O que determina a pena de quem planta maconha em casa

No final de março, um médico de 29 anos foi preso após a polícia encontrar dois pés de maconha, uma estufa para cultivo e uma porção da erva em sua casa em Porto Alegre. Ele foi autuado por tráfico de drogas, apesar de não haver confirmação de que vendia o produto. À polícia, ele alegou que a maconha era para consumo próprio e que sequer sabia que era crime plantar a droga.

Fonte: Nexo

Esse tipo de questão pode se tornar cada vez mais comum conforme se populariza o cultivo de maconha em casa. Em 2010, a perícia da polícia federal do Rio Grande do Sul realizou 34 laudos sobre sementes de maconha apreendidas enviadas principalmente da Holanda. Em 2014, foram 10 mil, números que apontam para o aumento da prática, segundo o advogado Emílio Nabas Figueiredo, que defende usuários de maconha para fins medicinais.

Também houve um salto na apreensão de maconha prensada. Foram 111,2 toneladas em 2012 e 220,7 em 2013, segundo dados da Polícia Federal.

O que diz a lei

É a lei 11.343 de 2006 que define o que acontece com quem é pego cultivando maconha. As penas são as mesmas aplicadas para quem apenas porta a erva: duras para quem trafica e bem mais brandas para quem produz para consumo próprio.

A rigor, consumir maconha é crime no Brasil, apesar de as penas nesses casos serem leves. Quem planta maconha para consumo próprio pode ser punido com advertência sobre o efeito das drogas, prestação de serviços à comunidade e exigência de comparecimento a programa ou curso educativo. Se a finalidade for tráfico, as penas podem ser reclusão (5 a 15 anos) e multa.

Por que críticos consideram a lei subjetiva

Uma das críticas à legislação sobre drogas é de que ela cria critérios subjetivos e nebulosos para definir se uma plantação ou porções de drogas apreendidas são  para consumo próprio ou para tráfico. O juiz se baseia no que dizem a polícia e o Ministério Público sobre onde e como a droga foi apreendida e a conduta do acusado.

A lei 11.343/2006 diz o seguinte:

“Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.”

Inciso 2º do artigo 28 da Lei 11.324 de 23 de agosto de 2006

Ou seja, para que o dono dos pés de maconha seja acusado de tráfico não é necessária prova de que tenha vendido o produto.

Há casos de pessoas condenadas por tráfico que cultivaram menos de 40 pés e outros em que donos de mais de uma centena foram absolvidos.

Em 2012, Geraldo Antonio Batista, ou Rás Geraldinho Rastafári, foi preso após a polícia encontrar 37 pés de maconha plantados na igreja rastafári que liderava, a Primeira Igreja Niubingui Etíope Coptic de Sião do Brasil. Batista foi condenado a 14 anos de prisão e a pagar uma multa de R$ 2.132 pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico.

Na sentença, o juiz se embasa em testemunhos de jovens que afirmavam ir ao local para fumar maconha como alternativa a comprar a droga em bocas de fumo. Ele também ressalta a cobrança de R$ 10 para frequentar o culto para sugerir que o contexto religioso servia de fachada para o comércio de droga.

“A quantidade expressiva é forte indício do comércio ilícito, que aliada às demais circunstâncias servem para a certeza necessária para a prolação de um decreto condenatório”

Eugênio Augusto Clementi Júnior, Juiz que decidiu pela prisão de Geraldinho Rastafári em maio de 2013

Em 2014, Geraldinho teve negada a revisão da sua pena pelo Superior Tribunal de Justiça. Há campanhas nas redes sociais pedindo sua libertação.

Em 2010, um professor universitário e seu filho jornalista foram presos por cultivarem 108 pés de maconha, alguns deles com mais de 1,70 metro de altura, em estufas e ao ar livre. Os pés de maconha foram encontrados em uma cobertura no Recreio dos Bandeirantes, região valorizada da zona oeste do Rio de Janeiro. “Eles ficaram presos por três meses, foram condenados como usuários e pagaram apenas uma cesta básica”, afirma Figueiredo.

Para especialistas, o espaço para subjetividade pode causar distorções nas sentenças. Em entrevista à BBC Brasil, o ex-secretário Nacional de Justiça Pedro Abramovay afirmou que:

“Como as nossas estruturas de desigualdade são muito fortes, o critério acaba sendo este: se a pessoa é pega na favela, ela é traficante, se é pega fora, é usuário. O juiz só vai analisar o caso com cuidado lá na frente, e acaba chancelando a decisão da polícia”,

Pedro Abramovay

Ex-secretário Nacional de Justiça e diretor para a América Latina da Open Society Foundations, organização que tem a questão das drogas como uma das áreas de atuação

Segundo a rede Justiça Criminal, a lei de 2006 impactou em um aumento na população carcerária. Há dez anos, 47 mil pessoas estavam presas por crimes de drogas (14% do total), de acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional. Sete anos depois, em 2013, eram 138 mil condenados por tráfico – ou 1 a cada 4 presos. “A falta de parâmetros e clareza sobre a diferenciação tem condenado usuários como traficantes. Percebe-se a falta de uma previsão ou consenso acerca da quantidade de droga capaz de configurar o crime de tráfico e a dispensabilidade de provas”, diz a Rede Justiça Criminal.

Levantamentos de entidades como o Instituto Sou da Paz e o Núcleo de Estudos da Violência mostra que a maior parte das pessoas presas e condenadas por tráfico é pobre, preta ou parda e tem baixa escolaridade. Além disso, a maioria não foi flagrada cometendo atos de violência. 

 

Projeto de lei quer definir quantidade fixa para definir tráfico de maconha

Aguarda votação pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado o projeto de lei da Câmara 37/2013, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). Um parecer aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado sobre o projeto prevê a definição de um patamar mínimo de quantidade de porte de drogas para diferenciar usuário e traficante.

Essa quantidade seria definida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e equivaleria ao suficiente para o consumo individual em cinco dias. O tema tem sido discutido em audiências públicas acaloradas no Senado.

Entidades de várias áreas, desde saúde (como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a Fundação Oswaldo Cruz e a Associação Brasileira de Saúde Mental) a direitos humanos, como a Conectas, Tortura Nunca Mais e Justiça Global, se posicionaram contra a proposta. Em carta divulgada em 2013, afirmam que o projeto aumenta os custos do Estado e reduz as liberdades individuais.

“Ele será um instrumento catalisador do estigma carregado por pessoas em sofrimento, da política de encarceramento em massa de pobres, da criminalização dos usuários, presos indistintamente como traficantes, da indústria de internações forçadas, sabidamente ineficazes como tratamento”

Nota pública contra a urgência na tramitação do PLC 37/2013

 

No mundo, cresce o debate pela descriminalização

Em números gerais, o comércio de maconha corresponde a metade dos US$ 30 bilhões do mercado de drogas ilícitas global, movimentado por cerca de 250 milhões de usuários.

Mundialmente, a descriminalização é debatida como medida para retirar das mãos do crime o controle sobre a droga e os lucros que esse mercado proporciona. Em fevereiro, a revista britânica “The Economist”, de postura liberal, defendeu a liberalização da droga

O tema será discutido em uma sessão especial da Organização das Nações Unidas sobre drogas, que acontecerá nos Estados Unidos neste mês. No evento, a discussão de políticas de drogas será feita sob uma perspectiva de saúde pública – iniciativas como o impacto da descriminalização das drogas em Portugal estão na pauta, por exemplo.