Paradoxos da Guerra às Drogas

Fonte: Medium

A análise mais profunda de duas reportagens sobre drogas deste final de semana revelam alguns dos paradoxos nos quais se assentam as políticas de substâncias psicoativas nos tempos atuais.

O “Estadão” denuncia uma “feira livre” onde toda sorte de drogas ilegais é comercializada a poucas quadras da Avenida Paulista, como se fossem guloseimas vendidas por ambulantes. Os apelidos de algumas delas — “doce” para o LSD e “bala” para o ecstasy — reforçam tal impressão, ainda mais porque uma parcela considerável da clientela é composta por jovens que não têm idade suficiente para entrar nas boates da região.

O programa Fantástico apresenta duas novas drogas: a metilona, vendida frequentemente como ecstasy, que deveria supostamente ter como princípio ativo o MDMA, e o 25I-NBOMe, muitas vezes entregue no lugar do LSD. Esses psicoativos mais recentes ainda não são ilegais no Brasil, mas os parcos relatos disponíveis dão conta de que eles são aparentemente mais perigosos do que as drogas ilegais cujos efeitos mimetizam.

Respostas bruscas e automáticas não tardarão. O governador Alckmin já deixou claro que a festa na Peixoto Gomide não terá mais lugar. Entretanto, não é difícil apostar que o mercadão encontrará outro espaço para existir. A Anvisa tem uma reunião marcada sobre os baratos legais, e provavelmente não teremos que esperar muito para que a nova lista da agência inclua a metilona e o NBOMe. Até, claro, que se mude um radical químico dessas moléculas e novas drogas legais apareçam.

As contradições estão claras, embora escapem a quem ficou surdo pelo grito estridente que aponta as drogas como um inimigo em si, sem olhar para a vida do usuário ou o contexto social de uso. Em relação ao acesso a drogas ilícitas, onde tudo é proibido e nada é regulamentado, obter substâncias, para o público que menos deveria utilizá-las, é mais fácil do que entrar em casas noturnas cuja atividade legal é fiscalizada. Se a ciência já reabriu a discussão sobre o uso terapêutico do MDMA e do LSD, são estas as mesmas substâncias que estão sendo substituídas na rua — muitas vezes de forma inadvertida — por drogas menos conhecidas e confiáveis.

Além do que simplesmente instituir o tratamento de dependentes, considerando que a maioria dos jovens neste cenário é de usuários, ações pragmáticas de redução de danos e de educação franca sobre os efeitos e riscos das drogas são necessárias. Mais do que meramente instigar a repressão, é preciso entender que a polícia fica, em um contexto proibicionista, à mercê do dinheiro fácil da corrupção, e que nossas cidades ainda têm um monstruoso déficit de equipamentos culturais para a juventude. Em última análise, não se deve temer se considerar, ao menos, a possibilidade de que a proibição das drogas faça mais mal à saúde do que a sua regulamentação.