicodélica africana Tabernantha iboga e tem vasto uso tradicional em diferentes regiões africanas (SCHENBERG e outros, 2014). A T. iboga é conhecida como importante planta do continente africano; ela e outras espécies do gênero Tabernantha e da família a qual pertence: a Apocynacea, possuem usos milenares como sedativo e analgésico; embriagante; estimulante; afrodisíaco e principalmente como substância visionária utilizada em ritos de passagem (OTT, 2004). O primeiro escrito conhecido sobre o uso da T. iboga apareceu em 1864. Em 1903 suas propriedades psicodélicas foram informadas entre os Buiti no Congo. Na década de 1960 a ibogaina ganhou mais atenção no ocidente quando Howard Lotsof descobriu a importância da ibogaina para o alívio da fissura na dependência de opiáceos (SCHENBERG e outros, 2014).

por Fernando Beserra

Há várias espécies da família das Apocynaceas que possuem ibogaina, mas há igualmente outros alcaloides que também fazem parte da psicoatividade da T. iboga e de outras plantas. Cabe destacar a voacangina, a tabernantina (carbometoxi-ibogaina) e a ibogamina; todas com estudos experimentais realizados em animais e indicativo de propriedades semelhantes a da ibogaina (OTT, 2004).

A ibogaina foi obtida pela primeira vez em 1901 e a princípio teve um restrito uso como antidepressivo e o importante pesquisador psicodélicos, Claudio Naranjo, experimentou o extrato de ibogaina como auxiliar à prática psicoterapêutica (OTT, 2004).

Um artigo recente traz novas evidências acerca da eficácia da ibogaina no tratamento das dependências. Este artigo, denominado: “Treating drug dependence with the aid of ibogaine: a qualitative study”, foi publicado no Journal of Psychedelic Studies, e assinado por diversos pesquisadores brasileiros: Eduardo Schenberg, Maria Angélica Comis, João Felipe Alexandre, Bruno Ramussen Chaves, Luís Fernande Tófoli e Dartiu Xavier da Silveira. Um artigo de ponta no debate contemporâneo sobre o uso dos psicodélicos como auxiliar na prática psicoterapêutica e, paralelamente, trazendo grandes avanços no campo da farmacoterapia. Este artigo, em especial, pode ser lido em conjunto com o artigo, publicado em 2014: “Treating drug dependence with the aid of ibogaine: a retrospective study”. Ambos os artigos são livres para download e merecem nossa leitura atenta.

Schenberg e outros (2014), em um estudo retrospectivo, apresentaram a análise de 75 pacientes que utilizaram ibogaina para o tratamento das dependências, incluindo o uso de drogas como álcool, cannabis, cocaína e crack (72% eram poliusuários). Os resultados indicam que 61% dos participantes da pesquisa encontravam-se abstinentes; os participantes tratados com ibogaina apenas uma vez tiveram, em média, 5,5 meses de abstinência, enquanto os que foram acompanhados em múltiplas sessões obtiveram uma média de 8,4 meses de abstinência. Outrossim, os resultados já indicavam que o uso da ibogaina, com acompanhamento médico, e com manejo psicoterapêutico, demonstrou-se seguro, sem a ocorrência de fatalidades ou complicações médicas.

É importante salientar que o tratamento com ibogaina não é simples ou trivial e necessita de acompanhamento médico durante sua realização. A substância enseja riscos, em especial cardiotóxicos, mais especificamente arritmia ventricular, e de forma mais perigosa em pacientes com co-morbidades específicas, que são controlados quando o manejo terapêutico é realizado de forma adequada; estes riscos, inclusive, levaram a casos de óbitos, internacionalmente conhecidos. O Conselho Estadual de Política sobre Drogas de São Paulo (CONED-SP) lançou a Resolução SJDC-055, publicada em 14 de janeiro de 2016, que estabelece:

Enunciado CONED-SP Nº 01, de 29-10-2015
O uso de substâncias alucinógenas ou onirofrênicas para o tratamento do uso problemático de substâncias psicoativas deve ser considerado uma opção que exige investigação científica.

Enunciado CONED-SP Nº 02, de 29-10-2015
A pesquisa científica com o uso de substâncias alucinógenas ou onirofrênicas, inclusive para o desenvolvimento de opções de tratamento para o uso problemático de substâncias psicoativas, deve ser estimulada financeiramente pelas instituições de fomento de modo a garantir a realização de pesquisas quantitativas, qualitativas e estudos clínicos aleatorizados controlados.

Enunciado CONED-SP Nº 03, de 29-10-2015
Os compostos semissintéticos ou sintéticos baseados nos princípios ativos da Tabernanthe iboga e outras espécies do gênero Tabernaemontana (família Apocynaceae), devem ter o seu potencial terapêutico no tratamento do uso problemático de substâncias psicoativas investigado por intermédio de pesquisa científica.

Enunciado CONED-SP Nº 04, de 29-10-2015
Os princípios ativos derivados da Tabernanthe iboga e outras espécies do gênero Tabernaemontana (família Apocynaceae), particularmente as formulações de ibogaína, somente podem ser administrados, para o tratamento do uso problemático de substâncias psicoativas, em ambiente hospitalar, com supervisão e controle médicos, atendendo ao exercício da profissão e às recomendações da boa prática clínica, incluindo criteriosos exames clínicos e psiquiátricos, bem como avaliação psicológica e acompanhamento psicoterapêutico.

Embora haja uma grande literatura debatendo, ou realizando pequenas pesquisas clínicas, acerca dos usos da ibogaina no tratamento da dependência de opiáceos, o mesmo não ocorre no caso dos psicoestimulantes como cocaína e crack. É conhecido pela literatura científica que o a farmacoterapia e a psicoterapia tem baixa efetividade no tratamento no tratamento da dependência destas substancias (SCHENBERG e outros, 2016). Schenberg e outros (2014) e Schenberg e outros (2016), redirecionam o foco e abordam o uso da ibogaina nestes casos. Tais pesquisas são particularmente importantes no cenário brasileiro, que apresenta pouco uso de opiáceos, mas considerável uso do cocaína e crack. De acordo com Schenberg e outros (2014, p. 994): “No Brasil, embora o consumo de opioides seja extremamente baixo (Eckschmidt et al., 2013; Fonseca et al., 2010), a ibogaina tem sido utilizada no tratamento da adiccção de outras classes de drogas desde 2001”. No campo do tratamento das dependências o tratamento da dependência destas substâncias tem conseguido resultados insuficientes e, portanto, este estudo é um alento na medida que embasa um tratamento que tem sido realizado.

O novo artigo do grupo trata, por meio da análise qualitativa, mais especificamente por meio da análise do conteúdo e análise dedutiva de entrevistas semiestruturadas, do uso da ibogaina no tratamento das dependências. Ressalte-se que o uso da ibogaina era realizado em conjunto com psicoterapia de base cognitiva comportamental (SCHENBERG e outros, 2016).

O estudo trabalhou com um N de 22, incluindo 7 mulheres e 15 homens. Os participantes da pesquisa tinham entre 22 a 53 anos e uma média de 33 anos. Entre estes, 10 (45%) tinha como droga primária a cocaína, 9 (41%) o crack, um a heroína, um o álcool e um a maconha. Vinte e um (91%) dos participantes já tinham sido malsucedidos em tentativas de tratamento anteriormente e dois (9%) tentavam a psicoterapia cognitiva com ibogaina como primeiro tratamento para farmacodependência. Todos os participantes da pesquisa foram avaliados psicológica e fisicamente por uma equipe multiprofissional. Foi administrado então a dose de ibogaina em um Hospital privado em uma média de 15mg/kg para homens e 12mg/kg para mulheres em uma única administração.

Os pacientes que foram participantes da pesquisa indicam a importância do uso da ibogaina no tratamento e acreditaram que sem a ibogaina dificilmente teriam a melhora que conseguiram; apesar disso, muitos identificaram que a terapia com ibogaina poderia não ter sido tão importante, caso não tivessem ocorrido as sessões conjuntas de terapia cognitiva. Muitos foram enfáticos na importância do tratamento que superava muitos outros (SCHENBERG et al., 2016).

Pela leitura de alguns importantes relatos expressos no artigo pode-se identificar um ganho de consciência por meio de importantes insights sobre seu comportamento; origem e motivo da dependência; relacionamento familiar; além da aceitação e perdão de muitos elementos emocionais altamente catexiados (carregados de energia psíquica). Houveram melhorias experimentadas na qualidade de vida, a partir de uma renovada sensação de viver e experimentar o presente. Outro fator fundamental, foi a observação dos pesquisadores (2016) de que a ibogaina reduziu a fissura (craving), tal como ocorrera nos usos da ibogaina aliada a psicoterapia no tratamento de dependência de opiáceos. Tal pesquisa, portanto, corrobora a importância da continuidade de pesquisas cuidadosas, já que o uso da ibogaina é conhecidamente perigosa, se utilizada de forma descuidada, para que possamos conhecer melhor esta forma de tratamento que pode ajudar e muito as tecnologias de cuidado no manejo e terapia da dependência de substâncias.

Referências:

OTT, J. Pharmacotheon: drogas enteogénicas, sus fuentes vegetales y su historia. Madri: La Liebre del Marzo. 2004.

SÃO PAULO. Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas. Comunicado. Diário Oficial do Estado de São Paulo, v. 126, n. 8, Poder Executivo, Seção I, 14 de janeiro de 2016, p.8.

SCHENBERG, E. E.; COMIS, M. A. de C.; ALEXANDRE, J. F. M.; CHAVES, B. D. R.; TÓFOLI, L. F.; SILVEIRA, D. X. Treating drug dependence with the aid of ibogaine: a qualitative study. Disponível em: <http://www.akademiai.com/doi/pdf/10.1556/2054.01.2016.002>.

SCHENBERG, E. E.; COMIS, M. A. de C.; CHAVES, B. D. R.; SILVEIRA, D. X. Treating drug dependence with the aid of ibogaine: a retrospective study. Journal of Psychopharmacology, 2014, Vol. 28(11), p. 993 –1000. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/0269881114552713>.