Psicodélicos e terapia: a orientação psicodelítica

por Fernando Beserra .:.

Entre as décadas de 1940 e 1970 houve um crescimento incrível das psicoterapias com psicodélicos. Milhares de pesquisas surgiram e abundou-se o debate sobre os modelos ideais para o manejo terapêutico durante uma sessão com psicodélicos. Uma das grandes disputas foi entre um modelo que ganhou muita força na Europa, denominada Psicoterapia Psicolítica e um outro modelo, preponderante nos EUA e Canadá, denominado Psicoterapia Psicodélica. Não há dúvidas da importância da descoberta do LSD-25 para este cenário, mas igualmente do cenário político e cultural que se formava. Em 1947, W. Stoll publicou o primeiro estudo dos efeitos psíquicos do LSD na Suíça. Já em 1949, Condrau sugeriu o uso terapêutico da, atualmente famosa, dietilamida de ácido lisérgico. Diversos pioneiros seguem estas reflexões sobre as possibilidades terapêuticos do novo fármaco. Na Inglaterra pesquisas foram iniciadas pelo psiquiatra junguiano Sandison, mas também por Spencer e Whitelaw; nos Estados Unidos, por Johnson e Abramson e na Alemanha por Frederking (GROF, 1980). Entre 1950 e 1970 houve um desenvolvimento ímpar para as psicoterapias com psicodélicos, particularmente com o LSD, proibido nos EUA em 1966. Durante este período desenvolveram-se distintas terapias e manejos terapêuticos, a exemplo da psicoterapia psicolítica (Sandison), da terapia psicodélica (Osmond), da simbolisis (van Rhijn), da hebesintese (Abramson), da liserganálise (Giberti e Gregoretti), da oneiroanálise (Delay), da análise com LSD (Martin e McCririck), da terapia transintegrativa (MacLean), do tratamento hipnodélico (Levine e Ludwig) e da psicosintese (S. Roquet) (GROF, 1980).

Aqui no Portas da Percepção já abordamos algumas das possibilidades de manejo terapêutico com psicodélicos, a exemplo da terapia hipnodélica e da anaclítica, além de textos sobre a história da psicoterapia com psicodélicos. Os mesmos encontram-se no final da postagem (outros textos no Portas da Percepção sobre o tema).

Dentre as duas grandes abordagens no início da terapia psicodélica, em especial com LSD, pode-se dizer que a psicoterapia psicolítica formou-se em grande medida na Europa, com o desenvolvimento da Medical Society for Psycholytic Therapy. O termo psicolítico foi cunhado no início dos anos de 1960 por Ronald Sandison na intenção de reunir a análise junguiana (psicologia analítica) à psicoterapia aliada ao uso de LSD. Proveniente da raiz lytic, do grego lutikos, estar apto à, indica a habilidade dos psicodélicos de reduzir os mecanismos de inibição de imagens, emoções e memórias do inconsciente. A terapia psicolítica utilizava doses baixas a média para ampliar o sucesso terapêutico, permitindo um aprofundamento da análise (HILL, 2013). Também houve o uso da psicanálise de outras orientações, como a freudiana, no campo da terapia psicolítica.

Enquanto isso, nos EUA e Canadá, formavam-se terapeutas naquilo que veio a ser denominado terapia psicodélica. Uma sociedade também se formou, neste caso, a Association for Psychedelic Therapy. Os terapeutas psicodélicos usavam doses altas e um número menor de sessões psicodélicas do que na terapia psicolítica; outrossim, a terapia psicodélica era mais rápida. Um dos importantes centros da terapia psicodélica foi o Spring Grove State Hospital, que trabalhou grande período influenciada pelo modelo canadense da terapia psicodélica. A partir de 1950 formou-se um grupo de pesquisadores dos psicodélicos neste Hospital. Em seu primeiro estudo, o grupo buscou caracterizar os efeitos do LSD em pacientes crônicos, hospitalizados e diagnosticados com esquizofrenia. Alguns resultados incríveis foram encontrados, inclusive na esquizofrenia catatônica. Uma mudança importante aconteceu após a entrada no grupo do psiquiatra tcheco Stanislav Grof, em 1968. Além disso, na década de 1960 o grupo já fora influenciado por pesquisas que estavam relacionadas a outro grupo de pesquisa, liderada pelo psicólogo estadunidense Timothy Leary. Grof havia realizado grande treinamento na orientação psicolítica e havia desenvolvido grande compreensão da fenomenologia da experiência psicodélica (YENSEN; DRYER, 1992). Grof propôs um paradigma que compreendesse a experiência psicodélica para além da ciência tradicional e que as próprias crises psicodélicas seriam oportunidades de transformação de um sistema integrado. O processo terapêutico seria fundamental para o aprofundamento das experiências; muitas vezes, no contexto simbólico/experiencial de morte-renascimento, experiências que pareciam terríveis transformavam-se em experiências místicas e de união com o cosmos (YENSEN; DRYER, 1992).

Com o aprofundamento das pesquisas no hospital de Spring Grove, houve uma aproximação da terapia psicodélica e da terapia psicolítica. Grof apresentou uma palestra em 1969 na European Psycholytic Association na qual apresentou o nome paradigma psicodelítico (YENSEN; DRYER, 1992), isto é, uma visão que envolvia um referencial psicodinâmico – com ênfase nas dinâmicas perinatais, transpessoais e na relação consciente-inconsciente – com a terapia psicodélica, com doses altas e em um número menor de ocasiões. O número de sessões com os pacientes aumentou (em relação a terapia psicodélica) e as sessões passaram a ter doses mais altas de LSD. O referencial desenvolvido era otimista em relação a importância terapêutica quase intrínseca dos psicodélicos – em ambientes propícios. Com o desenvolvimento desta orientação, finalmente, Grof chegou ao que denominou terapia holotrópica…. mas esta já é assunto para um outro texto.

Referências:

GROF, S. LSD Psychoterapy. California: Hunter House, 1980.

HILL, S. Confrontation with the unconscious: jungian depth psycology and psychedelic experience. New York-London: Maswell Hill Press, 2013.

YENSEN, R. DRYER, D. Thirty years of psychedelic research: the spring grove experiment and its sequels. Based on an address to the European College of Consciousness (ECBS) International Congress, Worlds of Consciousness. Germany, set. 1992.

Outros textos no Portas da Percepção sobre o tema:

BESERRA, F. R. Psicoterapia com LSD: riscos e resoluções. Em: Hempadão. https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/pt/infumacao/portas-da-percepcao/3137-psicoterapia-com-lsd-riscos-e-resolucoes.html

BESERRA, F. R. Psicoterapia psicodélica: terapia hipnodélica. Em: Hempadão. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/pt/infumacao/portas-da-percepcao/2244-psicoterapias-psicodelicas-terapia-hipnodelica.html>.

BESERRA, F. R. Breves palavras sobre o uso terapêutico do LSD. Em: Hempadão. Disponível em: <http://hempadao.blogspot.com.br/2013/02/breves-palavras-sobre-o-uso-terapeutico.html>.

BESERRA, F. R. Psicoterapia assistida com LSD: novos estudos. Em: Hempadão. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/pt/infumacao/portas-da-percepcao/1848-psicoterapia-assistida-com-lsd-novos-estudos.html>.