Plantas Enteógenas, Plantas-Professoras

Salve amigos! No Portas dessa semana compartilho um ensaio muito interessante, que trata de dois temas que considero totalmente interconectados: enteogenia e ecologia. Quando me deparei com o texto do ensaio, fiquei positivamente surpresa, uma vez que são escassas as leituras sobre plantas enteógenas, xamanismo e afins e que, ao mesmo tempo, abordam sobre o meio e o ambiente, num contexto mais amplo.

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Um Outro Mundo Verde – Psicodélicos e Ecologia (Another Green World – Psychedelics and Ecology – título original) foi escrito por Daniel Pinchbeck e compõe o livro Manifesting Minds, que é uma compilação de artigos sobre enteógenos e substâncias visionárias, xamanismo e sua relação com corpo e mente. Além de Another Green World – Psychedelics and Ecology, o livro contém entrevistas com Timothy Leary e Aldous Huxley, além de contar com a colaboração de Albert Hoffman. Numa visão intrigante e interessante, Daniel Pinchbeck tráz uma breve reflexão sobre a natureza humana e a natureza em si. Confiram:

 

Um Outro Mundo Verde – Psicodélicos e Ecologia

(por Daniel Pinchbeck, traduzido e adaptado do original)

Tenho uma tendência em ver os psicodélicos que ocorrem naturalmente como sendo emissários de uma comunidade de vida muito maior, como se eles abrigassem toda a sabedoria anciã de cada espécie dessas plantas. Como proposto pelo fitoterapeuta Morgan Brent, é como se o mundo vegetal tivesse atribuído a certas plantas a missão de serem diplomatas e professores da jovem e confusa espécie humana, buscando nos mostrar um caminho diferente do que este que escolhemos, pelo qual estamos dizimando outras espécies e caminhando para nossa própria extinção. Ou então como explicar as mensagens consistentes recebidas a partir de experiências visionárias com ayahuasca, iboga, cogumelos mágicos ou peiote, as quais parecem nos alertar sobre a necessidade de sermos responsáveis, e despertar-nos para uma grande sensibilidade e consciência de Gaia?

Da mesma forma que cultivamos plantas em nossos jardins, plantas-professoras, como ayahuasca, parecem atuar como nossos jardineiros quando as ingerimos. Durante rituais xamânicos, muitas pessoas costumam receber mensagens diretas sobre como transformar as suas vidas. Às vezes, essas experiências levam a revelações tamanhas que as pessoas percebem o quão radical é seu apego às dietas medíocres, relacionamentos ou empregos. Em muitos casos, o despertar de consciência acaba por levá-las a filtrar essas influências negativas de suas vidas.

Parece haver uma ligação entre a perda dos costumes xamânicos no mundo ocidental e o surgimento de uma cultura humana que trata a natureza como algo alienado à essência humana, fora de nosso contexto de vida. A recuperação da consciência do quê são os psicodélicos, com a ascensão do movimento hippie na década de 1960, coincidiu com o nascimento do movimento ambientalista, e talvez tenha servido como inspiração ao mesmo. A crença em um mundo objetivo, de fatos relevantes, cuja realidade aparente era constantemente reiterada pela ciência e pela mídia, fez com que a humanidade perdesse o acesso aos modos primordiais e participativos de vivência, tradicionalmente praticados por culturas indígenas. O ser humano nega o próprio conhecimento inato de sua interação com o mundo natural, que não só nos envolve, mas também nos constitui, afinal até mesmo nossos corpos são ambientes contendo uma biodiversidade imensa de seres microbianos.

Gregory Bateson brilhantemente cunhou a expressão “ecologia da mente”, que em princípio significa dizer que, conjuntamente com a ecologia exterior que vemos na natureza, há uma ecologia interior, que consiste em nosso processo de pensamento e tendências emocionais. Parece que nossa ecologia interior e exterior refletem e reforçam uma à outra. Em um nível macro, nossa sociedade atual é uma projeção dos pensamentos e ideias coletivas, desenvolvidas por gerações passadas.

Para talvez mudar o rumo da sociedade humana atual, fadada ao fracasso, precisamos limpar o lixo velho e evoluir novas vias de pensamento e sentimento o mais rápido possível, a fim de renovar nossa ecologia mental e emocional. Plantas-professoras e as experiências visionárias desencadeadas por elas parecem desempenhar um papel crucial neste processo. Vários livros têm sido publicados recentemente revelando a importância de psicodélicos no desenvolvimento do computador pessoal e da internet. Muitas das teorias e descobertas cruciais em biologia e física foram inspiradas em experiências psicodélicas. A percepção de interconectividade, a unidade de todos os seres e os desdobramentos em infinitos fractais podem indicar o potencial para um salto quântico na consciência humana, para um novo estágio de consciência que transcende e inclui os níveis anteriores, como o que o filósofo Jean Gebser chamou de “estruturas de consciência”.

Suponho que psicodélicos desempenham um importante papel no processo de evolução da espécie humana – agindo num movimento de uma estrutura da consciência para a próxima. Uma hipótese é que podemos estar no limiar de uma mudança da fase biológica e física de nossa evolução para a fase psíquica. O que quer que vem a seguir, qualquer futuro para a nossa espécie, será ecologicamente estrito, e os conhecimentos botânicos que instintivamente herdamos de nossos antepassados podem nos fornecer informações essenciais para nossa continuidade.

clip_image004A leitura deste ensaio trouxe-me à memória algumas teorias sobre evolução e comportamento humanos. De acordo com Desmond Morris, pesquisador do comportamento humano, autor do livro O Macaco Nu, ao abandonarmos nossos hábitos e costumes ancestrais relacionados à vida na floresta, ao “evoluirmos” para a “civilização”, deixamos de perceber e incluir a natureza como parte de nossa essência. Outros pesquisadores dizem que, com isso, estamos perdendo importantes funções cerebrais. Quem nunca ouviu o famoso dizer que “usamos apenas 10% de nossa capacidade cerebral”? Como bem colocado por Daniel Pinchbeck neste ensaio, enteógenos e psicodélicos atuam expandindo nossa consciência sobre o que nos cerca e sobre nós mesmos, mas todos esses estados conscientes estão adormecidos dentro de nós mesmos, bastando ser acessados. Fico imaginando a maravilha que seria a sociedade humana se usássemos pelo menos 50% de nossas capacidades…

O ensaio original em inglês pode ser acessado aqui.