Metilona: que onda é essa?! [Portas da Percepção 422#]

Um dos grandes problemas no consumo de balas/ecstasy e MD no Brasil é a adulteração destas substâncias, que alcança índices acima de 50%. Em um festival que participei das ações de redução de danos pela Associação Psicodélica do Brasil (https://www.facebook.com/associacaopsicodelica/?fref=ts), observamos que 40% das amostras não continha MDxx, mas indicavam a presença de anfetamina e metilona/butilona. Em levantamento, realizado entre 2011 e 2012, a Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo, em parceria com a Fapesp, demonstrou, por meio de cromatografia gasosa e espectrometria de massa (GC-MS), que apenas 44,7% dos comprimidos de ecstasy apreendidos continham MDMA (MORRIS, 2012; TOGNI e outros, 2014). Neste estudo, os maiores adulterantes foram a metanfetamina, em 22% das amostras de ecstasy, e a cafeína (TOGNI e outros, 2014).

por Fernando Beserra

O nome “metilona” já caiu na boca da galera e muitos estão cientes de que esta droga, conhecida como um bath salt nos EUA, é uma das drogas vendidas como MD ou ecstasy. Seu nome é 3,4-metilenodioximetacatinona e pertence à família das catinonas sintéticas e das fenetilaminas. O nome sais de banho (Bath salts) refere-se às catinonas (2-amino-1-phenyl propanon) sintéticas, isto é, substâncias inicialmente derivadas das folhas do estimulante africano e da península arábica conhecido como kaht (Catha edulis), mas, no caso das sintéticas, são produzidas em laboratório (PEARSON e outros, 2012). Trata-se de substâncias com o perfil estimulante; a catinona, inclusive, é bastante semelhante quimicamente às anfetaminas (IVERSEN, 2010) e possuí substâncias atualmente comercializadas como medicamentos, a exemplo do antidepressivo atípico bupropiona (Zyban; Bup; Wellbutrin). Dentre as catinonas sintéticas pode-se citar a metilona (bk-MDMA[1]), mas também a mefedrona e o MDPV, por exemplo. A metilona foi criada apenas em 1994 pelo famoso químico Alexander Shulgin, autor de Phikal e Thikal, livros clássicos da ciência psicodélica, em conjunto com o químico Peyton Jacob III (AZARIUS, s/d). De acordo com Boulanger-Gobeil e outros (2012) a metilona teria sido sintetizada em 1996; no entanto, ao que parece, a mesma foi patenteada neste ano, como antidepressivo e antiparkinsoniano.

A substância possuí propriedades estimulantes e acelera o organismo de forma geral. A metilona chegou a ser comercializada nas smartshops e outras lojas, em países como Holanda e Japão, com o nome de Explosão (explosion) até sua venda ser proibida em diversos países, inclusive no Brasil. Alexander Shulgin e Ann Shulgin (s/d), relataram que a metilona tem quase a mesma potência do MDMA e embora produza efeitos antidepressivos e positivos, de forma semelhante ao primeiro, não teria a sua magia. A substância aumenta a concentração de dopamina, de serotonina, bem como de norepinefrina em determinadas fendas sinápticas, por meio da inibição de transportadores da reabsorção destas monoaminas (BOULANGER-GOBEIL e outros, 2012).

Os efeitos da metilona iniciam após cerca de 20 a 30 minutos do uso, podendo demorar até 1 hora e 15 minutos para iniciarem; sua duração é de cerca de 2 a 3,5 horas e parte importante dos usuários consideram que a duração é um pouco menor que a do MDMA. Já de acordo com o site Azarius (s/d) o efeito chega a ser, ao menos, duas vezes mais curto do que o do MDMA. Entre seus efeitos, os usuários relatam:

Efeitos positivos Efeitos neutros Efeitos negativos
Aumento da autoestima Ausência de apetite Taquicardia
Prazer Estado de alerta Palpitações
Sentimentos de amor e empatia[2] Midríase Agitação
Aumento da apreciação da música Mudança na percepção do tempo Ansiedade
Maior disposição para se comunicar Convulsões
Amaciamento do ego Hipertermia e hiperpirexia
Desejo de abraçar e beijar Alucinações
Redução do medo Náusea e vômitos
Espasmos musculares
Arritmia

Fontes: Pearson e outros, 2012; EROWID, s/d. (nota: não foram inseridos todos os elementos descritos nas referências, mas escolhidos pelo autor do texto)

Com a adulteração de substâncias no mercado desregulado pelo proibicionismo, muitos usuários passaram a usar, inadvertidamente, a metilona ao invés do MDMA (na bala ou no MD). Em 2011, a American Association of Poison Control Centers reportou, nos EUA, 6.072 chamados para atendimentos relativos a sais de banho, comparados a apenas 303 em 2010. Além dos riscos principais da metilona envolveram, tais como os do MDMA, a hipertermia e a hiperpirexia maligna, que pode gerar a falência dos órgãos, outro risco continua sendo a hiponatremia, devido a retenção de líquidos/urina, o que leva a problemas se houver ingestão de líquidos rápida e excessiva (daí as ações de redução de danos que informam: beba água, mas aos poucos e sem excesso). Ao usuário que pretende utilizar o MDMA nas balas ou MDs uma alternativa rápida e presuntiva é o uso de reagentes colorimétricos como o Marquis, o Simon e o Chen que podem ajudar a identificar as catinonas ou, por outro lado, identificar a presença de MDMA.

Acerca das doses, embora com importantes variações individuais, o Erowid (s/d) estabelece o seguinte quadro:

Doses de metilona via oral
Limiar (dose psicoativa mínima) 60 – 120 mg
Leve 100 – 150 mg
Comum 100 – 250 mg
Forte 160 – 270 mg
Pesada + 250 mg

Fonte: Erowid

Sobre a metilona, dentre os maiores absurdos que já foram ditos, há o mito de que a substância provocaria canibalismo. Se tal mito fosse verdade, o carnaval brasileiro e as festas de música eletrônica, para início de conversa, seriam promotores de cenas dignas de filme terror. Não é o que acontece. Para quem quiser saber um pouco mais sobre este absurdo, pode assistir ao vídeo do Bruno Logan sobre o assunto (https://www.youtube.com/watch?v=ACKBu6_HQqc).

Referências:

AZARIUS. Metilona – enciclopedia. Disponível em: <https://azarius.es/encyclopedia/83/Metilona/>.

BOULANGER-GOBEIL, C.; ST-ONGE, M.; LALIBERTÉ, M.; AUGER, P. L. Seizures and hyponatremia related to ethcathinone and mathylone poisoning. Journal of Medical Toxicology. 2012 (8). p.59-61. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3550214/pdf/13181_2011_Article_159.pdf>.

EROWID. Metilone – Effects. 2005. Erowid. Disponível em: <https://erowid.org/chemicals/mdma/mdma_info9.shtml>.

IVERSEN, L. Consideration of the cathinones. Advisory Council on the Misuse of Drug, 2010. Disponível em: <https://erowid.org/chemicals/4_methylmethcathinone/4_methylmethcathinone_article1.pdf>.

LOGAN, B. Droga do canibalismo, cloud nine e outras balelas – #3. Vídeo. RD com Logan. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ACKBu6_HQqc>.

MORRIS, K. Ecstasy consumido em São Paulo não é ecstasy. Folha de São Paulo. 2012. Disponível em: <http://coletivodar.org/ecstasy-consumido-em-sao-paulo-nao-e-ecstasy/>.

PEARSON, J. M.; HARGRAVES, T. L.; HAIR, L. S.; MASSUCCI, C. J.; FRAZEE, C. C.; GARG, U.; PIETAK, B. R. Three fatal intoxications due to methylone. Journal of Analytical Toxicology, 2012, nº 36 (6), 15 mai. 2012. p. 444-451. Disponível em: <https://academic.oup.com/jat/article-lookup/doi/10.1093/jat/bks043>.

SHULGIN, A.; SHULGIN, A. # 110 MDMC / EDMA Em: PHIKAL: a chemical love story. s/d. Disponível em: <https://erowid.org/library/books_online/pihkal/pihkal110.shtml>.

TOGNI, L. R.; LANARO, R.; RESENDE, R. R.; COSTA, J. L. The variability of ecstasy tablets composition in Brazil. Journal of forensic sciences, v. 60, n. 1, p. 147-151, 2015.

[1] – O bk que antecede o MDMA, quando se fala sobre a metilona, se refere a presença do grupo β-keta. Desta forma, o acrônimo anfetamínico é antecedido pelo prefixo bk pare referir-se a presença do análogo catinônico. P.ex: bk-MDMA (metilona); bk-MBDB (butilona); bk-PMMA (metedrona) (IVERSEN, 2010).

[2] – Há controvérsias. Muitos usuários consideram que a metilona, diferente do MDMA, não é capaz de promover este efeito.