Na Califórnia, vender maconha é cada dia mais parecido com um negócio

Depois de prosperar durante décadas em quintais e porões esfumaçados, a mais notória das safras da Califórnia, a maconha, está emergindo dos subterrâneos em direção a uma era decididamente capitalista.

Fonte: Folha

Sob uma nova lei estadual, as empresas que trabalham com maconha poderão ter fins lucrativos —o que estava proibido desde 1996, quando a Califórnia se tornou o primeiro Estado norte-americano a legalizar o uso médico da cannabis —e os limites quanto ao número de pés de maconha que um agricultor pode cultivar serão eliminados.

A abertura do setor de maconha no Estado aos dólares das grandes empresas causou uma corrida insana, com investidores de fora do Estado, varejistas de maconha e municípios com problemas de caixa correndo para ganhar seu quinhão naquilo que, para todos os fins práticos, é um novo setor econômico na Califórnia: cultivo de maconha legalizado e em larga escala.

Com amplas expectativas de que o eleitorado venha a aprovar o uso recreativo de maconha, em um referendo em novembro, a Califórnia, já o maior mercado legal de maconha, reluz com a promessa de lucros muito mais altos do que as lojas e plantadores de maconha do Oregon e Colorado, os dois primeiros Estados a legalizar o uso recreativo, foram capazes de obter.

“As pessoas estão claramente salivando pelo mercado da Califórnia”, disse Troy Dayton, presidente-executivo do ArcView Group, uma companhia de pesquisa da região de San Francisco que se especializa em maconha. “É imenso, e os californianos amam muito a maconha.”

Em busca de novas fontes de arrecadação, cidades na região desértica do sul da Califórnia, como Adelanto e Desert Hot Springs, correram para estar entre as primeiras a permitir o cultivo comercial de maconha. O preço das terras em Adelanto quase triplicou, repentinamente, quando empreendedores adquiriram absolutamente todos os lotes em que cultivo de maconha era permitido —a maior parte deles em regiões completamente desertas, marcadas pela presença de árvores esparsas e bolas de feno rolando ao vento.

Celebridades que durante anos apoiaram o uso livre da maconha também querem participar da festa. Músicos como Snoop Dogg e Ky-Mani Marley, um dos filhos de Bob Marley, vêm conversando com as autoridades sobre o licenciamento de maconha cultivada por aqui.

Em meio ao frenesi, porém, cresce a ansiedade, em algumas partes do Estado, quanto à possibilidade de que o dinheiro das grandes empresas expulse não só os pequenos agricultores como os valores hippies que têm importância essencial para o lugar que a maconha ocupa na cultura californiana.

Tommy Chong, famoso como parte da dupla de comediantes Cheech e Chong, é há muito sinônimo da cultura dos foras da lei e drogados californianos. Ele sempre cultivou sua própria maconha, e produz bongs artesanais em sua casa em Los Angeles. Agora, está negociando com uma grande empresa para licenciar sua marca de maconha legal.

“Se os conglomerados quiserem entrar, minha resposta é: Deus os abençoe —diminui o trabalho para mim”, disse Chong, 77, em entrevista por telefone.

“A moda muda, os cabelos mudam”, disse Chong. “Todos passamos por mudanças culturais.”

Mas Patrick Harris, que cultiva maconha no condado de Humboldt, uma área luxuriante no noroeste do Estado conhecida por sua maconha de alta qualidade, disse que já acompanhou a “tomada de controle corporativa” sobre o setor de maconha em muitos outros Estados.

“Na Califórnia, especialmente em Humboldt, temos um código de conduta: respeitar a terra e respeitar as pessoas”, ele disse. “Não quero que essa cultura seja substituída por caras usando ternos de US$ 5 mil.”

Nos Estados Unidos, 23 Estados permitem alguma forma legal de uso de maconha, e 20 vão considerar referendos para aliviar ainda mais as restrições este ano.

A Califórnia está agora realizando o maior esforço na história do país para tirar a maconha do mercado negro. As vendas de maconha medicinal na Califórnia atingiram US$ 2,7 bilhões no ano passado, e responderam por quase metade das vendas legais da substância nos Estados Unidos, de acordo com a ArcView e a New Frontier, outra companhia de pesquisa sobre a maconha. A aprovação do uso da maconha recreativa, em novembro, poderia dobrar esse mercado até 2020, dizem os especialistas.

A lei entrará em vigor plenamente em 2018, quando uma autoridade de maconha medicinal instituirá licenciamento, teste de produtos e acompanhamento “da semente à saída da loja”. Apesar de as transações terem de continuar a ser pagas em dinheiro —regras do governo federal proíbem bancos de fazer negócios com empresas que cultivem, vendam ou processem maconha—, todo o setor estará aberto.

“A maconha começou como contracultura”, disse Ryan McIntosh, plantador de cannabis. “Creio que haverá pessoas que não desejarão comprar de grandes grupos.”

Ainda assim, McIntosh, 42, disse estar ansioso por uma nova era, na qual não precisará mais ter medo de que seus filhos o vejam detido pela polícia. “Não quero mais me esconder”, ele disse.

NO DESERTO

Adelanto, uma comunidade de vida árdua no altiplano do deserto, a nordeste de Los Angeles, espera se tornar um polo muito diferente do condado de Humboldt, no que tange à maconha. Visualizando uma fileira de estufas de alta tecnologia para cultivo num lugar onde hoje só existe deserto, o prefeito Richard Kerr disse que os agricultores provavelmente teriam de construir centrais de energia solar a fim de bancar toda a energia necessária a produzir mais de cem toneladas de maconha por ano.

Ele estimou que a arrecadação tributária anual gerada pelo influxo de agricultores interessados em plantar maconha poderia superar os US$ 10 milhões, exatamente o montante do orçamento total do município no ano passado.

Dada a seca que continua no Estado, os agricultores já começaram a se divulgar como ecológicos, a despeito de toda a eletricidade necessária a cultivar maconha em ambientes fechados.

“Todos eles têm sistemas de irrigação que conduzem a água para a terra, onde podem reciclá-la”, disse Kerr. “Estamos tentando nos manter no lado ecológico da coisa, por aqui.”

Enquanto vendia biscoitos com sua neta bandeirante, diante de um supermercado, Sherree Harris-Johnson, 57, disse ter mudado de ideia sobre a maconha depois de ser informada de que as empresas de maconha teriam de contratar metade de seu pessoal localmente. O desemprego continua acima dos 10% em Adelanto, e prisões são o principal empregador.

“Tudo que quero é que eles tragam alguns empregos”, disse Harris-Johnson.