Pintura e Psicodelia! [Portas da Percepção Ed. 290#]

por Fernando Beserra

Dediquei um período de minhas pesquisas à relação entre as artes plásticas e o uso de psicodélicos. Não apenas um período, minha dissertação de mestrado se aproximou sobremodo deste tema. Pesquisei a experiência de estudante universitários fomentada por um conjunto de obras de arte do artista Alex Grey. A dissertação já se encontra disponível para download no site do Núcleo de Estudos Interdisciplinar sobre Psicoativos. Só baixar AQUI.

 

Alex Grey, para quem não o conhece, é um artista estadunidense, filho de Walter e Jane Velzy, nasceu em Columbus, Ohio. Suas pinturas, após um período dialogando com a performance, principalmente com o chamado actionismo vienense, encontram-se localizadas no que foi designado Arte Visionária. Definir Arte Visionária é um grande desafio, mas pode-se dizer que ela vem na esteira histórica do Surrealismo (sur-realisme, além do realismo) e da Arte Fantástica. A Arte Visionária é um nome utilizado para definir um estilo de arte no qual o artista visa produzir suas obras relacionando-as, diretamente, a visões provenientes de estados não-ordinários de consciência. Para produzir estes estados, diversos artistas visionários utilizam substâncias psicodélicas. O artista Laurence Caruana, autor do Manifesto da Arte Visionária (traduzido por Mikosz), por exemplo, considerou durante anos sua planta professora a cannabis. Até os 33 anos, Caruana considerou:

[…] cannabis sendo minha planta aliada primária, uma vez que me permite participar em dois mundos simultaneamente: o mundo visionário e o mundo de nossas percepções compartilhadas. Sob sua influência, eu posso mover e avançar entre a percepção alterada e a percepção “normal”, a qual é essencial para um artista enquanto pinta ou visualiza um trabalho (em MIKOSZ, 2009, p.151).

Com Alex Grey não foi diferente. Sua grande transformação rumo a sua arte veio do uso do LSD. Em 1976, Alex Grey teve uma experiência que o transformou significativamente: tratou-se de uma experiência com LSD junto a uma jovem que conhecera e que viria a ser sua esposa até os dias atuais, a artista Allyson Rymland Grey. Na experiência, Grey (2001a) relatou um estado além do nascimento e morte, além do tempo, considerado por ele como um encontro com sua verdadeira natureza. A importância da ampliação da consciência na arte, particularmente nestas modalidades de arte, é inegável. A partir disso, pode-se identificar um aspecto importante do uso de psicodélicos que não se refere a danos, mas, ao contrário, trata-se de uma potencialização da saúde psíquica e de uma otimização da criatividade.

A arte de Alex Grey tornou-se referência na cultura enteogênica, entre psiconautas. Ela age como uma espécie de psicoscopio, amplificando a experiência da corporalidade (como sentimos nosso corpo) e a interação entre nossos corpos e o ambiente julgado externo. Com efeito, não é novidade aos psiconautas, aquele que viajam nos espaços mentais por intermédio do uso de um psicodélico, que a realidade pode ser dissolvida produzindo a sensação de unidade entre ser e cosmos. Grey busca retratar estas experiências. Isso também será feito por outros artistas, como as maravilhosas pinturas de Amanda Sage ou as visões da ayahuasca brilhantemente pintadas por Pablo Amaringo.

O homem ocidental contemporâneo sofre de muitos problemas, dentre os quais, um afastamento de seu inconsciente, em nome de uma suposta razão. As arte fantásticas permitem que reconhecemos com maior clareza, tal como no uso de drogas psicodélicas, todo potencial daquilo que podemos ser. A ampliação da consciência promove a sua renovação, transformando os estados mentais e descontruindo certezas condicionadas. Segundo o psiquiatra suiço Carl Gustav Jung, criador de uma importante teoria psicológica, nosso inconsciente não é composto apenas por aquilo que reprimimos em nós mesmos, mas igualmente por uma série de potenciais inexplorados. Se os psicodélicos permitem que acessemos estes estados, o que requer grande responsabilidade, a Arte Visionária torna-os materializados em incríveis obras de arte. Estas obras não tem a finalidade apenas estética, de contemplação, mas, efetivamente, de transformação de seus espectadores.

Albert Hoffman, o químico suíço que sintetizou o LSD, descreve da seguinte forma a obra de Alex Grey:

O trabalho de arte de Alex Grey traz junto os tangíveis mundos exteriores investigados pelos cientistas – cheio de moléculas, corpos e estrelas – e os intangíveis mundos visionários interiores – cheios de luzes, sombras e seres espirituais – conhecidos principalmente pelos místicos. […] Informado por suas próprias meditativas e psicodélicas experiências, ele criou uma arte contemporânea sagrada que promove a integração transformadora do corpo e da alma. Seu trabalho ricamente descreve a infinitude, terror, e majestade da divina imaginação misteriosa.

Referências:

BESERRA. Fernando Rocha. Experienciando a Arte Visionária: uma compreensão junguiana da interação de estudantes com a obra de Alex Grey. 2014. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

Paulo, 2014MIKOSZ, José Eliézer. A Arte Visionária e a ayahuasca: representações visuais de espirais e vórtices inspiradas nos estados não ordinários de consciência (ENOC). 2009. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.