Mais sete coisas que aprendemos na Marcha da Maconha!

Uma crítica sobre a reportagem “Sete coisas que aprendi na Marcha da Maconha” do Jornalista Janes Rossi – Link da reportagem: AQUI

No dia 6 de maio, enquanto milhares de pessoas foram às ruas do país manifestar sua opinião sobre a legalização da maconha de forma pacífica, em Curitiba, a Gazeta do Povo enviou um “jornalista” para cobrir o evento. O resultado é simplesmente lamentável.

“Com ares” de autoridade, o limitado conhecimento do jornalista e seu posicionamento preconceituoso foi traduzido por meio de uma escrita/reportagem precária. Já na introdução, sentado no trono da arrogância, ele parece criticar o Supremo Tribunal Federal por desempenhar seu papel democrático em defesa da liberdade de expressão. Desconsiderando todas as pautas levantada pelos ativistas e incapaz de acreditar no engajamento político dos jovens, afirma que a marcha é “uma oportunidade” anual para jovens fumarem sua erva na frente de policiais. Sério?

Sua insipiência parece não ter fim, transmitindo informações irrelevantes e utilizando um “estilo literário” que podemos chamar de “ironia nonsense”, garante que camisetas do Bob Marley, com cheiro de naftalina, foram tiradas do fundo armário para este evento em específico. Sem acrescentar nada ao leitor além de seus próprios preconceitos e ironias, perde uma bela oportunidade de fazer um paralelo com a história de luta de Bob Marley, que inicialmente foi rejeitado e ridicularizado pela elite jamaicana, mas depois ficou tão importante que foi pivô de uma unificação política marcante na história do país e até hoje é lembrado por sua luta contra desigualdade social e preconceito. Não nos impressionaria se o jornalista não soubesse quem foi Martin Luther King.

A matéria conclui a  introdução afirmando que as melhores pesquisas classificam a cannabis como maléfica. Enquanto na realidade, as melhores universidades do mundo estão indo na direção contrária desta afirmação com alto investimento para descobrir os mecanismos de ação dos medicamentos à base de cannabis e porquê têm tanta eficácia. Então, o que será que ele quis dizer com “melhores pesquisas”? Talvez seja porque considere “melhor” aquilo que concorde com sua própria opinião apenas.

Agora, vamos as sete coisas (ironias) supostamente aprendidas:

1. Menores estão liberadíssimos para fumar maconha

Bom, já podemos reduzir para 6 coisas aprendidas. O jornalista precisou ir à Marcha da Maconha pessoalmente para ver que a maconha está liberada e sendo usada entre os menores? Parece-nos que o jornalista re-inventou um dito popular “o que os olhos não veem, o cérebro não aprende”.

Os jovens são muitas vezes motivados pelo proibido. Tudo que não pode, pode parecer mais interessante e tentador. A coragem nessa idade em avançar além dos limites representa um diferencial do grupo e, muitas vezes, um ritual de passagem. Contudo, a maioria dos jovens que usa maconha na adolescência abandona o uso na fase adulta. Existem riscos, claro, assim como usar sal em excesso, mas a proibição não permite que o diálogo com o jovem seja feito de forma aberta. Por fim, mais importante de tudo, aproveitamos para incentivar o jornalista a entender a diferença entre liberação, legalização e regulamentação. Para seu conhecimento, a maconha não está somente “liberada” para os jovens, ela está “liberada” para todo mundo. Liberação é ausência de regras (nosso modelo de mercado atual para substâncias ilícitas) onde qualquer um pode comprar em qualquer lugar. Desta forma, a preocupação com jovens é um dos vários motivos pelos quais o movimento luta pela legalização por meio de uma regulamentação responsável.

2. Os organizadores não podem fazer nada para impedir menores de fumar maconha, que é mais segura que açúcar, segundo esses mesmos organizadores.

Vamos reduzir para 5 coisas aprendidas. Parece-nos que o jornalista por estar ingerindo açúcar de maneira abusiva, pois um dos sintomas conhecidos desse hábito é a dificuldade de aprendizado. Já que o gosta de buscar informações através de pesquisas direcionadas através do  google, sugerimos trocar as palavras-chave “malefícios da maconha” por “morte mundo açúcar”. Ficará espantado com o resultado. Enquanto não há 1 registro sequer de morte pelo uso da cannabis, o “pó branco” do dia a dia mata anualmente mais de 3 milhões de pessoas. Sabemos que pensar é difícil, mas vamos fazer um exercício: o que fazer para evitar essas milhões de mortes e as dezenas de doenças associadas ao açúcar? Vamos proibir o cultivo da cana e comercialização do açúcar? Queremos tráfico de brigadeiro batizado por 50 reais a unidade? Pessoas armadas até os dentes defendendo uma carga de leite condensado? Diabéticos sofrendo preconceito e tendo atendimento negado nos serviços de saúde? Ou será que, ao invés de criminalizar os usuários de açúcar, não seria mais lógico tratar a questão na esfera da saúde e investir em políticas públicas de educação?

Mas, nem tudo está perdido. Sua observação de colocar na página da marcha da maconha sobre menores faz todo sentido. Não temos como proibir em um local público a presença de menores, contudo, a marcha pode fazer sua parte e enfatizar esta orientação nos seus meios de comunicação.

3.Todo usuário é, antes de tudo, um aspirante a médico

Sem dúvida, este é o principal motivo que nos levou a contra-argumentar essa reportagem. Em tempos de ódio e violência é uma falta de responsabilidade um comunicador atuar de maneira preconceituosa com outros seres humanos e incentivar a intolerância. Sérgio Vidal, escritor, antropólogo, amigo, uma pessoa humana e um excelente profissional. Sem o menor respeito, a reportagem ironiza seu conhecimento adquirido em anos de pesquisa com a colocação “ares de dr. Drauzio”. Temos certeza que o dr. Drauzio adoraria escutar o conhecimento do Sérgio e certamente iniciaria uma discussão de alto nível. E muito certamente faria uma reportagem sem a ironia ácida do “Dr. jornalista”. Expondo sua limitada capacidade como jornalista, ele desperdiça a oportunidade de compartilhar um pouco do vasto conhecimento do antropólogo julgando ser mais importante descrever as roupas de Sergio Vidal e o que está exposto na mesa do autor. Sua intenção em descrever um ambiente contrário aos seus ideais conservadores é clara. A descrição “bermuda, tênis com meias e camiseta regata com folhas de maconha” é completamente desnecessária. Talvez caiba sim num jornal a descrição detalhada dos pés a cabeça sobre as roupas de alguém e até  um julgamento sobre isso, porém numa coluna de moda e não num artigo sobre uma manifestação política. Talvez a direção da Gazeta do Povo devesse investir mais nesse lado “crítico de moda” e menos no “jornalista”.

4.Os maconheiros são grandes frasistas

Se não fosse pela ironia, diríamos que essa realmente aprendeu. Se a intenção era desmerecer as citações pelo conteúdo, você precisa melhorar suas habilidades e não tratar de maneira superficial as informações colhidas. Agora, se for pelo modo coloquial com que os entrevistados se expressaram, você está sendo, mais uma vez, preconceituoso. Mas, vamos te ajudar a interpretar as citações, cheias de conteúdos importantes, que você perdeu a chance de aprofundar:

1. O entrevistado fala da preocupação em relação à maneira como a regulamentação da maconha ocorreria no Brasil (controle do estado como no Uruguai, onde somente o estado define preço? Ou teríamos um modelo capitalista como nos EUA?).

2. De fato, o uso de drogas deve ser tratado na esfera da saúde e não de segurança pública. O entrevistado está corretíssimo, é sim uma incoerência ter a polícia militar nas escolas tentando trabalhar a prevenção com seu modelo atrasado de “resistir às drogas”. Pesquisas não faltam denunciando o fracasso do programa (PROERD) no que se refere a mudanças de atitudes em longo prazo. E ainda, já está mais do que evidenciado que a ideia de que a maconha é “porta de entrada” para outras drogas é vergonhosamente equivocada. Muitos estudos e experiências clínicas têm, inclusive, demonstrado a eficácia do CBD, princípio ativo da maconha, no tratamento da dependência química.

3. Com exceção da parte da proibição do álcool (que já mostrou seu fracasso durante a lei seca nos anos 1920) e do tabaco, a colocação é importantíssima para reflexão. As ocorrências de agressão, brigas e violências estão em sua esmagadora maioria relacionadas ao uso do álcool. O álcool é a droga mais relacionada a homicídios enquanto a maconha está associada, no máximo, a um ataque à geladeira.

4. A internação é um dispositivo pouco eficaz. O preconceito e a ignorância leva muitas pessoas a acreditarem erroneamente neste dispositivo. Hoje há um consenso entre os especialistas da área de saúde de que qualquer tratamento com internação só tem alguma chance de obter resultado se a vontade de internar-se partir do próprio paciente.

5. Qual o problema do entrevistado afirmar que o repórter usa maconha? É só responder “não, não uso”. E para finalizar, nem todos que estão na marcha são maconheiros, portanto, não generalize. Coloque como algo que você aprendeu. Faremos uma frase excelente em cartaz com letras garrafais para você no ano que vem.

5.A maconha é o remédio mais poderoso do mundo

Novamente, se não fosse pela ironia, diríamos que você também aprendeu essa. A proibição da maconha no mundo acarretou um lastimável atraso nas pesquisas científicas, mas ainda assim, as pesquisas já realizadas até hoje mostram que a cannabis é sim um dos remédios mais poderosos. Os primeiros registros do seu uso como remédio têm mais de 5000 anos, e  é a única planta que possui um sistema de drogas tão amplo capaz de atuar em diversas patologias e sintomas endógenos. Simplesmente impressionante. Recomendamos estudar mais sobre. Não é sem embasamento científico que diversos países de primeiro mundo já regulamentaram seu uso para incontáveis doenças e sintomas. Não é a toa que a Agência Nacional de Vigilância sanitária já autorizou mais de 1500 pessoas a fazerem uso de extratos de cannabis no Brasil e diversas empresas a iniciarem seus trabalhos por aqui. Ah, e quanto as pesquisas citadas,  não sabemos se você chegou a ler por inteiro os artigos, mas acreditamos que não. Nos próprios trabalhos que citou afirmam que não há uma relação causal entre maconha e esquizofrenia. A única relação causal é alguém ter histórico familiar, pré-disposição. Sendo assim, o gatilho pode sim ser a maconha, como pode ser uma situação traumática, como pode ser o uso de qualquer outra substância. Ou seja, a pesquisa não conclui que a maconha causa esquizofrênia e sim que ela é mais um dos possíveis gatilhos que devem ser evitados por pessoas que têm tendência à essa enfermidade. Sem contar que o fato de que a prevalência de esquizofrênia no mundo tem sido de 1% desde sempre, enquanto o uso de maconha só tem aumentado nas últimas décadas, se a maconha fosse causadora de esquizofrênia deveríamos ter tido um aumento nos casos de esquizofrenia, não? Mas não é o que tem ocorrido pois o índice de pessoas com esquizofrenia permanece o mesmo apesar do maior número de pessoas usando maconha. Harvard University tem um estudo que contradiz o que você escreveu. Mas, temos a impressão que você não deve conhecer esta universidade ou não teria colocado na sua introdução que as melhores pesquisas apontam para os malefícios da cannabis. O artigo de Bristol não traz nada de novo, pois pessoas com esquizofrenia, um transtorno que traz muito sofrimento e muita confusão para o sujeito, faz com que eles tenham os mais variados comportamentos na tentativa de amenizar um pouco este sofrimento. E o artigo publicado na Peerl é simplesmente péssimo. Há diversas falhas na metodologia, na seleção do grupo, e nos instrumentos utilizados que são inclusive reconhecidos pelos próprios pesquisadores na avaliação do estudo. As falhas são tantas, que daria outro texto só para isso.

6.A legalização vai acabar com o tráfico e com a criminalidade

Impressionante a ignorância sobre o assunto. Adoramos a parte “forma simples disso acontecer seria parando de consumir a droga”. Está falando sério ou faz parte das tuas ironias? O ser humano usa drogas desde a pré-história, desde sua existência, é um fenômeno cultural universal. Sentimos te informar que uma das consequências da guerra contra as drogas é o fato de só ter ocorrido aumento do consumo, revelando como sua ideia é utópica e ingênua. A violência e criminalidade ocorre justamente por conta da proibição. Durante milênios o uso de diferentes plantas e drogas ocorreu em variadas sociedades sem que isso gerasse grandes problemas. Porém no início do séc XX implantamos a falsa política de que as drogas e seus usuários deveriam ser exterminados e, com isso, entregamos ao crime organizado uma das maiores economias do mundo, sem regulamentação nenhuma, fazendo com que o domínio de um grupo sobre o outro no mercado seja pelo seu arsenal bélico. Nos diga, você encontra pessoas armadas disputando pontos de venda de cerveja? Não? Pois então, isso acontece pois há uma regulamentação para o álcool. Novamente, pensar é difícil, mas estamos tentando ajudar. Sabia que os danos causados pela proibição são exponencialmente maiores do que pelo uso de drogas em si? E não sei se você sabe, mas o Uruguai não teve mortes relacionadas ao tráfico após a legalização da maconha. São décadas tratando a maconha na esfera criminal e o resultado não poderia ser pior. A população carcerária por associação ao tráfico só aumenta e não diminui em nada os problemas relacionados às drogas, pelo contrário, criam-se novos. Encarceramos somente o elo mais fraco do tráfico, aumentamos a violência e a corrupção, enriquecemos o crime organizado e, principalmente, mantemos as empresas que fabricam armamento bélico como o mercado mais lucrativo do mundo. Ah, e um último detalhe, o último artigo citado neste item, foi traduzido erroneamente. O termo “disorder” não está relacionado à “desordem pública”, mas sim a classificação do DSM IV. Se for para usar o google translator, converse antes com alguém que entenda inglês de fato.

7.Plantar maconha em casa também vai acabar com o tráfico

Engraçado. Vale mais uma ironia do que conteúdo significativo ao público. Sua contra argumentação ao plantio em casa é pobre. Tão pobre que você não conseguiu passar nada ao leitor. Prometo que rebateremos quando tiver conteúdo. Vamos só deixar um exemplo que ilustra o quanto tem crescido o movimento de pessoas que cultivam para uso pessoal. Cresceu tanto que em 2010 eram apenas 34 laudos da Polícia Federal sobre apreensões de sementes recebidas de outros países para o Brasil. Em 2014 esse número passou para 2192 laudos. Em 2015 a PF cultivou seus próprios pés de maconha para começar a entender melhor a cultura de cultivo indoor e saber quanto rende em médias as plantas dos usuários. Isso nos dá a dimensão de que muitas pessoas têm buscado o cultivo caseiro como alternativo ao tráfico, e olhe que isso é apenas um entre muitos exemplos que ilustram este movimento. Mas não poderíamos esperar outra coisa de uma reportagem que desde o início se propôs somente a espalhar os próprios preconceitos do autor. Foi um péssimo final, para combinar com uma péssima reportagem. Esse texto é uma forma de repúdio a mídia que desinforma, que faz um desserviço à sociedade trazendo à tona o preconceito sem responsabilidade alguma. Sem a intenção de trazer informações relevantes para que o leitor possa pensar criticamente sobre o assunto, ele agride, ironiza, e incentiva a intolerância. Por um mundo com menos jornalistas como esse.

por Lina Wallauer e Victor Mesquita